Se nos anos 70 éramos um país importador de comida, hoje produzimos o suficiente para alimentar mais 1,6 bilhão de pessoas, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Isso em cerca de 10% do território.
Saímos de uma produção de aproximadamente 40 milhões de toneladas, em 1970, em uma área de 30 milhões de hectares, para cerca de 300 milhões de toneladas, em aproximadamente 75 milhões de hectares plantados atualmente.
Esse grande salto se deve, substancialmente, ao empenho dos produtores e à aplicação de tecnologia. Nesse contexto, se destaca o Sistema de Plantio Direto (SPD), que agora em 2022 completa 50 anos de implementação no Brasil.
O pioneiro foi o agricultor Herbert Bartz, do Paraná. Visionário, implantou em sua fazenda, em 1972, um sistema de plantio que subvertia completamente a lógica que os produtores brasileiros estavam acostumados, de sempre fazer a aração e gradagem do solo, antes de cada plantio. Ao contrário disso, apostou na cultura de forma direta, mantendo uma cobertura morta e sem esse revolvimento de terra.
Obviamente, no início eles foram chamados de malucos ou loucos, porque não havia ainda pesquisa que validasse essa tecnologia. Mas eles persistiram e observaram as vantagens econômicas, ambientais e sociais.
“O plantio direto passou a ser, então, divulgado. Os agricultores passaram a trocar experiências entre si, formando os Clubes Amigos da Terra. Iniciou-se uma segunda fase, com a realização de pesquisas, através da Embrapa, dos institutos estaduais, como o Iapar (Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná), IAC (Instituto Agronômico de Campinas), Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais), além das empresas de assistência técnica e extensão rural, como as Emateres, que também se engajaram nesse processo. A partir daí a técnica passou a ser difundida”, recorda o engenheiro agrônomo, membro da Federação Brasileira do Sistema de Plantio Direto (Febrapdp), Ronaldo Trecenti.
Ele ainda conta que a partir de 1992 verificou-se o maior salto do plantio direto no Brasil, com a criação, inclusive, da Federação Brasileira do Plantio Direto na Palha e da Associação do Plantio Direto no Cerrado.
Adequação
Esse sistema de plantio é, antes de tudo, mais adequado à realidade do solo brasileiro. As técnicas preconizadas anteriormente eram inspiradas na prática de países de clima temperado, como os europeus, onde há meses de inverno rigoroso, que congelam o solo, fazendo com que seja necessário revolvê-lo com arado e grade, expô-lo ao sol para aquecer e permitir a germinação e o estabelecimento das plantas.
“Nós estamos no mundo tropical, aqui é diferente. Nós temos temperatura elevada e chuva durante boa parte do ano. Aqui nosso solo precisa de proteção contra a incidência direta da gota de chuva, para evitar a erosão. Então, a palha funciona como um guarda-chuva e guarda-sol. Não há necessidade de revolver o solo aqui para fazer o cultivo, exceto nos anos iniciais, onde a gente faz a correção com uso de calcário, gesso e fertilizantes. Uma vez que se estabeleceu e fez essa correção, a partir daí não precisa mais revolver, se fizer um bom manejo. As plantas vão trabalhar para nós funcionando como um arado biológico”, explica Trecenti.
O pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo, Emerson Borghi, ainda acrescenta que no sistema tradicional de produção, o revolvimento do solo e a ausência de cobertura fazem com que haja perda de água tanto pela erosão quanto a evaporação. “Com isso, em período de restrição hídrica as plantas entram em estresse, o que impacta negativamente a produtividade”, reforça. Outro ponto para o qual ele chama a atenção é o fato de no sistema tradicional haver maior incidência de plantas daninhas, o que acaba exigindo maior uso de produtos químicos para esse controle.
Revoluções
Ao longo dos últimos 50 anos, o agro brasileiro passou por quatro grandes revoluções: a abertura do Cerrado, que proporcionou ao país ampliar suas áreas agricultáveis; o plantio direto, responsável por maior produtividade com sustentabilidade; a introdução do milho safrinha, que ampliou a oportunidade de produção do Brasil e, mais recentemente, os Sistemas de Integração Lavoura, Pecuária e Floresta.
Na avaliação do coordenador técnico da Emater-MG, Rogério Jacinto Gomes, nesse cenário, o plantio direto ganha destaque porque é a técnica-base quando se pensa em produção sustentável. “É a técnica onde conseguimos, por excelência, associar a boa produtividade com a conservação do solo e da água. No plantio direto estamos imitando a natureza e na natureza não há revolvimento de solo. Nesta técnica apenas riscamos o terreno onde será colocado o fertilizante e a semente e mantemos a cobertura com palha. Com isso, nós ativamos a atividade biológica no solo e melhoramos a infiltração de água. Além de evitar erosão, a conservação de água no solo permite melhor produtividade em anos de chuvas reduzidas. Quando temos uma técnica que conserva solo e água ela é a referência para produção tropical”, defende.
Vantagens
Por preconizar também a rotação de culturas, o plantio direto ainda colabora para preservação das potencialidades do solo e no controle das pragas e doenças. O pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo, Ramon Alvarenga, explica que as culturas têm demandas diferenciadas por nutrientes.
“Se a gente usar uma cultura seguidamente numa área, ela tem preferência por alguns nutrientes em relação a outros, causando um desbalanceamento do solo e, por outro lado, vai exigir uma reposição muito maior desses nutrientes que ela demanda em maior quantidade”. Com a rotação, há também a redução de pragas naturais da cultura anterior, justamente pela ausência da planta alvo destes patógenos. “É um somatório de pequenos ganhos que fazem a diferença”, salienta.
Outra vantagem é a capacidade de se adaptar a propriedades de diferentes portes, com a disponibilidade no mercado desde grandes máquinas específicas para essa aplicação até plantadeiras de tração animal ou matracas manuais de plantio direto. “Temos uma tecnologia social, que se adapta do grande ao pequeno”, confirma o técnico da Emater, Rogério Jacinto.
Economia
O plantio direto representa ainda redução de custos de produção e da emissão de carbono. “Normalmente, no plantio convencional você faz uma aração e até duas gradagens, às vezes subsolagem. No plantio direto você faz essas operações apenas no início do sistema. Quando seu solo já estiver preparado você não precisa mais revolvê-lo e isso evita horas e horas de trator, consumo de combustível. Com isso, as emissões de carbono provocadas por essas operações são muito minimizadas. A gente economiza dinheiro e economiza a pegada de carbono também”, detalha o coordenador técnico da Emater-MG, Sérgio Brás Regina.
Evolução
Embora consolidado no país, o plantio direto ainda precisa avançar. Estima-se que a técnica é aplicada em cerca de 33 milhões de hectares, mas em apenas 20% ele é adotado respeitando todos os seus 3 pilares, que são: ausência de revolvimento do solo, rotação de culturas e cobertura permanente com palha.
Para Sérgio Regina, um dos entraves diz respeito às condições climáticas, especialmente no semiárido, onde há dificuldade de se fazer palhada e ainda ausência de equipamentos, principalmente para os produtores que têm restrições ao uso de herbicidas, para dissecar a cultura e fazer a palhada. “Quando a indústria desenvolver equipamentos que façam a dissecação mecânica dessa palhada, ninguém segura mais o plantio direto em Minas Gerais”, afirma.
A Emater-MG incentiva a adoção do plantio direto em todo Estado, através da atuação dos técnicos nos escritórios locais, presentes em mais de 90% dos municípios mineiros. Por ocasião dos 50 anos do SPD, o diretor técnico Gelson Soares destaca que a empresa está realizando encontros em suas unidades regionais, como forma de ampliar os conhecimentos e promover a troca de experiências entre produtores, especialistas e outros atores do setor agropecuário.
“O maior desafio da sociedade atualmente é conciliar a produção de alimentos com a preservação ambiental. A extensão rural mineira e brasileira têm uma grande missão, que é levar esta tecnologia para todos os pequenos e médios produtores. Nós temos feito um trabalho através de reuniões, visitas técnicas e seminários, para difundir esta tecnologia e tornar Minas Gerais cada vez mais um estado onde temos uma produção sustentável”, reforça.
Menos terra, mais produção
Segundo os especialistas, sem tecnologias como o plantio direto, seria necessário o dobro de áreas agricultáveis que o Brasil usa hoje, para produzir o volume de alimentos que alcançamos atualmente. “Temos um efeito poupa-terra. Nossa produção e produtividade estão crescendo, na mesma área trabalhada. Isso graças a uma agricultura baseada em ciência, em que o plantio direto tem um papel muito relevante. O SPD associado a outras tecnologias, como a Integração Lavoura, Pecuária e Floresta, melhoramento das cultivares, variedades precoces de soja, manejo do milho com resistência a pragas e doenças, os ajustes da adubação, entre outros. É todo um pacote de conhecimento em que não é possível isolar um fator, mas certamente podemos destacar o plantio direto como um dos principais pelo aumento da produtividade e da capacidade de produção de alimentos pelo Brasil”, encerra Trecenti.
Geração de energia
Uma parceria entre a usina de Itaipu com a Federação Brasileira de Plantio Direto e Irrigação (Febrapdp) tem incentivado a adoção do plantio direto de qualidade nas propriedades do entorno do lago de Itaipu e seus afluentes.
A medida reduziu drasticamente, ao longo dos últimos 20 anos, o assoreamento do lago, o que impacta diretamente na vida útil da usina. Estudos geológicos indicam que Itaipu, em funcionamento desde 1982, teria cerca de 200 anos pela frente. Antes da expansão do plantio direto, havia previsões que apontavam para menos 50 anos de vida útil. A redução da erosão e do assoreamento teriam adiado por pelo menos 30 anos a necessidade de intervenções como dragagem.