Alimentos tradicionais da dieta nordestina, tanto o inhame quanto a abóbora têm potencial para melhorar a geração de renda, a saúde e a nutrição, fortalecendo a agricultura familiar no Nordeste. Por isso, com a coordenação da Embrapa Alimentos e Territórios (Maceió, AL), pesquisadores estão realizando uma série de ações, que vão da análise das técnicas de plantio e a forma de conservação das sementes ao manejo e ampliação das formas de preparo dos pratos, para agregar valor e fortalecer o cultivo dessas culturas em regiões do Agreste e da Zona da Mata de Alagoas.
Cerca de 17 famílias de agricultores familiares estão diretamente envolvidas nas ações do projeto, que começou em 2022 e vai até julho de 2024, voltado ao apoio e à promoção de ações estratégicas relacionadas ao cultivo das variedades crioulas. A avaliação agronômica e sensorial das variedades crioulas de inhame e de abóbora é realizada por meio de estratégia participativa, em áreas de agricultores alagoanos, selecionadas em função dos objetivos do projeto, definição conjunta de necessidades e de prioridades, com apoio da Associação de Agricultores Alternativos (Aagra). Os plantios experimentais com abóbora estão sendo conduzidos em duas pequenas áreas da comunidade Lagoa da Coroa e no
Os plantios experimentais com abóbora estão sendo conduzidos em duas pequenas áreas da comunidade Lagoa da Coroa e no Sítio do Mendes, em Estrela de Alagoas, no Agreste alagoano, região onde há plantio tradicional da cultura. Em uma das áreas, o interesse maior dos agricultores é obter frutos de qualidade para consumo e venda, inclusive das sementes. A outra, na Lagoa da Coroa, além do consumo e venda, o interesse da comunidade de mulheres é também saber como aproveitar, de forma integral, os frutos na agroindústria de secagem de frutas.
Os campos com inhame estão instalados na Zona da Mata, área que apresenta altitude mais elevada e precipitação diferenciada, com atividades de diagnóstico e de capacitação e utilização das culturas. O pesquisador João Gomes da Costa lidera a condução dos experimentos em Chã Preta, Flexeiras, Murici e Pilar. O principal intuito é identificar e avaliar novas fontes nutricionais, apoiar e estimular a produção e o consumo, tanto para a abóbora quanto para o inhame. Assim, busca-se contribuir também para a valorização das sementes tradicionais e dos rizóforos, o fortalecimento do uso de germoplasma de adaptação local e a manutenção da variabilidade genética, além da soberania e segurança alimentar das famílias da região.
O inhame (Dioscorea sp.) é um alimento rico em carboidratos, proteínas, vitaminas e fonte de minerais. Já as abóboras (Cucurbita moschata D.) representam uma importante fonte de nutrientes como fibras, proteínas, cálcio, ferro, magnésio, vitaminas e carotenoides. Apesar de toda a riqueza nutricional, da tradição no cultivo e comercialização dessas hortaliças, verifica-se por parte dos agricultores e suas famílias o consumo ainda restrito a poucas elaborações culinárias e ao reduzido aproveitamento dos frutos e tubérculos, de acordo com a pesquisadora Semíramis Ramos, que coordena a iniciativa.
“Estamos caracterizando as variedades tradicionais que estão sendo plantadas pelos agricultores. Os experimentos vão permitir identificar fragilidades no cultivo das duas culturas e apontar alternativas para aprimorar o sistema produtivo”, conta a pesquisadora. No caso da abóbora, por exemplo, a polpa é a parte mais consumida. Entretanto, tanto as folhas e as flores, como as sementes e até mesmo a casca, podem ser usadas em pratos nutritivos e saborosos. Assim, a ideia é, na última fase do projeto, também envolver e capacitar os agricultores e suas famílias em técnicas culinárias para melhor aproveitamento dos tubérculos, com apoio do Instituto Federal de Alagoas (Ifal).
As atividades estão em um Plano de Trabalho com 16 ações que integram um Termo de Execução Descentralizada (TED), fruto de parceria entre a Embrapa e o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), representado pela Secretaria de Governança Fundiária, Desenvolvimento Territorial e Socioambiental. Conta com a participação de colaboradores e representantes da Aagra, Cooperativa Agropecuária de Alagoas Ltda. (Coopaal) e Associação Comunitária Flor do Bosque (Acaflorb). São parceiros na iniciativa o Ifal, o Sebrae Alagoas, a Embrapa Semiárido (Petrolina, PE) e a Embrapa Agroindústria Tropical (Fortaleza, CE), além de outras organizações locais.
As agricultoras Eunice do Nascimento e Maria Natália Nascimento da Silva, conhecida como dona Marina, da comunidade Lagoa da Coroa, apontam que já implementaram diferenças no plantio da abóbora e a expectativa é que os resultados sejam melhores do que em anos anteriores. São 86 famílias na comunidade que faziam o plantio de forma bastante espaçada, segundo dona Eunice. Mudar a forma de plantio foi um grande desafio, mas elas já estão vendo os resultados nos frutos. Agora a esperança é ter uma colheita muito mais produtiva e expandir a produção de derivados, como os doces, trazendo mais renda para essas famílias.
Capacitação tecnológica orienta manejo da cultura da abóbora
Para orientar produtores rurais e técnicos de extensão rural no manejo da cultura da abóbora, a Embrapa promoveu no início de agosto uma capacitação e atualização tecnológica. O evento técnico ocorreu em Igaci (AL), com apoio da Aagra. Especialistas da Embrapa Alimentos e Territórios, Embrapa Semiárido, Embrapa Tabuleiros Costeiros (Aracaju, SE) e da Prefeitura de Igaci ministraram palestras para cerca de 70 agricultores familiares da região.
A pesquisadora Semíramis Ramos falou sobre a importância desse alimento e do cultivo na Região Nordeste, destacando a variabilidade genética, especialmente das variedades crioulas. As altas temperaturas típicas da região nordestina são positivas para a germinação e a polinização das plantas, pois tanto a temperatura quanto a umidade e a luminosidade influenciam na qualidade e produtividade da cultura.
Os cuidados de nutrição e adubação foram tema da palestra proferida pela pesquisadora da Embrapa Tabuleiros Costeiros Tâmara de Araújo Gomes, que tratou das principais deficiências nutricionais e orientou como fazer a correção do solo. Ela exemplificou como fazer o manejo usando matérias-primas disponíveis nas propriedades para a produção de compostos orgânicos. “É possível adubar e nutrir a abóbora com um melhor aproveitamento dos recursos que já dispomos nas propriedades rurais”, enfatizou.
Já a pesquisadora Marissonia de Araújo Noronha, da mesma Unidade, abordou as doenças mais comuns que afetam a cultura e alternativas para controle, como o oídio, a antracnose e a mancha angular. Numa palestra bastante interativa, mostrou como surgem as doenças na planta e nos frutos da abóbora, questionando os presentes sobre quais fungos, bactérias, vírus, nematoides e viroses já foram identificados nas propriedades deles. Para o controle de viroses, é importante certificar-se da origem e da qualidade da planta, o equilíbrio nutricional no ciclo de cultivo, a eliminação de plantas não cultivadas, o uso de cultivares resistentes, entre outras providências, conforme a especialista.
O controle biológico de pragas e doenças em plantas foi apresentado pelo pesquisador Carlos Alberto Gava, da Embrapa Semiárido. Ele conceituou o tema e reforçou a necessidade de tornar o ambiente inadequado ao desenvolvimento de patógenos e de pragas. A qualidade do material, como resistência genética e qualidade sanitária, incluindo a tolerância a pragas e doenças, é fundamental. Entre as práticas de manejo, podem ser adotadas a rotação e o consorciamento de culturas, além de outras técnicas relacionadas ao manejo do solo e à nutrição das plantas, mantendo o equilíbrio entre os nutrientes.
A qualidade das sementes, os cuidados com a embalagem e a conservação estiveram em destaque na palestra da pesquisadora Bárbara França Dantas, também da Embrapa Semiárido, que explicou como ter sementes de abóbora de boa qualidade física, sanitária, fisiológica e genética. “É importante conhecer a variedade da abóbora e a qualidade das sementes”, disse. “O ambiente de armazenamento também é crucial para garantir a qualidade”, afirmou a palestrante.
A identificação das principais pragas da abóbora foi abordada por Emerson dos Santos Farias, engenheiro-agrônomo da Prefeitura Municipal de Igaci. Ele orientou como identificar e controlar a mosca-branca, por exemplo, que reduz o vigor da planta e causa anomalias fisiológicas, como a folha prateada da aboboreira. Outras pragas comuns são o pulgão, que suga a seiva da planta e causa o enrugamento das folhas e a deformação dos brotos, e a broca das cucurbitáceas, que ataca folhas, brotos novos e, principalmente, os frutos.
As técnicas de controle incluem o uso de inseticidas naturais, rotação de culturas, destruição de restos culturais na área de cultivo e uso de adubação recomendada com base em análises de solo. Também é importante adquirir mudas sadias e plantar variedades resistentes ou tolerantes a doenças e pragas. Outra forma de controle recomendada é o uso de inseticidas biológicos.
O produtor Joselton Silva, do Sítio do Mendes, conta que lá as famílias cultivam a abóbora em seus quintais, em pequenas áreas. “A nossa experiência sempre foi de plantar em consórcio e esse projeto veio trazer essa diferença de plantar só a abóbora no mesmo espaço e ter um acompanhamento diário desse experimento”, afirma.
Para ele entender melhor sobre o cultivo da cultura está sendo muito positivo para a comunidade. Sobre a capacitação ele avalia que “é uma continuidade do trabalho no campo, que vai ajudar a entender melhor a própria produção, como combater as pragas, aproveitar melhor os frutos, selecionar as sementes e auxiliar também na adubação e no preparo da área para fazer o manejo das abóboras”.
Para os agricultores Givanilda Gomes e Izaac da Silva, o Pelé, da mesma comunidade, esse acompanhamento está sendo muito proveitoso porque trouxe a oportunidade para que outros aspectos da cultura sejam observados, principalmente em relação à incidência de pragas e doenças. “É um aprendizado para a gente desenvolver mais e ensinar nossas crianças, os jovens. E assim ter mais produção, ter mais alimento saudável na mesa”, avalia dona Givanilda.