Ana Paula Preczenhak
Doutora, pós-doutoranda na ESALQ-USP e professora – Faculdade de Ensino Superior Santa Bárbara (FAESB)
appreczenhak@gmail.com
Matheus de Jesus Morais
Graduando em Engenharia Agronômica – ESALQ-USP
matheusmorais@usp.br
Ricardo Alfredo Kluge
Doutor e professor – ESALQ-USP, Departamento de Ciências Biológicas – Laboratório de Fisiologia e Bioquímica Pós-Colheita
rakluge@usp.br
A alface é uma das hortaliças mais importantes do ponto de vista socioeconômico no Brasil, sendo encontrada nas diversas regiões e, por isso, é uma das hortaliças de maior produção e consumo no País. Para sua comercialização é exigida aparência vigorosa, sem sintomas de doenças e coloração viva característica.
Esta hortaliça folhosa responde muito bem à aplicação de adubação nitrogenada. Dentre as tecnologias aplicadas para melhorar a qualidade e rendimento de alface são utilizados produtos à base de aminoácidos.
A maioria dos produtos disponíveis no mercado são chamados de bioestimulantes e/ou fertilizantes organominerais, sendo constituídos de misturas de aminoácidos e peptídeos curtos ao invés de substâncias puras. Essas misturas também são chamadas de hidrolisados de proteínas e podem ter várias fontes vegetais e/ou animais.
A aplicação destes produtos, em sua maioria, é via foliar e fertirrigação em hidroponia. Contudo, podem ocorrer aplicações via solo ou para tratamento de sementes. Via solo os aminoácidos são absorvidos diretamente pelas raízes através de transportadores específicos, enquanto por via foliar estes adentram os tecidos por difusão.
Quem são os aminoácidos?
Os aminoácidos são moléculas orgânicas estruturais compostas pelos elementos carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio, sendo que alguns também apresentam enxofre na sua estrutura.
Por serem moléculas fundamentais e estruturais do metabolismo, desempenham várias funções, como a síntese de proteínas e clorofila, participam do metabolismo intermediário de açúcares e ácidos orgânicos, assim como são precursores de hormônios e metabólitos secundários responsáveis pela defesa do organismo da planta.
Existem apenas 20 aminoácidos envolvidos na construção de proteínas. No entanto, são mais de 250 aminoácidos envolvidos em diversas outras funções nas plantas.
Atuação
Os aminoácidos participam da ativação da fotossíntese e o suprimento de nitrogênio afeta principalmente a etapa enzimática deste processo. Isso ocorre porque os aminoácidos são constituídos por nitrogênio e a planta direciona cerca de 50% do nitrogênio assimilado para a síntese da principal enzima de funcionamento da fotossíntese, a rubisco.
Isto significa que a rubisco é estruturalmente dependente de nitrogênio, e quanto maior a atividade desta enzima, maior é a atividade fotossintética, e quanto maior a atividade fotossintética, maior é o acúmulo de fotoassimilados (energia).
Desta forma, mais energia fica disponível para a planta completar o seu desenvolvimento. Além disso, as clorofilas, que são os pigmentos responsáveis pela captação de luz na fotossíntese, também são dependentes de aminoácidos para serem sintetizados.
Como podemos perceber, até agora a aplicação exógena de aminoácidos apresenta resposta muito complexa do metabolismo da planta, que envolve desde a formação de estruturas basais, passando pela defesa contra os estresses, até a resposta hormonal.
Os aminoácidos também são importantes ligantes entre os metabolismos do nitrogênio e carbono; por exemplo, a glicina e a asparagina são responsáveis pelo transporte e armazenamento de nitrogênio de forma estável na planta, o que garante o suprimento de nitrogênio durante o desenvolvimento da hortaliça.
De forma resumida, podemos dizer que o aumento de nitrogênio nos tecidos aumenta a eficiência fotossintética, que é a chave da produtividade da cultura. Já os aminoácidos, que atuam em vários pontos do metabolismo, contribuem para esta adição de nitrogênio na planta e para a defesa contra os estresses bióticos e abióticos.
Novidades
O que se sabe sobre os resultados da aplicação de aminoácidos em alface até agora? Bem, podemos avaliar de dois pontos de vista: 1) analisando cada aminoácido e suas funções específicas e; 2) analisando os resultados com mistura de aminoácidos. Neste último caso, não sabemos exatamente quais são os aminoácidos presentes e nem a sua concentração.
Sabemos que cada aminoácido (ou mistura de aminoácidos) irá interferir na alface de uma forma diferente, podendo ser dose dependente, relacionado ao estádio de desenvolvimento e ao potencial genético de cada variedade, principalmente se a suplementação de nitrogênio por meio da adubação convencional supre o potencial produtivo da cultura.
Além disso, essas respostas podem ser relacionadas ao balanço da distribuição de fotoassimilados na planta, sendo direcionados tanto para a parte a aérea quanto radicular. A suplementação exógena de aminoácidos pode garantir esse fornecimento de moléculas para o desenvolvimento da planta.
Alguns trabalhos demonstraram a ação individual de alguns aminoácidos e sua importância para o desenvolvimento de alface. A metionina foi associada à biossíntese de substâncias reguladoras de crescimento, como auxina, citocinina e brassinosteroides em plantas.
Ainda, este aminoácido desempenha papel central na fixação de enxofre inorgânico do ambiente, sendo doador deste elemento para a formação de outras importantes biomoléculas no vegetal. A metionina tem papel fundamental na manutenção da estrutura das proteínas necessárias para a divisão celular, além de facilitar a translocação de nitrogênio na planta.
Pode se comportar como fonte de carbono e energia, sendo precursora de poliaminas, que são substâncias antiestresse na planta. A aplicação de glutamato mostrou estímulo à ramificação das raízes. O triptofano, que é precursor do hormônio auxina, parece estar relacionado com o crescimento inicial das plântulas de alface e ao aumento das porcentagens de matéria seca.
Os aminoácidos arginina e prolina estão entre os principais aminoácidos relacionados com a defesa contra os estresses bióticos e abióticos nas plantas. Por outro lado, a aplicação de alguns aminoácidos é mais bem relacionada com o armazenamento de fotoassimilados, como no caso da arginina, fenilalanina, tirosina e valina .
Produtividade
Alfaces tratadas com bioestimulante e aminoácidos mostraram acréscimo de número de folhas de 194% em comparação ao controle sem aplicação do produto. Ainda, a aplicação de doses crescentes de aminoácidos proporcionou plantas com maior altura, maior massa seca da parte aérea e maior número de folhas, constatando a eficácia do uso de aminoácidos em alface.
Da mesma forma, a aplicação de biofertilizante organomineral à base de algas marinhas e aminoácidos, independentemente da dosagem (6,75 mL/L; 9 mL/L; 11 mL/L; 13,5 mL/L) mostrou aumento de massa fresca em alface crespa cv. Veronica, em comparação às que não receberam o produto.
Em cultivo hidropônico de alfaces verdes e vermelhas, estudos mostram que a aplicação de aminoácidos por meio da solução nutritiva resulta em plantas com raízes mais longas, folhas com maior concentração de clorofila e redução das concentrações de nitrato nas folhas.
A aplicação excessiva de fontes nitrogenadas convencionais pode causar o acúmulo de nitratos nas folhas de alface, os quais, em altas concentrações, são prejudiciais à saúde do ser humano.
Resultados
A aplicação foliar dos aminoácidos glicina e glutamina em alface var. Romana mostrou que a glicina aumenta a eficiência do uso de fertilizantes, melhora a qualidade e rentabilidade, facilitando a assimilação e translocação do nitrogênio nas plantas, ou seja, o manejo nutricional.
A glutamina participa do metabolismo de assimilação de nitrogênio, juntamente com a asparagina. A aplicação de ambos os aminoácidos mostrou aumento da concentração de clorofila, provavelmente pelo seu efeito protetor contra degradação do pigmento e aumento da massa fresca das raízes e parte aérea das alfaces, além de maiores teores de vitamina C na hortaliça. O trabalho concluiu que dosagens moderadas de 250 mg/L trazem melhores resultados que dosagens muito mais altas.
Por isso, muito cuidado com altas concentrações de aminoácidos. Estas não garantem melhores resultados e muitas vezes podem até interferir negativamente. Assim, é sempre muito importante seguir as recomendações do fabricante quanto à dosagem e períodos de aplicação.