A Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (DF) desenvolveu recentemente um protocolo inovador para a produção em massa de mudas de bambu a partir de um único propágulo
Essa técnica revolucionária, conhecida como micropropagação vegetativa, permite não apenas a multiplicação em escala, mas também a garantia de sobrevivência das novas plantinhas durante o processo de aclimatação, além de oferecer diversas outras vantagens.
Por meio da micropropagação vegetativa em laboratório, os produtores agora podem obter um número impressionante de mudas, variando entre 200 e 500, em apenas seis meses, dependendo da espécie. É importante destacar que todas essas mudas são originadas de um único propágulo, que é uma parte da planta capaz de multiplicá-la ou propagá-la vegetativamente.
Esse método permite manter todas as características da planta utilizada como fonte, garantindo a preservação das características desejáveis. Comparado ao sistema convencional, feito a partir do corte de parte da planta para fazer as estacas, a micropropagação vegetativa apresenta-se como uma opção mais vantajosa.
Além de ser menos oneroso, pois requer menos espaço físico, o método convencional também possui taxas de formação de mudas mais baixas.
Para que a muda seja considerada viável e possa ser aproveitada, é fundamental que ela apresente tanto a parte aérea quanto a radicular bem desenvolvida, o que é garantido pelo processo de micropropagação vegetativa.
“As características do bambu são de extrema importância para a produção de mudas em larga escala. Por exemplo, dependendo da espécie, ele pode apresentar floração tardia, levando muito tempo para ocorrer. Alguns relatos na literatura mencionam espécies que levam até 100 anos para florescer, enquanto outras espécies florescem a cada 8 anos”, destaca o pesquisador Jonny Scherwinski Pereira, responsável pelo desenvolvimento do novo protocolo na Embrapa.
Ele explica que, devido à demora na floração e à produção relativamente baixa de sementes, muitas vezes inviáveis, a produção de mudas por sementes se torna impraticável. “As sementes coletadas no campo apresentam baixa viabilidade, o que resulta em perdas significativas. Além disso, algumas espécies levam 30 anos para florescer. Portanto, a micropropagação surgiu como uma alternativa viável para a produção de mudas de bambu, substituindo a propagação por sementes e estacas”.
Para ilustrar, durante suas pesquisas, ele observou que uma espécie de bambu do Cerrado floresceu em um intervalo de aproximadamente sete anos”, exemplifica o cientista, acrescentando ainda que as mudas transitórias, por meio de estacas, apresentam riscos de perda devido a diferentes fatores, como a formação incompleta da muda e a morte durante o transplante. Até mesmo a época do ano pode influenciar nas respostas. Segundo ele, os métodos convencionais são mais adequados para quem necessita de menores de mudas.
Imagine produzir estacas de bambu para 100 hectares. “As mudas apresentam um desenvolvimento uniforme no campo e, por serem produzidas em laboratório, estão menos sujeitas às influências sazonais e às condições do dia a dia”, comenta o especialista.
Como funciona a técnica
A micropropagação é uma técnica realizada em laboratório, onde todas as condições ambientais são controladas para permitir a produção das mudas. Uma das vantagens dessa técnica, apontada por Jonny Scherwinski, é que ela não depende da época do ano para produzir as mudas.
“Não importa se está chovendo, no inverno, com muito sol ou em épocas de seca, pois as mudas são produzidas em laboratório. Outra vantagem é a utilização de meios de cultura que fornecem os nutrientes necessários para o crescimento das plantas. Em laboratório, é possível produzir uma grande quantidade de mudas, pois não há dependência das condições ambientais da época do ano. É possível trabalhar em turnos, inclusive à noite, para produzir as mudas”, pontua.
Além disso, a micropropagação requer uma quantidade mínima de material para iniciar o cultivo. “Por exemplo, se você coletar uma semente na prática, terá apenas uma planta proveniente dessa semente. Na micropropagação, se a semente brotar in vitro, no laboratório, é possível produzir centenas, dezenas ou até milhares de plantas a partir de uma única brotação. Isso também vale para a coleta de pedaços de plantas ou gemas das plantas matrizes no campo, onde é possível introduzir esse material no laboratório e produzir um grande número de mudas”, esclarece.
Comparada a outras técnicas, a micropropagação de bambu é incomparável em termos de melhoria de processo. Essa técnica apresenta vantagens superiores em relação às convencionais de produção de mudas.
Estudos e pesquisas demonstraram que é possível produzir cerca de 300 plantas em aproximadamente seis a oito meses a partir de um único propágulo coletado no campo, uma diferença significativa, se comparada aos métodos convencionais.
No entanto, o pesquisador ressalta que a micropropagação requer uma estrutura laboratorial específica. “A micropropagação de bambu que desenvolvemos geralmente é destinada a viveiristas e empreendedores interessados em produzir mudas em laboratório. A técnica permite produzir mudas em grande quantidade, o que também pode ajudar a reduzir os custos”, informa.
Vantagens da micropropagação vegetativa:
● Possibilidade de produzir maior quantidade de mudas.
● Mudas com melhor qualidade.
● Menor tempo para produção de mudas.
● Necessidade de espaço físico relativamente pequeno para a produção.
● Técnica que pode ser usada para a produção de mudas, independentemente da época do ano.
As mudas
Existem três formas básicas de produzir mudas de bambu. Uma delas é utilizando sementes, uma abordagem que apresenta obstáculos significativos quando se busca uma produção contínua de mudas de bambu a partir de sementes.
Jonny Scherwinski explica que não é possível prever com certeza quantas plantas florescerão, e algumas espécies têm ciclos de floração de oito a 10 anos, enquanto outras podem florescer a cada 20 anos, ou até mesmo mais de 100 anos.
A segunda maneira de produzir mudas é por meio de estacas ou divisão de touceiras. O bambu forma várias brotações em uma touceira, e ao dividir esses materiais é possível obter novas plantas. No entanto, a produtividade dessas técnicas convencionais é limitada quando se busca produzir mudas em larga escala.
A terceira maneira apontada pelo pesquisador é utilizando técnicas biotecnológicas, como a micropropagação, para a produção de mudas. “Como mencionado anteriormente, esses métodos são incomparáveis quando se deseja produzir mudas em grande quantidade. Trabalhando em laboratório e ajustando a técnica, é possível obter uma grande quantidade de mudas a partir de um pequeno material inicial. A micropropagação supera em muito as técnicas convencionais nesse aspecto”, considera.
Jonny Scherwinski deixa claro que é possível produzir mudas de bambu por meio de técnicas convencionais, como divisão de touceiras ou estacas. “Essas abordagens são adequadas quando se necessita de um número pequeno de plantas. No entanto, se o objetivo é produzir milhares ou até mesmo milhões de mudas, a micropropagação se torna a opção mais viável para atender a essa demanda crescente no mercado brasileiro. A micropropagação de bambu tem o potencial de produzir centenas de milhares e até mesmo milhões de mudas, se necessário”, justifica.
Economia de recursos
Do ponto de vista econômico, o cientista diz que há vantagens em termos de custo, pois o processo é mais produtivo, o que significa que as mudas podem ser produzidas a um preço mais baixo.
Como exemplo, ele cita que, ao produzir mudas por meio de estacas, é necessário coletar material no campo, transportá-lo e empregar mão de obra. Além disso, o índice de enraizamento das estacas é geralmente inferior a 100%, resultando em perdas.
No entanto, ao realizar a micropropagação em laboratório, com um processo mais controlado e a capacidade de produção em maior escala, é possível reduzir o custo das mudas. Isso se reflete no preço final para os produtores, tornando as mudas mais acessíveis.
Em relação aos benefícios ambientais, primeiro, ao utilizar a micropropagação, é possível obter mudas a partir de populações naturais, como plantas nativas, sem a necessidade de coletar grandes quantidades de material das plantas no campo. Isso contribui para a preservação dessas populações nativas, pois apenas uma pequena quantidade de material é necessária para iniciar a produção de milhares de plantas.
Trata-se de uma abordagem mais sustentável, evitando a exploração excessiva das plantas nativas para a produção de mudas por meio de estacas, em que uma estaca geralmente produz apenas uma muda.
Outro aspecto ambiental destacado por Jonny Scherwinski é a versatilidade do bambu, que é amplamente utilizado em diversas áreas. “Na recuperação de vertentes e composição de matas ciliares, por exemplo, o bambu pode desempenhar um papel importante. Existem até estudos na Colômbia sobre o uso do bambu na recuperação de solos contaminados por metais pesados”.
Lembrando que o bambu possui uma ampla gama de usos, o que possibilita sua utilização em projetos de recuperação ambiental. Com a disponibilidade de um maior número de mudas produzidas rapidamente em laboratório, é possível utilizar o bambu de maneira mais eficiente e sustentável para a recuperação de áreas degradadas, vertentes, matas ciliares e até mesmo na remediação de contaminações ambientais, como no caso das fossas, por exemplo.
Mercado em franca expansão
Apesar do crescimento do mercado de bambu no Brasil, que abrange desde a fabricação de eletroeletrônicos e móveis até o uso na construção civil, havia uma carência na produção de mudas em larga escala, mesmo com outras técnicas disponíveis.
No entanto, com a introdução da micropropagação vegetativa em laboratório, agora é possível suprir essa demanda e oferecer maior disponibilidade de mudas tanto para agricultores familiares quanto para grandes produtores.
Essa técnica inovadora cria oportunidades para que as biofábricas, por exemplo, possam fornecer o material em quantidade suficiente. “Nos últimos anos, temos observado um aumento significativo na demanda por produtos de bambu, mas a oferta de matéria-prima parece ser insuficiente se quisermos utilizar o bambu em todas as suas aplicações. Portanto, acredito que o potencial do bambu no Brasil seja inimaginável, pois ele pode ser utilizado em diversas áreas. E a técnica de micropropagação que desenvolvemos ao longo de mais de 10 anos na Embrapa é um conhecimento próprio, não apenas buscado na literatura, o que confere confiabilidade aos dados sobre o potencial dessa técnica. Essa técnica poderia ser adotada por viveiristas e biofábricas”, afirma o pesquisador.
De acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria e dos Produtores de Bambu e de Fibras Naturais (Abrafibras), a produção de bambu está presente em pelo menos 250 municípios no Brasil, com cerca de 40 mil produtores agrícolas cultivando essa gramínea, sendo a maioria eles de pequeno porte. Estima-se que a produção anual seja de 400 mil toneladas, abastecendo consumidores finais.
Os principais estados produtores são Pernambuco, Piauí, Maranhão, Bahia, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Acre, este último possuindo a maior reserva de bambu nativo do mundo, com aproximadamente 4,5 milhões de hectares, de acordo com dados da Abrafibras.