Gil Miguel de Sousa Câmara
Professor associado da Esalq/USP, consultor, palestrante e instrutor técnico de equipes profissionais de consultoria e assistência técnica
Depois do carbono (C), hidrogênio (H) e oxigênio (O) fornecidos pelo ar e pela água, o macronutriente nitrogênio (N) é o quarto elemento químico mais absorvido pelos vegetais, pois é constituinte básico de enzimas e proteínas, além da molécula de clorofila, substância chave do processo fotossintético das plantas. A produtividade das culturas tem relação direta com o adequado suprimento de nitrogênio.
Na cultura da soja o nitrogênio influencia diretamente o crescimento vegetativo (crescimento em altura, ramificação, formação e expansão de folhas) e reprodutivo (formação e pegamento de flores e vagens, além do desenvolvimento das sementes).
A essencialidade desse nutriente também tem correlação com a qualidade dos grãos e/ou sementes, os quais, conforme a genética, o ambiente e a interação entre estes, podem armazenar de 37 a 45% de proteína em seus cotilédones.
A exportação de N pela lavoura de soja pode variar de 60 a 80 kg por tonelada de grãos. Culturas de soja com produtividades agrícolas de grãos superiores a 4.000 kg por hectare chegam a absorver (extração do ambiente) de 500 a 600 kg de N por hectare, com exportações mais próximas de 80 kg de N por tonelada de grãos.
Embora o nitrogênio molecular (N2) corresponda a 78% do ar atmosférico, seu aproveitamento direto pelos animais, vegetais e seres humanos não é possível, havendo necessidade de reduzi-lo à amônia (NH3), seja pela via natural da fixação biológica, realizada em condições naturais de pressão e temperatura por várias espécies de bactérias de vida livre ou que vivem em simbiose com plantas da família das leguminosas, seja pelo processamento industrial Harber-Bosch, aplicado em derivados do refino do petróleo, visando a obtenção de fertilizantes nitrogenados minerais, sob condições controladas que demandam altas pressões (200 atm) e temperaturas muito elevadas (450ºC).
A soja
No caso da soja, a fixação biológica do nitrogênio (FBN) se dá pelo relacionamento fisiológico muito específico entre a planta e estirpes selecionadas de bactérias (rizóbios) pertencentes às espécies Bradyrhizobiumjaponicum e Bradyrhizobiumelkanii.
O ponto de partida é o estabelecimento físico entre planta e rizóbios, por meio da operação agrícola da inoculação, que consiste em misturar determinada dose de inoculante (meio que contém população pura dos rizóbios) com as sementes de soja (inoculação via sementes) e/ou aplicá-lo diretamente sobre as sementes dentro do sulco de semeadura da cultura (inoculação via sulco).
A partir da emergência das plantas se estabelece um meio de comunicação química entre a soja e os rizóbios inoculados, culminando na formação dos primeiros nódulos nas raízes, dentro dos quais ocorre a efetiva FBN.
Inoculante de procedência idônea e operação de inoculação bem executada, associado às boas práticas de semeadura em ambiente favorável, constituem as condições básicas e necessárias para o estabelecimento de nódulos nas raízes de soja.
Fixação biológica x ganhos produtivos
A melhoria genética, tanto pelo lado da soja (desenvolvimento de novas cultivares) quanto pela visão da microbiologia agrícola (desenvolvimento de estirpes de rizóbios), vem estabelecendo ganhos de produtividade da ordem de 3,0 a 5%, em média, devido à inoculação anual (reinoculação) da cultura da soja no Brasil.
A reinoculação possibilita a renovação qualitativa de rizóbios nos sistemas de produção, associada à ação quantitativa definida pelas doses aplicadas de inoculantes, cuja ação conjunta explica os ganhos de produtividade observados.
Benefícios
Os benefícios da tecnologia de inoculação da cultura e da FBN não se restringem exclusivamente ao incremento de produtividade, mas também a outras categorias de ganhos, destacando-se:
ÃŒAmbiental: ao contrário do N2 fixado industrialmente (fertilizante nitrogenado), o N2 fixado biologicamente pela soja não se perde por lixiviação, evitando-se assim carga desnecessária de nitratos contaminantes sobre o lençol freático do solo. Também não se perde por volatilização e não acidifica a rizosfera, além de ser diretamente compatível com a Agricultura de Baixo Carbono (ABC) pela não emissão de gases de efeito estufa. Considerando-se os 35 milhões de hectares cultivados com soja no Brasil, estima-se que a FBN nessa cultura, em substituição à adubação mineral nitrogenada, evita a emissão de 62,0 milhões de toneladas de CO2-equivalentes por ano.
ÃŒEconômico: considerando-se as demandas em N (extração e exportação) e a área cultivada, estima-se que a FBN na cultura da soja, estabelecida a partir da inoculação das sementes ou do sulco, proporciona uma economia anual da ordem de US$ 16,0 bilhões por ano safra.
ÃŒSocial: tanto o inoculante quanto as próprias estirpes de rizóbios selecionadas para a cultura da soja no Brasil possuem ação inerte sobre o ambiente (não é contaminante ambiental) e sobre os seres humanos e animais domésticos (não é agrotóxico). Além desses benefícios, a indústria de inoculantes instalada no Brasil contribui anualmente para a geração de renda e de empregos diretos e indiretos.