Edson Pereira Mota
Doutor em Ciências/Solos e Nutrição de Plantas – ESALQ/USP e professor de Solos – Faculdade de Ensino Superior Santa Bárbara (FAESB)
prof.edson.mota@faesb.edu.br
O algodão está presente em nossa rotina diária. Do momento que acordamos até o encerramento de nosso dia, em algum momento (ou continuamente) estamos em contato com esse produto agrícola. Nesse sentido, torna-se evidente sua importância e possibilidade de exploração, cabendo à agricultura encontrar meios mais eficientes e produtivos para o seu cultivo.
Importância econômica
O Brasil é um grande produtor de algodão. Segundo dados da USDA (2024), ocupamos a 3ª posição no ranking dos maiores produtores e representamos cerca de 12,9% da produção mundial, ficando atrás apenas de players como China (24,3%) e Índia (22,1%), com a primeira e segunda posições, respectivamente.
Juntos, esses três países emergentes representam quase 60% de todo algodão produzido no mundo. Assim como produtor, o país também se posiciona como o segundo maior exportador, direcionando o algodão produzido para países como China, Vietnã e Turquia, além de vários outros do continente asiático.
Para a manutenção desse status e posicionamento brasileiro no agronegócio mundial do algodão, precisamos olhar para a base agrícola, ou seja, os princípios básicos e fatores de produção que possibilitam o desenvolvimento da atividade algodoeira com eficiência técnica e econômica.
Limitações à produção
Dentro dos fatores de produção (clima, solo, genética, plantas invasoras, pragas, doenças e outros), aquele que mais limita o potencial do cultivo do algodão e pode ser controlado é o solo, isto é, a fertilidade do perfil é vital para o sucesso do cultivo do algodão.
Nutrir a planta de algodão de maneira adequada é fundamental não apenas por produzir as médias de produtividade brasileiras de 285 @/ha (CONAB, 2024), mas também pelo fato de se tratar de uma cultura em que a qualidade do produto é influenciada e considerada para comercialização.
Altos níveis de produtividade sem bons parâmetros de qualidade da fibra do algodão, tais como fiabilidade, comprimento, uniformidade, resistência e maturidade da fibra, ou outros, como cor e reflectância, não irão resultar no potencial sucesso que o produtor pode obter nessa atividade.
Nutrição é a resposta
Surge a pergunta: como deve estar nutrida a planta de algodão para que bons resultados possam ser obtidos?
A cada 67@/ha produzidas (1,0 tonelada/ha), a planta de algodão chega a extrair 180 kg de macronutrientes, sendo que os primários (N, P e K) representam 60, 10 e 60 kg, respectivamente; enquanto os secundários (Ca, Mg e S) compõem 25, 15 e 10 kg, respectivamente (Rosolem, et al., 2023).
Destaca-se que, além destes, os micronutrientes são muito importantes, não existindo cultivos de alto rendimento sem considerar o correto manejo destes nutrientes essenciais.
Neste ponto, já temos bem conhecido que o cultivo do algodão brasileiro tem importância mundial e que a correta nutrição da planta, muito exigente em nutrientes, é ponto-chave para o sucesso da atividade.
Assim, para que a fertilidade do solo esteja adequada e o fornecimento de nutrientes seja eficiente, é necessário que o preparo do solo seja feito com técnica, atenção e qualidade, onde pode-se ressaltar o uso da calagem com o calcário agrícola.
Como funciona
A calagem consiste em uma operação de correção do solo com o uso do calcário, e visa ajustar os níveis de acidez do solo, para que todos os nutrientes os quais a planta de algodão necessita para bons resultados fiquem disponíveis para absorção pelas raízes.
O cultivo do algodão é muito sensível a solos ácidos (pH baixo) e muito responsivo à alta saturação de bases do solo (V% alto ~ 80%), ou seja, o uso do calcário é um grande aliado para essa cultura agrícola e traz muitas vantagens no seu uso. Nesse contexto, temos dois pontos a considerar: pH do solo e V%.
A acidez (pH – potencial de íons H+ na solução do solo) dos solos brasileiros, principalmente os de Cerrado (maior região produtora de algodão), é bem conhecida. Dada a sua formação, tem-se baixos valores de pH (excesso de H+) e altos teores de alumínio (Al3+), assim, condições de disponibilidade de nutrientes deficitária.
O pH do solo pode interferir na disponibilidade dos nutrientes, tornando a necessidade da sua correção ainda mais evidente (Figura 1).
A aplicação do calcário para a correção do solo, então, possibilita que ocorra a diminuição da acidez com a elevação do pH, neutralização do alumínio e, assim, os nutrientes possam estar em condições para melhor absorção pelas raízes da planta, otimizando o fornecimento de nutrientes.
Mas, o que seria o calcário?
O calcário é o produto mais utilizado na operação de correção do solo – trata-se de uma rocha de origem sedimentar, composta basicamente de carbonato de cálcio e carbonato de magnésio (CaCO3 + MgCO3).
Ao observar a sua composição, pode ser percebido que, além de possibilitar neutralizar a acidez do solo (Figura 2), esse produto ainda fornece nutrientes para o algodão, como o cálcio (Ca2+) e o magnésio (Mg2+).
Saturação de bases
O fornecimento de nutrientes contidos no calcário nos leva ao segundo ponto de discussão citado – a saturação de bases (V%). A saturação de bases do solo, basicamente, é o quanto o solo tem de seus espaços disponíveis preenchidos com as bases do solo/nutrientes (bases: cálcio, magnésio e potássio no complexo de troca de cargas do solo à Ca, Mg e K na CTC).
O calcário libera espaços antes ocupados por hidrogênio (H+) e alumínio (Al3+) para retenção de nutrientes no solo e, com o fornecimento do Ca2+ e Mg2+, permite que ocorra elevação na saturação de bases.
Como citado, recomenda-se que, para o cultivo do algodão, o solo atenda a condições de 80% da saturação de bases, o que representa 80% dos seus espaços potenciais disponíveis para a retenção das bases do solo.
Benefícios para o algodão
Destaca-se que o cálcio fornecido pelo calcário via calagem é uma grande vantagem para o cultivo do algodão, pois possui várias funções na planta, sendo a principal a estrutural, com a composição da parece celular (pectato de cálcio), ou seja, é um elemento que participa da estrutura física da planta.
Sendo o algodão muito valorizado por aspectos de qualidade voltados ao potencial físico de suas fibras, como citado anteriormente, torna o cálcio vital para bons retornos econômicos ao produtor.
Tem-se, também, que o cálcio em sua função estrutural é um grande responsável pelo desenvolvimento das raízes das plantas, fazendo com que o seu fornecimento e melhor desenvolvimento radicular potencialize a eficiência da absorção dos outros nutrientes e, até mesmo, possibilite maior resistência do algodão ao estresse hídrico, já que raízes mais bem desenvolvidas exploram melhor o solo e sua água disponível retida.
Além disso, o cálcio participa como cofator para algumas enzimas, faz parte de alguns sais nas plantas e ativa algumas enzimas em processos metabólicos no algodão.
Recomendações
A operação da calagem é determinante para o sucesso do cultivo do algodão, desta forma, fica o questionamento – como recomendar a calagem para o algodão e usufruir de seus benefícios?
O primeiro ponto a ser observado é a realização de uma boa e representativa análise de solo, assim, verificando as reais necessidades de correções e ajustes na fertilidade, no caso da correção do solo, verificando os níveis do pH, bases do solo (Ca, Mg e K), alumínio, CTC e V%.
A análise de solo bem-feita e representativa (sim, é importante enfatizar a “representativa”) é uma das ferramentas mais fortes que o produtor de algodão (e qualquer cultivo agrícola) pode dispor para se programar e atuar com assertividade no seu sistema de produção.
Com a análise de solo realizada e os critérios citados verificados, a aplicação do calcário pode ser dar com base em três abordagens: saturação de bases (V%); teores de cálcio, magnésio e alumínio (Ca2+ e Mg2+ isolados, Al3+ isolado, ou combinação de Ca2+ e Mg2+ e Al3+); e solução SMP (pH).
A metodologia da saturação de bases (V%), muito utilizada no Estado de São Paulo, considera o preenchimento dos espaços do solo com as bases (Ca, Mg e K) para atender à necessidade do algodão.
É uma metodologia interessante por considerar os nutrientes, a acidez do solo e a CTC (espaço para retenção de nutrientes) (Equação 1):
Onde:
NC = necessidade de calagem
V2 = saturação de bases desejada para o algodão (80%);
V1 = saturação de bases do solo (resultado da análise de solo);
T = CTC potencial do solo (resultado da análise de solo);
PRNT = poder relativo de neutralização total (garantia que consta no rótulo do calcário).
A metodologia que considera os teores de cálcio, magnésio e alumínio pode ser dividida em duas recomendações, as mais utilizadas no cerrado e Paraná (Equações 2, 3, 4 e 5), que consideram teores de argila do solo, ou seja, o poder tampão (resistência a alterações), e os níveis das bases do solo e, a utilizada em Minas Gerais (Equação 6), que consideram aspectos das plantas, teores de argila do solo e os níveis das bases do solo.
Onde:
NC = necessidade de calagem;
Ca = teores de Ca2+ (resultado da análise de solo – cmolc/dm3);
Mg = teores de Mg2+ (resultado da análise de solo – cmolc/dm3);
Al = teores de Al3+ (resultado da análise de solo – cmolc/dm3);
Argila = teor de argila do solo (resultado da análise textural do solo);
NC (t ha-1) = [(I x Y x Al3+) + (X – (Ca2+ + Mg2+)] (Equação 6)
Onde:
NC = necessidade de calagem;
I = fator da planta (1,0 tabelado para algodão);
Y = Variação na textura (1 – arenoso, 2 – médio, 3 – argiloso, 4 – muito argiloso);
X = Necessidade de Ca e Mg (3,0 tabelado para algodão);
Ca = teores de Ca2+ (resultado da análise de solo – cmolc/dm3);
Mg = teores de Mg2+ (resultado da análise de solo – cmolc/dm3);
Al = teores de Al3+ (resultado da análise de solo – cmolc/dm3);
Argila = teor de argila do solo (resultado da análise textural do solo).
O que fazer
A última forma de recomendação é o tampão SMP, que se baseia em uma solução tamponada (com resistência à alteração) em pH 7. O solo é colocado nessa solução e verifica-se a intensidade de abaixamento do valor de pH.
Assim, com esse valor de abaixamento, utilizam-se tabelas calibradas que informam a quantidade de calcário a se aplicar para cada valor de pH que se queira elevar. Destaca-se que, como cada localidade possui variações de solo e clima, uma nova calibração sempre é necessária, o que torna o método rápido em execução, mas trabalhoso para o processo de preparação de uso.
Independente da recomendação escolhida, sempre se deve atentar para a análise de solo e boletins de recomendação da região de produção do algodão. Fica claro que o cultivo do algodão tem respostas positivas à correção do solo e o calcário, produto de baixo custo e bons benefícios, pode determinar o sucesso técnico e econômico do produtor rural.
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