Edson Pereira Mota
Doutor em Ciências/Solos e Nutrição de Plantas e professor – Faculdade de Ensino Superior Santa Bárbara (FAESB)
oedsonmota@gmail.com / prof.edson.mota@faesb.edu.br
Você já ouviu a expressão sem nitrogênio não há vida? O nitrogênio (N) é um nutriente essencial ao desenvolvimento vegetal, sendo um forte aliado para a obtenção de bons níveis de produtividade nos sistemas de produção agrícola.
Nas plantas, possui diversas funções, seja como constituinte da molécula de clorofila e, assim, do processo de fotossíntese, como em funções relacionadas a genética das plantas via DNA e RNA, composição de aminoácidos, proteínas, enzimas, vitaminas e uma série de outros compostos vitais ao ciclo de vida vegetal.
Sempre que nos alimentamos no dia a dia não pensamos a respeito, mas no prato do brasileiro constantemente encontramos o N, principalmente quando falamos do arroz com o famoso feijão.
O feijão é um alimento de alto valor nutritivo, possuindo diversos compostos com N em sua composição, tais como as proteínas, encontradas em elevadas concentrações nesse produto de destaque na produção agrícola brasileira.
Nutrição ou adubação?
Ao considerar o aspecto técnico e produtivo, não é segredo que alimentos com elevado teor proteico, como o feijão, trazem a necessidade de a planta absorver quantias significativas desse nutriente para a construção destes compostos.
Para se ter uma ideia, os valores de exportação de N nos cultivos de feijão chegam a atingir mais de 35 kg para cada tonelada de grãos produzidos e, considerando bons níveis de produtividade, superiores a 4,0 t/ha (~67 sacas/ha), podem levar da área facilmente 150 kg de N.
Fica evidente, então, a necessidade de fornecimento de N para as plantas na forma da sua reposição ao solo.
Fonte nutricional
A adubação com N no cultivo do feijoeiro para a reposição do nutriente é comum, onde as fontes minerais principais são o sulfato de amônio, o nitrato de amônio e a ureia, cada qual com as suas vantagens e desvantagens.
O conhecimento da dinâmica de cada uma dessas fontes no solo é importante, já que podem determinar o manejo e (por que não?) a eficiência da operação de adubação nitrogenada, uma vez que ela se situa na faixa de 50 a 60% do que é aplicado, além de evitar perdas do N.
O sulfato de amônio [(NH4)SO4] é uma fonte com 20% de N amoniacal em sua composição, tendo como vantagens para o feijoeiro: o fornecimento de enxofre (S) em alta concentração no produto (22%), sendo ele outro elemento essencial à planta; maior facilidade de assimilação do N que, na planta, precisa passar pela forma NH4+ para então se transformar em formas orgânicas.
Assim, resulta em menor gasto de energia para que o N seja convertido em compostos vegetais e; é uma fonte com baixa propensão a perdas por dinâmicas no solo. Apesar de suas vantagens, cabe destacar que o sulfato de amônio é uma fonte com alto poder acidificante e seu uso contínuo traz a necessidade de maior acompanhamento do pH do solo, lembrando que a cultura do feijão é muito sensível a acidez do solo, o que pode diminuir seu potencial produtivo.
O nitrato de amônio (NH4NO3) é outra fonte de grande utilização no cultivo de feijão, possuindo 33% de N em sua composição e trazendo como vantagem principal o fornecimento equilibrado das duas formas preferenciais de absorção pelas plantas (NH4+ e NO3–), o que já foi demonstrado em vários estudos ser a forma de maior potencial de retorno produtivo dos cultivos agrícolas.
Perdas de nutrientes
Porém, a utilização do nitrato de amônio traz a possibilidade de perdas por dois caminhos: lixiviação do NO3– e desnitrificação para N2 (gás inerte de nitrogênio).
A lixiviação é uma forma de perda de nitrogênio caracterizada pela descida do ânion nitrato (NO3–) no perfil do solo, em regiões não alcançadas pelas raízes do feijoeiro. O nitrato possui carga negativa e, assim, tem dificuldades de ser adsorvido nas cargas do solo (predominantemente negativas – CTC do solo), o que facilita que seja “arrastado” pela passagem de água e não seja absorvido pela planta, principalmente em solos arenosos e de baixa CTC.
O problema se estende além do cultivo, uma vez que pode atingir o lençol freático e contaminar corpos d’água, prejudicando o meio ambiente. Já a desnitrificação ocorre pela passagem do nitrato a forma de N2, processo que ocorre em casos de saturação (inundação) do solo, fazendo com que microrganismos anaeróbios facultativos “ataquem” o oxigênio do nitrato e o convertam a formas nitrosas e inertes conforme segue:
No processo de desnitrificação, além da perda na forma de N2, é importante observar que pode ser formado o N2O, um gás do efeito estufa (GEE) com alto potencial de danos ambientais, sendo mais de 300 vezes mais nocivo que o CO2.
Mitigação das perdas
Lixiviação e desnitrificação são rotas de perdas problemáticas, mas existem medidas mitigadoras, podendo ser simples ações de manejo, como o parcelamento da aplicação do nitrato de amônio, diminuindo altas doses do ânion no solo, ou o uso de produtos que evitem a conversão do NH4+ a NO3–, evitando maiores quantias de nitrato no solo para ocorrência do problema da lixiviação, os inibidores de nitrificação.
Para a desnitrificação, basta o cuidado com o manejo hídrico, ou seja, melhor controle da irrigação e controle da compactação do solo, para que dificulte a acumulação de água no perfil e saturação do solo, em resumo, medidas que o produtor já deve adotar como rotina em seu sistema de produção.
A última fonte principal de fornecimento e reposição do N via fertilizante mineral é a ureia [(CO(NH2)2], é o produto mais aplicado no cultivo do feijão já que possui alta concentração (45% de N – forma amídica), que resulta ser o produto mais barato por ponto de nitrogênio adquirido, já mostrando uma de suas vantagens como fonte de N.
Dada a alta concentração da ureia, toda a cadeia logística que envolve esse fertilizante é facilitada, pois produtos mais concentrados necessitam de menores quantidades aplicadas, assim o transporte, armazenamento e reposição do insumo nas adubadoras é diminuído, facilitando a organização da propriedade e melhorando o rendimento operacional da reposição do N ao solo.
O outro lado
Em contrapartida a todas as suas vantagens, a ureia é um produto com alta propensão a perdas via volatilização do NH3 (gás amônia), quando aplicada na superfície do solo.
Quando a ureia é aplicada, facilmente seus grânulos são solubilizados e, no solo, encontra-se com a enzima urease, sendo hidrolisada e formando o carbonato de amônio ([(NH4)CO3], que eleva o pH ao redor do grânulo do fertilizante a valores próximos a 9 (ambiente alcalino) e, assim, elevando a quantidade de OH– disponível.
O OH– em contato com o NH4+, converte o composto a NH3, amônia, que é perdida por ser um gás. Todo esse processo, se iniciado com a solubilização da ureia, pode ocorrer logo nos dois primeiros dias após a aplicação, com perdas que podem superar facilmente 30% no campo.
O que fazer?
Assim como a lixiviação e a desnitrificação, existem medidas para mitigar as perdas por volatilização, sendo recomendado: aplicação em solo seco, evitando a solubilização inicial da ureia (sim a aplicação após a chuva potencializa a volatilização, sendo a pior opção a aplicação logo após a chuva); realizar a incorporação da ureia no solo, pois a conversão para NH4+ permite que ele seja adsorvido na CTC e evite/diminua o contato com o OH–.
Assim, a incorporação pode ser feita recobrindo a ureia com solo a 5,0 cm de profundidade, ou incorporando pela aplicação de água, sendo necessária lâmina próxima a 10 mm; uso de fertilizantes com tecnologia agregada, principalmente inibidores de urease, que evitam a hidrólise da ureia neutralizando a urease do solo, ou utilizando fertilizantes de liberação controlada (revestidos), por liberarem a ureia em pequenas doses ao solo e protegendo do contato com a urease.
Outra possibilidade é a aplicação de fontes que não sofrem o problema da volatilização, como o nitrato e o sulfato de amônio.
Para o feijão
No feijoeiro, todas essas perdas podem levar a carência de N pelas plantas, o que resulta em vários efeitos negativos na planta e produto gerado. A ausência de N no feijão causa diminuição no porte da planta, devido à redução da multiplicação celular.
Com isso, tem-se diminuição da fotossíntese e carboidratos para a planta, além do N ser estrutural na molécula de clorofila, o que também prejudica a fotossíntese, tanto que o sintoma visual característico da ausência severa de N é a clorose (amarelecimento) generalizado das folhas do baixeiro do feijão, já que não é formado o pigmento clorofila.
Além disso, a falta de nitrogênio empobrece os grãos gerados, e o alto valor nutricional desejado é comprometido, principalmente na formação dos aminoácidos e proteínas do feijão.
Vantagens e desvantagens
Todas as fontes utilizadas para o fornecimento e reposição do N no feijoeiro, como visto, possuem suas vantagens e desvantagens, porém, o uso desses fertilizantes não implica na ausência pela busca por alternativas que possam melhorar o uso do N no feijão.
O feijoeiro é uma leguminosa, correto? Pois bem, como tal essas plantas possuem possibilidade de se associarem a microrganismos fixadores de N diretamente da atmosfera, a fixação biológica de nitrogênio (FBN), o que pode potencializar o fornecimento às plantas.
A forma mais estudada, hoje, é a inoculação com bactérias do gênero Rhizobium, que são fixadoras naturais de N (pense na soja e o Bradyorhizobium, seria um processo semelhante), essa alternativa ainda traz resultados divergentes, então, pode ser considerada como um potencializador, mas deve-se ter cuidado na redução das doses de N, mesmo em casos de inoculação.
Outra alternativa para melhorar o fornecimento e reposição do N para o cultivo do feijoeiro pode acontecer antes mesmo do plantio, pelo uso de adubos verdes. Os adubos verdes são plantas de cobertura cultivadas por suas características de interesse, onde pode ser citado descompactação natural do solo (nabo forrageiro), fornecimento de palhada (gramíneas), cobertura do solo e proteção contra a erosão dado o desenvolvimento agressivo (todas) e, a FBN (principalmente crotalárias).
Como os adubos verdes são cultivos no qual as plantas não são colhidas, e sim cortadas e devolvidas ao solo ao final de seu ciclo, as leguminosas como as crotalárias podem fixar grandes quantias de N, podendo chegar a mais de 500 kg/ha/ano, além de possuírem baixa relação C/N e se decomporem facilmente, devido à baixa relação C/N.
Combinando o cultivo de adubos verdes anteriores ao feijão, seja ele das águas, seca ou inverno, é possível trazer N ao solo e economizar no momento de aplicar as fontes minerais que foram elencadas, podendo trazer retornos econômicos interessantes ao produtor rural, tanto na economia de insumos, quanto na produtividade obtida.
Dicas
Muitas são as opções e insumos para o fornecimento do N, cabendo ao produtor adequar quais alternativas são mais viáveis para adoção em seu cultivo. Como recomendações gerais aos produtores de feijão, relacionadas ao fornecimento e reposição de N, temos, então, as básicas de fornecimento nos momentos corretos da cultura (plantio para garantir um bom desenvolvimento inicial e cobertura cerca de 20 a 30 dias após emergência, antecedendo o pico de absorção de nutrientes), o respeito as doses recomendadas e, como grande aliado, o conhecimento das dinâmicas das fontes disponíveis para aplicação e as alternativas possíveis para melhorar o sistema de produção em N.
Com isso, teremos níveis de produtividade mais interessantes para a atividade agrícola e retornos econômicos aos produtores, solos mais férteis e o feijão garantido na mesa dos brasileiros.