Kethelin Cristine Laurindo de Oliveira
Doutora em Ecologia e professora – Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat)
kethelin.oliveira@unemat.br
Dentre as atividades agroindustriais, a cafeicultura se destaca entre uma das mais importantes no Brasil. O plantio de café envolve muitos aspectos que devem ser levados em consideração. Por ser uma planta perene, as falhas cometidas na implantação e no manejo irão refletir por toda a vida útil do cafezal, influenciando na sua longevidade, na qualidade do produto, na produtividade e, consequentemente, na rentabilidade.
Os cafeicultores encontram algumas barreiras que diminuem a produtividade, dentre as quais os problemas fitossanitários, que estão entre os fatores de maior perda na produção, se destacando os ataques de fitonematoides.
Alerta de perigo
Várias espécies de nematoides estão associadas à cultura do café, porém, os principais gêneros que causam danos à produção na região do Cerrado são Meloidogyne e Pratylenchus, conhecidos vulgarmente como nematoide das galhas e nematoide das lesões radiculares, respectivamente. Estima-se que as perdas cheguem a 20% de produção em áreas com ataque destes nematoides, podendo, em alguns casos, serem responsáveis pelo abandono da atividade cafeeira.
Há uma diferença no modo de parasitismo destes dois gêneros – Meloidogyne sp. é endoparasita sedentário. Quando os ovos presentes no solo eclodem, os juvenis de segundo estágio (J2), seu estádio infectivo, estão prontos para infectar as raízes do cafeeiro.
Nesta fase, todos apresentam o corpo em formato vermiforme e, ao encontrarem as raízes, conseguem realizar a infecção e se estabelecem, formando o sítio de alimentação junto ao sistema vascular, no cilindro central.
São vulgarmente conhecidos como nematoides das galhas por formarem as células nutridoras ou gigantescas. Ao se alimentarem, induzem à hiperplasia nas células das raízes e, como resultado, ocorre a formação das galhas.
As fêmeas apresentam o dimorfismo sexual, apresentando corpo com formato de pêra e com coloração branca, permanecendo nas células nutridoras e produzindo ovos, onde cada fêmea chega a produzir, em média, 500 ovos.
Sintomatologia
As principais espécies de Meloidogyne associadas ao cafeeiro no cerrado são M. exígua, M. coffeicola, M. incognita e M. paranaensis. De forma geral, os sintomas, quando as raízes são atacadas, apresentam galhas e se tornam ineficientes na absorção de água e de nutrientes para a planta.
Com isso, o cafeeiro apresenta menor vigor e não cresce, causando as famosas ‘reboleiras’ na lavoura. As folhas podem apresentar clorose, podendo ser confundido com deficiência nutricional. A severidade dos sintomas está relacionada com alguns fatores, como o nível de infestação da área, a distribuição espacial, clima, solo, entre outros, refletindo diretamente na produtividade.
Já os nematoides das lesões radiculares possuem outra forma de parasitismo- são endoparasitas migradores e não apresentam dimorfismo sexual. A fêmea e o macho apresentam o corpo com forma vermiforme.
A infecção
Todos os estádios após a eclosão do ovo são aptos a infectar as raízes e são conhecidos como nematoide das lesões radiculares, pois após penetrarem nas raízes se nutrem das células do parênquima cortical e, com isso, causam lesões que se agravam gradualmente.
Como são migradores, as aberturas que deixam nas raízes são porta para outros microrganismos, como fungos e bactérias, podendo chegar a quebrar a resistência de algumas cultivares em relação a estes patógenos.
O ataque do Pratylenchus sp. às raízes prejudica o sistema radicular, diminui as raízes secundárias, ocasiona a diminuição na absorção de águas e nutrientes, resultando em plantas atrofiadas e cloróticas e podendo levar à morte delas.
Várias espécies do gênero Pratylenchus foram associadas ao cafeeiro. As principais espécies que ocorrem no Brasil são P. coffeae, P. jaehni e P. brachyurus.
Manejo
O controle de nematoides no cafeeiro, de uma forma geral, é uma operação difícil de ser realizada e a sua erradicação é impossível.
O fato de o café ser uma cultura perene dificulta as medidas de manejo devido à raiz estar em contato com o solo infectado por longos períodos e à dificuldade de aplicação de produtos que consigam entrar em contato com os nematoides.
Portanto, devemos buscar alternativas para minimizar os danos ocasionados pelos ataques destes fitonematoides.
Uma planta de café demora em torno de dois anos e meio para começar a produzir, portanto, práticas adotadas antes da implantação do cafezal são essenciais para a longevidade e produtividade.
As medidas preventivas são as mais eficientes, como a aquisição de mudas sadias para evitar a entrada de nematoides em áreas livres e a disseminação a longas distâncias. Adquirir mudas de viveiros certificados e idôneos, ou mesmo produzir a própria muda na propriedade, é uma alternativa.
O uso de variedades resistentes é outra medida com bons resultados, principalmente em áreas onde o nematoide já está presente. Trata-se de um método eficiente, econômico e não poluente.
Casos pontuais
Quando se observa ataque inicial de nematoide em cafezais, em reboleiras, é indicada a destruição destes pés e o isolamento deste foco inicial, realizando um controle mais efetivo na área contaminada, como o plantio de culturas não hospedeiras, a exemplo da mucuna-preta e da crotalária, para diminuir a população.
Outra forma de manejar os nematoides é pelo cultivo de adubos verdes nas entrelinhas dos cafezais. Assim, o produtor pode, além de diminuir a população de nematoides, realizar a descompactação do solo, disponibilizar nutrientes por meio da matéria seca após a poda da cultura escolhida e reduzir as plantas daninhas na área.
Estudos já comprovaram que os gêneros Meloidogyne e Pratylenchus são polífagos e as plantas daninhas também são hospedeiras destes nematoides. Portanto, o manejo destas plantas na área é crucial para diminuir a população dos fitonematoides.
As moléculas químicas vêm sendo empregadas no controle de nematoides, porém, temos alguns problemas relacionados à seletividade, período residual e à forma de aplicação destes produtos.
Solo rico
Sabe-se que um solo “rico” em sua estrutura é composto por matéria orgânica e microrganismos que auxiliam na mineralização e solubilização de nutrientes, tornando-os acessíveis para a planta absorver. Quando se utiliza produtos que não são seletivos aos nematoides, ocorre a morte destes microrganismos benéficos e, consequentemente, empobrece este solo.
Como alternativa, o uso de nematicidas biológicos vem crescendo no Brasil. Estudos com microrganismos benéficos, como fungos, micorrizas e rizobactérias estão sendo realizados como alternativa à diminuição da população de fitonematoides. São considerados uma estratégia de manejo sustentável, com benefícios à microbiota do solo. Pesquisas nesta área vêm crescendo, com resultados promissores.
O uso de microrganismos da rizosfera, conhecidos como rizobactérias, para o manejo de nematoides, está em evidência na agricultura. Estas bactérias promovem a proteção das raízes contra fitonematoides pela mudança dos exsudatos radiculares, além da indução de resistência e do crescimento das plantas.
Novidades
Algumas espécies de Bacillus sp. estão sendo registradas no MAPA como nematicidas biológicos com grande aceitação pelos produtores. Alguns produtos já estão sendo comercializados, a exemplo daqueles à base de Bacillus velezensis. Outro microrganismo que está sendo utilizado como nematicida biológico é o fungo Trichoderma sp., que tem a capacidade de colonizar ovos e juvenis, além de favorecer a indução de resistência das plantas, consequentemente, diminuindo a densidade populacional do fitonematoide e também auxiliar no equilíbrio da microbiota do solo, pois tem a capacidade de supressão sobre o patógeno.
Este fungo, ao se desenvolver no solo, também produz compostos voláteis (COV). Estudos já comprovaram a eficiência destes compostos para doenças de solo, porém, outros devem ser realizados para a verificação da eficácia dos compostos voláteis de Trichoderma sp., podendo mudar a forma como este fungo vem sendo utilizado na agricultura.
Pochonia chlamydosporia
Outro fungo que vem sendo utilizado é Pochonia chlamydosporia, um parasita de nematoide que produz esporo de resistência do tipo clamidósporo. O micélio deste fungo parasita os ovos e as fêmeas dos nematoides, diminuindo a densidade populacional no solo. Outras características chamam atenção para a utilização deste fungo como nematicida, que pode ser aplicado no solo, próximo às raízes e não precisa da presença do nematoide para se estabelecer ali.
O manejo biológico de nematoides tem crescido anualmente devido à eficiência destes microrganismos na diminuição da população dos fitonematoides no solo, juntamente com os benefícios que alguns trazem para o desenvolvimento das plantas. Novas pesquisas estão sendo desenvolvidas com outros microrganismos, podendo, em breve, novos produtos serem registrados para manejo de nematoides.