Autores
Diego Tolentino de Lima
Engenheiro agrônomo e doutor em Agronomia
diegotolentino10@hotmail.com
Diarly Sebastião dos Reis
Engenheiro agrônomo e mestre em Agronomia
diarly.reis@gmail.com
A cultura da soja (Glycine max), atualmente, é produzida em todas as regiões brasileiras. O País é o segundo maior produtor e primeiro exportador mundial desta cultura, com área cultivada de 35,8 milhões de hectares, correspondente a aproximadamente 59,4% da área ocupada com plantio de grãos, e uma produção de aproximadamente 114,8 milhões de toneladas da oleaginosa.
Dentre os insetos-praga que atacam esta cultura, os percevejos fitófagos (Hemiptera: Pentatomidae) destacam-se como o principal grupo. Nesse, Euschistus heros, popularmente chamado de percevejo-marrom, é atualmente a praga da cultura.
O percevejo-marrom pode passar a entressafra se alimentando de plantas daninhas como buva, capim-amargoso, leiteiro, carrapicho-de-carneiro, girassol, guandu, dentre outras. Além disso, também utiliza as matas como abrigo, encontrando hospedeiros alternativos para se alimentar neste período.
Também pode atravessar o período desfavorável ao seu desenvolvimento e reprodução, entre maio a novembro, sem se alimentar abrigado sob as folhas mortas caídas no solo e restos de cultura. Isso é possível, pois este inseto pode entrar em oligopausa, ou seja, período de dormência em resposta a mudanças climáticas cíclicas e duradouras, ocorrendo redução ou paralisação de crescimento e/ou reprodução, apesar de alimentação periódica poder ocorrer.
Desta forma, o percevejo-marrom sobrevive na entressafra e migra para a soja rapidamente na safra subsequente, causando injúrias na cultura desde o início da formação das vagens (R3) até o final da maturação fisiológica (R7).
Em campos de sementes, consideram-se prejuízos na qualidade das sementes até o estádio R8. O aparecimento das vagens é o momento em que se inicia a reprodução da praga em campo, com surgimento dos ovos e ninfas. O pico populacional é alcançado no final do desenvolvimento das vagens e início de enchimento dos grãos.
Ações de manejo realizadas no momento da migração dos primeiros adultos para a lavoura são de total importância, visto que o controle destes adultos reduz a quantidade de ovos na área e, consequentemente, reduz a segunda geração, causando a quebra do ciclo da praga. Assim, aumenta-se o tempo para a população atingir o nível de controle, minimizando os possíveis danos.
Prejuízos
Adultos e ninfas a partir do terceiro instar são os principais responsáveis pelas injúrias. Com seu aparelho bucal em forma de estilete, que é inserido nas vagens, atingindo diretamente os grãos, são responsáveis por sérios prejuízos ao rendimento e qualidade de grãos e sementes.
Com o ataque do percevejo-marrom à soja, ocorre má formação do grão e das vagens. Os grãos podem reduzir seu tamanho, ficar enrugados, chochos e mais escuros. Além disso, as folhas podem não senescer e ficarem retidas na planta por ocasião da colheita.
Devido ao tipo de alimentação, as injúrias são ocultas, diferente de pragas como as lagartas, em que os produtores vêm diretamente a ação de desfolha e se preocupam. Os percevejos ‘sugam a produção’ sem que o produtor veja. De R3 até R5, final de enchimento de grãos, as perdas na soja provocadas pelo percevejo-marrom são quantitativas. Nesta fase ocorre a queda de vagens, chochamento e redução no peso dos grãos. A partir de R6, após o enchimento de grãos, as perdas são na qualidade de grãos e sementes.
Grãos ardidos também são provocados com a alimentação dos percevejos. Os grãos ardidos interferem na qualidade dos grãos de soja, causando prejuízos para a indústria de processamento, por exemplo, aumentando a acidez do óleo.
Ao se alimentarem das sementes, os insetos injetam saliva contendo enzimas que alteram a fisiologia e a bioquímica dos tecidos picados. No intuito de digerir e sugar o conteúdo liquefeito por essas enzimas, a difusão da saliva pode causar morte celular dos tecidos vegetais.
Como monitorar o percevejo-marrom
O método de controle mais utilizado para este inseto é o químico e o monitoramento da população de percevejos é determinante para que o produtor efetue as aplicações com o intuito de que a população não atinja o nível de dano econômico. É recomendada amostragem semanal, desde os estádios vegetativos até o reprodutivo R7.
Quanto maior o número de amostragens realizadas na área, maior a segurança de uma previsão correta da infestação de insetos na lavoura. O número mínimo de amostragens, segundo a Embrapa, é de seis pontos em talhões de até 10 hectares, oito pontos em talhões de até 30 hectares e 10 pontos para talhões de até 100 hectares, sendo que em talhões maiores recomenda-se a divisão por talhões de 100 hectares.
O método utilizado é o “pano de batida”, contabilizando-se o número de percevejos adultos e as ninfas a partir do terceiro instar (tamanho médio de 3,63 mm). O “nível de controle” até então preconizado na literatura é a média de 2,0 percevejos/ninfas por metro para produção de grãos e 1,0 para sementes. Porém, vale ressaltar que a realidade atual de muitas lavouras, em diversas regiões do País, tem demonstrado a necessidade de redução do “nível de controle” para 1,0 na produção de grãos e 0,5 para produção de sementes.
Manejo certo
É importante ressaltar que o sucesso no manejo de percevejos depende de vários fatores, entre eles a eficiência de controle dos inseticidas. Porém, essa eficiência é dependente de uma tecnologia de aplicação adequada, a qual deve proporcionar boa cobertura (não utilizar volume de calda reduzido) e penetração no dossel da cultura (utilizar pontas adequadas e horário correto de aplicação), pois o percevejo-marrom se concentra na parte média da planta e os inseticidas sistêmicos não são “translocados” para baixo.
É de grande importância monitorar e manejar o percevejo-marrom desde o estádio vegetativo da soja, com aplicações de inseticidas no fechamento da entrelinha ou até antes disto, desde que atinja o nível de controle preconizado. Isto porque a eficiência de controle dos inseticidas é a densidade-dependente, ou seja, quanto maior a população, menor a eficiência de controle.
Apesar de no estádio vegetativo o percevejo não trazer prejuízos, a população pode aumentar a ponto de não conseguirmos mais fazer um controle eficiente quando a soja estiver suscetível ao prejuízo, a partir de R3.
Esta ação de manejo realizada no momento da migração dos primeiros adultos para a lavoura é chamada de “manejo antecipado”. O controle destes adultos reduz a quantidade de ovos na área e, consequentemente, a segunda geração, causando a quebra do ciclo da praga.
Aumenta, assim, o tempo para a população atingir o nível de controle, minimizando danos. A realização de até três pulverizações de inseticidas nas bordaduras (150 a 200 m de largura, durante a fase vegetativa) tem sido útil para controlar os percevejos migrantes, especialmente em cultivares tardias de soja, antes que estes estabeleçam gerações capazes de causar prejuízos.
Atenção também deve ser dada para a época de plantio e ciclo da cultivar, pois toda lavoura de soja que permanecer em maturação por um período além do normal para a região tende a atrair os percevejos de lavouras vizinhas já colhidas.
Outro aspecto a ser considerado é a redução/controle das populações de final de safra que costumam se dispersar para outras áreas ou servir de sobreviventes na região, principalmente onde se adota milho de segunda safra em seguida.
Opções
Existem, no mercado, produtos eficientes para o controle químico de percevejo-marrom registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), para a cultura da soja. Os três grupos químicos até então mais utilizados são os organofosforados, os piretroides e os neonicotinoides.
Na mistura de inseticidas do grupo dos piretroides e neonicotinoides, o primeiro causa um sinergismo, por apresentar ação de choque, melhorando a eficiência de controle. O neonicotinoide é um produto sistêmico, muito usado no controle de insetos sugadores, a exemplo dos percevejos e da mosca-branca.
A Embrapa Soja tem conseguido sucesso com o controle biológico de percevejos usando a vespinha Trissolcus basalis, que parasita os ovos dessa praga. Porém, o uso desta tecnologia, até o presente, tem sido restrito a áreas ou regiões limitadas, com a criação em laboratório e posterior soltura desta vespinha.
Resistência deixa produtores de soja em alerta
A preocupação do produtor com o aparecimento de populações do inseto resistentes a inseticidas e consequentes falhas de controle é grande, visto que é uma praga de difícil controle, naturalmente menos sensível aos inseticidas do que as demais espécies de percevejos-praga na soja, somado ao fato de que há poucas opções de inseticidas para rotação de mecanismos de ação.
Até a safra 2018/19, as principais moléculas inseticidas utilizadas, com registro no MAPA, pertenciam a três grupos químicos: os organofosforados, os piretroides e os neonicotinoides. Dessa forma, a dificuldade de controle devido a poucos grupos químicos disponíveis, grande exposição a inseticidas, “rusticidade” do inseto, aspectos genéticos, biológicos e sua capacidade reprodutiva favorecem a seleção de indivíduos resistentes.
Novos produtos
A partir desta safra, 2019/20, foram registradas no MAPA duas moléculas novas, dinotefuran e sulfoxaflor, e feita extensão de uso de outra molécula, Etiprole, como novidades no controle de percevejo-marrom na cultura da soja.
Dinotefuran, apesar de ser uma molécula nova, também pertence ao grupo químico dos neonicotinoides. Devemos fazer o uso correto desta molécula para evitar resistência cruzada com outros neonicotinoides.
O sulfoxaflor, apesar de ter o mesmo mecanismo de ação dos neonicotinoides, é uma molécula de um grupo químico diferente, sulfoxaminas, que deve representar um menor risco de resistência cruzada com os neonicotinoides. De toda forma, devemos também ter preocupação ao fazer o uso desta molécula para evitar resistência.
Já o etiprole, molécula com extensão de uso para soja, tem mecanismo de ação diferente dos organofosforados, piretroides, neonicotinoides e sulfoxaminas. Etiprole tem o mesmo mecanismo de ação do fipronil, pertencente ao grupo químico dos fenilpirazois.
Por fim, o produtor e técnicos ligados à cadeia de produção da soja devem estar atentos ao manejar uma praga tão complexa. É um inseto tolerante ao controle químico e sua biologia permite que, em muitos casos, fique protegido do contato com os produtos.
Assim, é importante que se integre os diversos métodos de controle passíveis de serem adotados. Evitar a dispersão e retardar o aparecimento dos primeiros indivíduos na área são ações imprescindíveis. É importante um tratamento de semente eficiente e o plantio de variedades adaptadas à região, na época correta. Apesar de ser uma praga extremamente importante, somando todos os esforços, é possível conviver com ela, garantir altas produtividades e lugar de destaque dos produtores e País no cultivo da soja.