Cláudia Vieira Godoy
Doutora e pesquisadora – Embrapa Soja
claudia.godoy@embrapa.br
A menor sensibilidade do fungo P. pachyrhizi aos fungicidas do grupo dos inibidores da desmetilação (IDM – triazóis), inibidores da quinona externa (IQe – estrobilurinas) e inibidores da succinato desidrogenase (ISDH- carboxamidas) já foi relatada no Brasil, sendo esses os três principais grupos sítio-específicos que compõem todos os fungicidas registrados em uso para o controle da doença.
Como cada grupo de fungicida age em um ponto específico do metabolismo do fungo, as mutações ocorrem nesses pontos de ação, reduzindo sua eficiência.
Nas últimas safras, mudanças de sensibilidade do fungo P. pachyrhizi aos triazois têm sido observadas, influenciando o controle com protioconazol e tebuconazol, sendo atribuídas a novas mutações como a V130A, além das já descritas anteriormente F120L, Y131H/F, I45F, K142R, I475T.
A presença de novas mutações e a variação de eficiência dos fungicidas desse grupo entre locais reforça a necessidade de rotação desses dois ingredientes ativos em programas de controle da ferrugem asiática.
Novas mutações
A resistência aos três grupos é descrita como quantitativa, ou seja, o fungicida ainda funciona, mas sua eficiência é reduzida pela presença das mutações no fungo. Além de poderem ocorrer diferentes mutações nas populações presentes no campo, a frequência com que elas estão presentes no genoma do fungo também influencia na eficiência do fungicida.
Essa frequência e também quais mutações estão presentes e predominando é difícil de prever, e por isso pode ocorrer variação de eficiência de fungicidas entre regiões.
O que se observou ao longo dos anos, com a presença do fungo Phakopsora pachyrhizi no Brasil, é que depois que as novas mutações aparecem em alguma região, elas se espalham para outras, e há uma tendência de estabilização na frequência e na presença.
Por isso é importante reduzir a pressão de seleção para novas mutações, reduzindo a janela de semeadura. Muitas lavouras escapam da ferrugem pela semeadura após o final do vazio sanitário e utilização de cultivares precoces, mas isso não é possível em todo o país.
Os fungicidas estão com baixa eficiência de controle e, quando a doença ocorre, seu controle está cada mais difícil.
Regiões afetadas
No centro-oeste, em razão da menor distribuição de chuvas, a ferrugem não foi problema, uma vez que a doença é favorecida por chuvas bem distribuídas. A ferrugem iniciou precocemente em relação a outros anos na região sul, principalmente no PR, pelas chuvas frequentes e presença de plantas de soja voluntárias com sintomas da doença que sobraram em razão do inverno menos rigoroso de 2023.
No entanto, as altas temperaturas, associadas à baixa precipitação a partir do meio de dezembro até final de janeiro, inibiram a evolução da doença no PR. No Rio Grande do Sul, as semeaduras foram atrasadas pelo excesso de chuvas no início da safra.
Nas semeaduras tardias, a doença pode ser mais severa pelo aumento de inóculo do fungo. O retorno das chuvas favoreceu o retorno da ferrugem.
Toda região do Brasil, que tiver semeadura tardia, após novembro, pode ter mais problemas para controle da ferrugem se as condições climáticas favorecerem o desenvolvimento da cultura e da doença.
Sem receita
Cada safra é diferente da outra em relação a doenças, em razão do clima. Anos com inverno ameno no sul podem favorecer a sobrevivência de plantas de soja voluntária, mantendo o inóculo da ferrugem para a próxima safra.
Por isso, o primeiro passo no controle da doença é a realização de um vazio sanitário eficiente.
Medidas preventivas
Uma medida preventiva para reduzir a pressão de seleção e atrasar o aparecimento de novas mutações é a redução da janela de semeadura para reduzir o número de aplicações ao longo da safra.
Essa medida foi recomendada pelo Consórcio Antiferrugem desde o aparecimento da resistência as estrobilurinas (2014). No entanto, muitos produtores foram contrários a essa medida e a janela de semeadura permanece extensa em vários estados, o que fez com que novas mutações fossem selecionadas de forma rápida no fungo nos últimos anos.
As principais medidas recomendadas são o escape da doença, por meio da adoção do vazio sanitário, para reduzir o inóculo do fungo na entressafra e a semeadura de cultivares precoces.
Os fungicidas têm sido recomendados em rotação de ativos e sempre associados a multissitios, para aumentar a eficiência de controle da doença. Cultivares com gene de resistência, embora não disponíveis para todas regiões, podem ser utilizadas para auxiliar no manejo da doença.
Ensaios
Os principais fungicidas registrados e em fase de registro são avaliados anualmente por meio de uma rede de ensaios nas principais regiões produtoras, conduzida por diferentes instituições de pesquisa.
Os resultados são disponibilizados anualmente para os produtores, que podem acompanhar a mudança de eficiência dos fungicidas. Nesses informes são relatadas informações disponibilizadas sobre as novas mutações do fungo. As circulares técnicas são publicadas pela Embrapa.
Impacto na produtividade
Toda nova mutação nos fungos em sítio de ação dos fungicidas pode reduzir sua eficiência. Há um número limitado de grupos de fungicidas para controle de todas as doenças na cultura da soja.
Não é somente o fungo da ferrugem que está sob pressão de seleção. Todos os fungos que incidem na cultura são selecionados com as aplicações de fungicidas. Menor eficiência de controle tem sido observada também para a mancha-alvo, cercóspora, septória e oídio, em função de resistência.
A ferrugem é a doença mais falada, porque é a mais severa, com maior potencial de dano, mas a redução da eficiência de controle da mancha-alvo tem sido observada nos resultados dos ensaios em rede para mancha-alvo no Cerrado.
A mancha-alvo é a doença que predomina atualmente no Cerrado e o fungo Corynespora cassiicola também tem sido selecionado para resistência. O número de fungicidas para controle da mancha-alvo é menor do que para ferrugem, porque algumas mutações que o fungo apresenta conferem resistência qualitativa (o fungicida apresenta uma queda drástica de controle), como é o caso da estrobilurinas.
No Cerrado, há um grande escape da ferrugem por utilização de cultivares precoces e semeadura no início da época recomendada, para a realização de uma segunda safra de milho ou algodão.
Estratégia
O impacto da resistência no controle das doenças pode ser visto pela presença cada vez maior de fungicidas com três ingredientes ativos, uma vez que nenhum isolado apresenta alta eficiência de controle. A volta de fungicidas multissítios, que são produtos antigos e utilizados em altas doses, tem auxiliado no controle das doenças.
Com a ferrugem, as perdas podem ser observadas principalmente nas semeaduras tardias, onde ocorre maior probabilidade de incidência da doença. O número de aplicações aumenta e seu intervalo tem que ser reduzido, o que favorece cada vez mais a seleção de novas mutações.