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Especialistas alertam sobre o futuro da pesca no Brasil

O diretor-geral da Oceana e oceanólogo Ademilson Zamboni ressaltou a missão da organização de proteger o bioma marinho para que seja possível continuamente alimentar o mundo”. Foto: Oceana/Jéssica Ribeiro

“Só podemos pensar num futuro da pesca sustentável e em total equilíbrio entre atividade econômica e conservação dos estoques se entendermos, com detalhes, o caminho que trilharmos. Nesse sentido, a Auditoria da Pesca cumpre uma missão singular no contexto atual”, destacou Ademilson Zamboni, diretor-geral da Oceana, durante o lançamento da quarta edição da Auditoria da Pesca.
Ao examinar detalhadamente indicadores-chave e os últimos 20 anos da administração pesqueira nacional, o estudo da Oceana revela uma questão crucial para a sustentabilidade da atividade no Brasil: a sucessão de mudanças na administração pesqueira criou um ambiente institucional instável e descontinuado. Com uma legislação pesqueira que não define claramente papeis e responsabilidades dos gestores, essa instabilidade se agrava, afetando negativamente o meio ambiente e o setor produtivo.

Presencialmente, a Oceana reuniu, em Brasília, cinco debatedores: Edipo Araujo, secretário-executivo do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA); Marly Lúcia, representante da pesca artesanal e secretária da Rede de Mulheres da Confrem; Cadu Villaça, presidente do Coletivo Nacional da Pesca e Aquicultura (Conepe); e o cientista pesqueiro Paulo Pezzuto. A mediação foi conduzida pelos três autores da Auditoria, Ademilson Zamboni, Martin Dias e Letícia Canton, respectivamente, diretor-geral, diretor científico e cientista marinha sênior da Oceana. Na plateia, estavam especialistas, representantes da pesca artesanal, da pesca industrial e do governo federal.
Assista ao debate no YouTube da Oceana

“Como novidade, essa edição trouxe indicadores que permitem cruzar resultados das atividades finalísticas da autoridade pesqueira, como monitorar e ordenar a pesca, com questões relativas a orçamentos e recursos públicos. Esse documento reforça o compromisso da Oceana em trabalhar para a transformação das políticas públicas voltadas ao ecossistema marinho e garantir a sua produtividade para sempre. Esta Auditoria da Pesca é um símbolo de compromisso com o futuro da pesca”, afirmou Zamboni.

Embora o panorama de 2024 indique um crescimento no investimento público direcionado à gestão da pesca, incluindo atividades finalísticas, esse aumento ainda não se traduziu em melhorias significativas na maioria dos indicadores. O monitoramento, ordenamento e controle da pesca seguem concentrados nas regiões Sul e Sudeste, com poucos avanços nas regiões Norte e Nordeste. A situação de 48% dos estoques pesqueiros (termo usado para as populações de peixes exploradas pela pesca) permanece desconhecida, sem informações. Dos 75 estoques que a Oceana indicou possuir dados científicos disponíveis, 66% estão sobrepescados, ou seja, abaixo dos níveis ideais de abundância.

Por outro lado, a Auditoria revela avanços significativos em outras áreas importantes da gestão pesqueira, especialmente em transparência e participação social. Houve um aumento significativo na disponibilização de dados e informações por parte da autoridade pesqueira, além de uma consolidação dos Comitês Permanentes de Gestão (CPGs) como instâncias de consulta e tomada de decisão. Também foram identificados avanços no suporte científico aos CPGs, que retomaram seus Grupos Técnicos Científicos (GTCs).

Representante do Ministério da Pesca e da Aquicultura (MPA), o secretário-executivo, Edipo Araujo, parabenizou a Oceana pela qualidade da Auditoria da Pesca, que se aprofunda a cada ano. “O documento funciona como uma crítica construtiva e analisa o nosso primeiro ano de recriação do Ministério. Reflete sobre o nosso desafio de executar um orçamento que cresceu 1000% em relação à gestão anterior. A Auditoria mostra que crescemos em transparência de dados, em acesso à informação, e retomamos os CPGs e os GTCs. Tudo isso com a mesma quantidade de servidores da gestão anterior, quando o Ministério foi reduzido a uma secretaria”, avaliou Edipo, anunciando que, em breve, a pasta contará com uma quantidade significativa de servidores públicos temporários concursados.

O secretário-executivo também destacou o compromisso do MPA em trabalhar por um futuro da pesca sustentável, em um processo que caminhe lado a lado com a ciência pesqueira. “Firmamos convênios com universidades e representações da pesca artesanal. Em breve, vamos lançar o Plano Nacional de Estatística Pesqueira”, anunciou.

Marly Lúcia, secretária da Rede de Mulheres da Pesca da Confrem Brasil, apontou para a ausência de uma política efetiva na ponta da cadeia primária da pesca, desde o monitoramento dos estoques até a certificação dos produtos. “Não há medição do impacto econômico da pesca nas comunidades e no país. Quem sai para pescar dois dias e volta com o barco cheio gera economia, mas o Estado brasileiro não tem controle sobre esses dados”, observou.

O pesquisador e cientista pesqueiro Paulo Pezutto concordou, destacando que a produção artesanal faz parte do cotidiano de milhões de brasileiros, evidenciando sua importância tanto na economia quanto na segurança alimentar. “Em Santa Catarina, a produção vai para o mercado, para a peixaria, para a beira da praia. São 40 mil toneladas de pescado por ano impactando a economia, e essa importância não está sistematizada”, alertou.

Ao final do debate, Marly Lúcia lembrou, emocionada, que uma das demandas centrais de uma transformação legislativa na pesca é a inclusão das mulheres como agentes ativas no sistema pesqueiro. “Nós existimos, somos pescadoras, somos marisqueiras. Porém, hoje, a atual legislação nos refere como ajudantes. Não existe pesca sem a presença da mulher”, alertou Marly, uma das pescadoras que participaram da construção de uma nova minuta para a Lei da Pesca, ação promovida pela Oceana e que envolveu toda a cadeia primária da pesca no Brasil.

Estoques pesqueiros esgotados

O estudo revelou que os estoques pesqueiros explorados pela atividade estão, em sua maioria, com a abundância reduzida devido aos anos de pesca excessiva e sem controle. Isso inclui espécies como as lagostas vermelha e verde, principais pescados na balança de exportação do Brasil; o pargo, segundo maior pescado em exportação; e a corvina, o peixe mais popular do Brasil, que corre o risco de entrar na lista de espécies ameaçadas de extinção. Esses recursos têm grande importância socioeconômica, mas suas populações já apresentam sinais de esgotamento, indicando que não se pode continuar pescando na mesma intensidade sem comprometer a disponibilidade futura.

Cadu Villaça, presidente do Coletivo Nacional da Pesca e Aquicultura (Conepe), defendeu que a riqueza da pesca está justamente debaixo d´água e que esse recurso público da natureza precisa ser cuidado para as novas gerações. “Eu já vejo, no Brasil, o entendimento de que não devemos exercer uma pressão excessiva da pesca sobre os estoques para não comprometer a atividade econômica. Precisamos retomar o equilíbrio, e essa recuperação biológica é possível graças à resiliência da natureza. É essencial que a ciência participe desse processo de forma mais efetiva. Hoje, há empresas no Brasil investindo em pesquisas para solucionar a situação de sobrepesca”, afirmou.

O monitoramento e a coleta de dados sobre a atividade pesqueira, fundamentais para uma boa gestão, também foram tema do debate. Pezzuto, que coordenou por mais de 20 anos a estatística da pesca em Santa Catarina, destacou o tamanho do desafio que o país enfrenta: “Se hoje temos 52% das nossas pescarias monitoradas, é preciso dizer que esse dado só existe porque está ligado ao processo de licenciamento ambiental do sistema de exploração de petróleo do pré-sal. Foi uma exigência do Ibama, e a Petrobras financia esse estudo. Isso significa que, se os técnicos do Ibama decidirem que esse dado não é mais importante para o licenciamento, ele pode deixar de ser gerado. É preciso enfrentar esse risco. Uma decisão política do MPA é necessária para resolver esse problema. Isso será histórico”, completou Pezutto.

O diretor científico da Oceana, Martin Dias, acredita que grande parte das respostas para um futuro da pesca sustentável no Brasil está na urgência de uma nova legislação. A Lei 11.959/2009, que completou 15 anos em 2024, não atende a critérios mínimos de governança, transparência e segurança jurídica, resultando em prejuízos econômicos e ambientais. “O resultado está refletido no caos político-administrativo diagnosticado nesta Auditoria. A cada 2,8 anos, o país teve um arranjo institucional diferente, com orçamentos e status político que fizeram a cadeia primária remar sem a proteção de uma legislação que a resguardasse”, concluiu Martin Dias.

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