Por Décio Luiz Gazzoni, Carlos Alberto Arrabal Arias e Clara Beatriz Hoffmann Campo
Ao longo das últimas décadas, com a intensa expansão da área, as lavouras de soja chegaram cada vez mais perto dos apiários fixos. Ao mesmo tempo, os apicultores perceberam que a soja é um excelente pasto apícola, produzindo quantidades apreciáveis de néctar de alta qualidade. Por sua vez, os produtores de soja verificaram que a soja que se desenvolve próximo de apiários exibe produtividade mais alta em relação aos talhões afastados de apiários, ou de matas habitadas por abelhas silvestres.
Em estudos realizados pela Embrapa foi comprovada tanto a qualidade do néctar da soja como alimento para as abelhas, quanto os incrementos de produtividade da soja cultivada próximo de apiários ou repositórios de abelhas. Nessa condição, as pesquisas da Embrapa mostraram ganhos médios de produtividade da soja de 13%.
Em qualquer integração produtiva, sempre há regras a serem respeitadas, permitindo que a relação seja harmoniosa e promova benefícios mútuos. A integração entre apicultura e sojicultura não foge desse padrão de convivência. Portanto, boas práticas, tanto apícolas quanto agrícolas, precisam ser respeitadas por apicultores e sojicultores. A Embrapa está desenvolvendo estudos para descrever e validar as boas práticas de criação de abelhas e de cultivo da soja, para uma integração harmoniosa entre essas atividades.
Um dos aspectos com maior potencial para disromper a harmonia entre apicultura e sojicultura são as medidas fitossanitárias. Se não houver estrita observância das recomendações do MIPSoja e da tecnologia de aplicação de pesticidas, podem ocorrer acidentes, como intoxicação e até mortalidade de abelhas.
Soja mais amigável
As abelhas visitam a soja apenas quando existem flores nas plantas. Logo, o risco de uma intoxicação por aplicação de pesticida se restringe aos dias imediatamente anteriores ao início do florescimento e o período durante o qual as flores estão presentes nas plantas. Nesse período, as aplicações para o controle de percevejos não são necessárias, pois estes se alimentam apenas nas vagens, portanto não são recomendadas como boa prática.
Assim, se for utilizada uma cultivar de soja resistente às lagartas desfolhadoras e tolerante a percevejos fitófagos, a probabilidade de ser necessária uma aplicação de inseticidas, enquanto as abelhas estiverem visitando a soja é próxima a zero e, consequentemente reduz a um mínimo a probabilidade de efeitos colaterais nas abelhas. Ou seja, o risco de intoxicação de abelhas por pesticidas é muito reduzido, apenas seguindo as recomendações do MIPSoja, associada a uma cultivar de menor susceptibilidade às pragas.
Existe uma cultivar de soja, denominada BRS 1003 IPRO, desenvolvida pela Embrapa Soja, que se encaixa nesta condição de menor necessidade de inseticidas, por ser resistente às principais lagartas desfolhadoras e também mais tolerante aos danos de percevejos por ser portadora das tecnologia Intactaâ e Blockâ, respectivamente. Essa cultivar permite a semeadura antecipada que além de viabilizar a safrinha com outras culturas, facilita o manejo das pragas. Por apresentar essas tecnologias e características a BRS 1003 IPRO, resguarda os inimigos naturais tanto no período vegetativo quanto na fase reprodutiva da soja. Mesmo que seja necessária uma aplicação para controle de percevejos, esta deverá acontecer após o período de floração da soja, reduzindo o risco de exposição das abelhas às pulverizações com inseticidas.
Portanto, trata-se de uma cultivar de soja muito amiga das abelhas, e também dos sojicultores. Produz néctar de qualidade, reduz ou até dispensa o uso de pesticidas, é favorecida pela polinização suplementar realizada pelas abelhas, pois a visita das abelhas pode aumentar até mais do que a produtividade de 6.400 kg/ha, obtida pela BRS 1003 IPRO nos estudos da Embrapa, em Ventania, no Paraná.
A BRS 1003 IPRO também é resistente ao herbicida glifosato (tecnologia RR2), apresenta ampla adaptação e estabilidade de produção com alta performance produtiva, inclusive em áreas com a presença do nematoide de galhas Meloidogyne javanica, ao qual a cultivar é moderadamente resistente. É classificada nos grupos de maturidade relativa 6.3 e 7.0, com recomendação de cultivo em diversas regiões edafoclimática do Brasil, como os estados de SC, PR, sul de SP e do MS (6.3), norte de SP, além de MS, GO e MG, e Sudoeste do MT (7.0).