Estudo coordenado pela Embrapa começou a medir a quantidade de carbono estocado nas plantações e no solo das áreas de cultivo de café em Rondônia. Atualmente ausentes na literatura científica, os dados de carbono sequestrado pela cafeicultura rondoniense podem comprovar a sustentabilidade do cultivo local e, com isso, abrir portas de novos mercados para o produto, além de possibilitar ao agricultor o acesso a programas de pagamentos e a mais investimentos.
Denominado “CarbCafé – RO”, o projeto de pesquisa é liderado pela Embrapa Territorial (SP) e conta com a parceria da Embrapa Rondônia, dos Cafeicultores Associados da Região Matas de Rondônia (Caferon), do banco Sicoob, agente financiador com a Embrapa, e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). A parceria também prevê outros trabalhos inéditos, como o mapeamento das áreas de café e o inventário de carbono. As primeiras ações tiveram início entre maio e junho, com visitas a unidades produtivas de Cacoal (RO), para articular a participação dos agricultores.
Como analisa o pesquisador da Embrapa Carlos Ronquim, líder do projeto, os estudos de inventário e de estoques de carbono no solo e na fitomassa de cafeeiros em Rondônia conferem uma oportunidade estratégica para o setor. “Esse tipo de valoração ambiental cria referência ao consumidor, mostrando que o café amazônico pode ser produzido de forma sustentável, com qualidade, de origem comprovada, sem vínculo com o desmatamento, além de criar condições para o pequeno produtor se fixar na terra”, considera. “Por sua vez, os mapeamentos das lavouras de café no território rondoniense podem contribuir com previsões de produção mais assertivas das safras”, complementa.
A área do estudo é reconhecida como Matas de Rondônia, e compreende 15 municípios produtores de um café singular: o Robusta Amazônico. Essa cultivar é resultado da hibridação de duas variedades botânicas da espécie Coffea canephora (café canéfora): o conilon, levado pelos capixabas para a região entre as décadas de 1970 e 1980; e o robusta, disponibilizado pela Embrapa. A originalidade e a qualidade do produto foram atestadas pelo selo de Indicação Geográfica, do tipo Denominação de Origem, concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em 2021.
Conforme informa Juan Travain, cafeicultor e presidente da Caferon, atualmente, mais de 90% do café produzido no bioma Amazônia vem de Rondônia. “[Portanto] quando falamos de cafeicultura em Rondônia, estamos falando de cafeicultura da Amazônia”, destaca. Travain estima que 70% da produção local vai para a indústria de café solúvel nacional. Uma parcela, ele complementa, alcança os portos com destinos a países na Ásia, Europa e América do Norte.
Os números da produção rondoniense começam a evoluir no cenário brasileiro. Dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) – safra 2022/2023 – apontam o estado como o quinto maior produtor de café do País, ocupando o segundo posto quando considerado somente o café canéfora. Atualmente, a cafeicultura local envolve mais de 10 mil produtores rurais, e a maior parte das plantações de café do estado são encontradas em pequenas propriedades rurais (com quatro hectares, em média).
Mas a ampliação de mercados traz desafios. Cresce a exigência dos compradores, dentro e fora do Brasil, pela comprovação de que os artigos de cadeias produtivas não provenham de áreas desmatadas. Para o café cultivado na Amazônia, a pressão é o dobro, como enfatiza o presidente da Caferon. “Para vender o café produzido aqui, é preciso estar em consonância com as normas ambientais, não só as brasileiras, mas com aquelas na visão global”, ressalta.
Ele enxerga a pesquisa como uma oportunidade para refutar de vez a ideia de que a cafeicultura na Amazônia não é sustentável. “Queremos mostrar ao mundo que a cafeicultura de Rondônia é sustentável, de acordo com as normas de sequestro de carbono. Temos expectativa de que o nosso saldo seja positivo, e [com esse estudo] queremos provar”, declara.
Pressão sobre a floresta
O pesquisador da Embrapa Rondônia Enrique Alves, especialista no estudo do café robusta amazônico e cogestor do projeto, ressalta que as áreas usadas para a cafeicultura no estado já foram antropizadas há muitos anos. Na década de 1980, ocupavam 300 mil hectares; hoje, são pouco mais de 60 mil hectares, segundo Alves. Ele acredita que a cafeicultura seja uma atividade econômica interessante para a agricultura da região, pois pode agregar renda e frear a pressão sobre as áreas florestais. “Se você tem uma cultura que gera renda e qualidade de vida para a família em pequenas áreas, você diminui a pressão sobre a floresta”, analisa.
Na opinião do presidente do Sicoob em Rondônia, Oberdan Ermita, a cafeicultura é atividade promissora para o agricultor amazônico, pois está baseada em qualidade, com identificação geográfica, e tudo isso, segundo ele, agrega valor ao café. E os benefícios para o agricultor podem ser ainda maiores. “Tendo os resultados positivos para o sequestro de carbono, nossa intenção é oferecer um pacote, como o crédito, transferência de tecnologia e pagamento por serviço ambiental a esse produtor que escolher a cadeia da cafeicultura”, ressalta.
Ermita também acrescenta que, a partir de dados positivos do sequestro de carbono, o banco poderá buscar parceiros para viabilizar fundos de investimento mais baratos para o agricultor. “A produção sustentável atrai empresas, e os fundos investirão em projetos limpos, que sequestram carbono e cuidam do meio ambiente”, declara.
Mapeamentos
O mapeamento das lavouras de café em Rondônia é outro resultado previsto no projeto. Serão utilizadas imagens de satélite como apoio para a detecção das lavouras. Os materiais gerados podem beneficiar os setores de planejamento, monitoramento e execução de políticas públicas, além de cooperativas e associações de produtores de café no estado. Como pontua Ronquim, o mapeamento das lavouras de café necessita de atenção por causa das características da cultura e da semelhança com a resposta espectral de outras fitofisionomias nativas e de cultivo, ou seja, para os sensores dos satélites, os cafezais podem ser confundidos com pequenos talhões de floresta nativa ou com outros cultivos arbóreos, principalmente quando estão no estágio inicial de desenvolvimento, o que dificulta a detecção. Para complicar, os cafeeiros encontram-se em áreas diminutas, principalmente, em pequenas propriedades rurais, distribuídas nos imensos territórios dos municípios.
Perfil dos cafeicultores
O projeto prevê, ainda, o levantamento do perfil socioeconômico e ambiental dos cafeicultores das Matas de Rondônia. Esse documento identificará informações como número de mulheres, homens, quilombolas e indígenas nas propriedades, práticas agrícolas, tecnologias em uso, e desafios frente às mudanças climáticas, entre outras. A aplicação dos questionários contará com as colaborações do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar).
A partir das informações levantadas, o grupo conseguirá enxergar quais são os principais desafios do agricultor, e, dessa forma, será possível oferecer soluções para as suas demandas. “Conseguiremos personalizar melhor essa solução, de acordo com a realidade socioeconômica e ambiental do produtor”, ressalta o presidente do Sicoob em Rondônia.