*Por Guilherme Amado
A secagem é um dos processos mais importantes na produção de café. Toda etapa é essencial e requer diversos cuidados, mas essa, em específico, precisa de atenção e reconhecimento do trabalho a ser empenhado.
Uma metáfora interessante que podemos estabelecer é ver o café com uma Fênix, pois, na sobrevida, ambos se transformam em algo admirável, que no caso do café se manifesta em sabores e aromas revelados. Para ter esse resultado magnífico, é preciso levar em consideração o cuidado com a semente, tratá-la de maneira afetiva, com um olhar delicado, para que não tenha nenhum dano à membrana celular do grão ou a aceleração dos estágios para ganho de eficiência. Essa celeridade pode comprometer a qualidade do produto.
Para começar essa conversa, é preciso entender em qual momento realizamos a colheita. Dentro da Nespresso, consideramos a hora certa quando ao menos 95% dos frutos estão maduros. Além disso, existem cultivares de café com maturação precoce, média e tardia — que devem ser consideradas dentro do planejamento agrícola. Posterior a isso, inicia-se a contagem do relógio para a pós-colheita do café, ou, como costumamos dizer, a secagem.
Muitas vezes, as fazendas não observam a estrutura para esse procedimento, se tornando, na maioria dos casos, o gargalo das operações. Por exemplo, se eu quero produzir 100 sacas de café, eu preciso ter uma estrutura condizente para realizar a secagem dessa quantia de forma adequada. Então, fica claro uma vez mais que tudo começa no planejamento.
Podemos considerar que uma das questões primordiais para esse estágio é realizar um processo de secagem de maneira lenta e contínua. Isso garante que a umidade seja retirada de dentro para fora da semente, que no fruto maduro tem de 60 a 70%. Seguir esse procedimento completo é importante para anular a possiblidade do grão se tornar um novo pé de café, afinal, estamos falando um embrião vivo.
É importante destacar que a secagem possui dois estágios principais. O primeiro, citado anteriormente, deixando a semente com até 30% de umidade e o segundo momento é o que nós chamamos de período de meia seca. A partir deste ponto, o café não pode mais umedecer. Se isso ocorrer, perdemos o grão, pois se inicia uma fermentação negativa, que apodrece a semente e o embrião. Compreendido isso, agora podemos pautar o processo em si.
TÉCNICAS DE SECAGEM
Há diversas maneiras nas quais podemos efetivar esse procedimento. Uma das mais conhecidas é a secagem natural ao Sol por meio dos terreiros, ou pátios de secagem, tendo como melhor material o concreto. Essa técnica garante que ocorra a absorção parcial da umidade da semente, tendo em vista a importância em realizar um trabalho que gere o mínimo de atrito possível. Sabemos que esse momento na produção de café exige movimentações, mas isso precisa ser feito com todo cuidado para não danificar o grão. Além disso, nesse método, a céu aberto, existe o risco de chuva. Por isso, é essencial ter atenção total às questões climáticas e estabelecer um plano de ação com responsáveis garantindo uma atenção plena ao processo.
Outra técnica que pode ser utilizada no pós-colheita é o terreiro suspenso, que são estruturas feitas com sombrite que acomodam o café em cima. Como todo sistema, há aspectos positivos e negativos que precisam de atenção. Na secagem suspensa não existe a troca de umidade entre a semente e o chão, isso pode fazer com que o processo demore um pouco mais. Outro ponto que merece atenção nessa técnica é o manejo. No terreiro de chão é mais fácil de realizar o manuseio com a utilização de rodos, já no terreiro suspenso esse procedimento é feito manualmente.
Ainda falando sobre secagem suspensa, o manejo manual possibilita que tratemos o café da maneira que deve ser tratado, como alimento, com todo o cuidado necessário, e isso é positivo. Porém, dentro da ampla demanda que temos pelo produto, na Nespresso, por exemplo, é impossível a quantidade de terreiros suspensos para secar os cafés, então essa técnica é utilizada, na maioria das vezes, em micro lotes ou cafés de concurso.
Uma terceira metodologia é a estrutura do terreiro de concreto coberto, que seria algo semelhante a uma estufa. Nessa técnica utilizamos um plástico que cobre todo terreiro, incluindo as laterais. Isso possibilita que a estrutura seja aberta de acordo com a necessidade. Um dos diversos benefícios dessa modalidade é a não exposição ao risco climático. Assim como a secagem suspensa, esse processo é muito custoso e por isso há uma limitação de investimento, consequentemente sendo utilizada também para micro-lotes ou cafés de concurso.
Com esses processos relatados, podemos concluir que há dois fatores essenciais para a secagem do café: o tempo e a temperatura. Em relação ao tempo, é possível dizer que há uma variação entre uma semana e 30 dias e, como vimos, existem diversos fatores que interferem nesse processo, se há sol ou não, além de outras condições. É essencial termos a visibilidade de que cada uma dessas interferências impacta diretamente na qualidade do produto.
Como sabemos que nem todos os dias são ensolarados, a instabilidade do clima é preocupante, mas, para isso, existe uma alternativa que é a secagem mecânica, com secadores rotativos que utilizam como combustível madeira ou, até mesmo, o gás. Independente do processo, a temperatura de secagem, principalmente na meia seca, não pode ultrapassar 40ºC, e a secagem mecânica é utilizada, principalmente, nesse estágio.
Normalmente, na meia seca, os produtores intercalam a secagem entre os terreiros e o processo mecânico, de oito em oito horas, isso possibilita controlar o momento crítico que representa. Essa técnica ajuda realizar a homogeneização dos níveis de umidade entre todas as sementes, comumente chamado do descanso do café.
Depois que o café entra no estágio final, com nível de umidade entre 12 e 13%, o último procedimento de secagem é feito em um local de armazenagem que chamamos de tulha, que são silos de madeira onde o café descansa por mais 30 dias. Essa é a última exigência para finalizar a secagem. Esse momento de descanso é primordial porque, a partir daí, é possível estabilizar o grau de umidade de todos os lotes. Nesse período, a principal ferramenta é o medidor de umidade, um leitor digital onde colocamos as amostras para obter os resultados necessários. É essencial que o equipamento seja calibrado anualmente para dar o número correto, é com base nisso chegamos ao padrão adequado para o café.
Lembrando que a umidade é um dos principais pontos avaliados na especificação do produto. Se o café tiver uma medida inferior a 11,5%, pode significar que o embrião está morto, resultando em uma possível quebra do grão, ou seja, produto com defeito. Mas não pode ultrapassar 12%, pois se houver uma umidade acima deste percentual há um alto risco de fermentação, criação de mofos ou até mesmo o surgimento de toxinas venenosas.
Para finalizar, é essencial termos em mente que a umidade é um dos principais parâmetros que garantem o tempo de prateleira do café. Normalmente, esse grão bem processado, é denominado como café verde, seria a matéria-prima produzida na fazenda com um tempo de prateleira de 12 meses sem perder a qualidade. As boas práticas de armazenamento precisam controlar a umidade, temperatura e iluminação, garantindo o máximo tempo de exposição.
A secagem é o processo mais importante depois da colheita do café, e realizar um processo de maneira exímia é uma das atividades chaves que as fazendas têm que desempenhar, que começa pelo bom planejamento, implementação de procedimentos de controle de qualidade rígidos e treinamento das pessoas, que são as responsáveis por todo esse trabalho. *Guilherme Amado é Líder de Qualidade Sustentável da Nespresso no Brasil e Havaí.