- Autores
- Antonia Mirian Nogueira de Moura Guerra
Professora de Cultivos Agrícolas – Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB – campus Barra)
mirianagronoma@hotmail.com
Maria Gabriela Magalhães Silva
Graduanda em Agronomia – UFOB – campus Barra
A biofortificação é uma técnica de melhoramento genético natural que possibilita elevar o teor de micronutrientes dos alimentos, como pró-vitamina A, ferro e zinco, melhorando sua qualidade nutricional, o que pode ser feito por meio de técnicas de melhoramento convencional de plantas ou pela biotecnologia. O principal objetivo é aumentar os teores de vitaminas e nutrientes em alimentos tradicionalmente consumidos por populações carentes e contribuir para a segurança alimentar no País.
A introdução de produtos agrícolas biofortificados na dieta das camadas mais pobres da população visa complementar as intervenções em nutrição existentes, proporcionando uma maneira sustentável e de baixo custo para alcançar tais populações, que dispõem de acesso limitado aos sistemas formais de mercado e de saúde.
Vantagens
Variedades biofortificadas apresentam o potencial de fornecer benefícios contínuos, ano após ano, nos países em desenvolvimento, a um custo recorrente inferior ao da suplementação e da fortificação pós-colheita.
A fortificação de alimentos com vitamina A e ferro (Fe), assim como a distribuição de suplementos destes micronutrientes para a população-alvo, têm sido as estratégias mais utilizadas na maioria dos países em desenvolvimento para combater a hipovitaminose A e a anemia ferropriva.
Entretanto, pesquisas recentes têm demonstrado que o melhoramento de plantas pode ajudar a melhorar a dieta humana, com o desenvolvimento de plantas com maiores teores de vitamina A e de minerais, ou seja, por meio da biofortificação.
Nutrição humana
Dietas com escassez de Fe e zinco (Zn) podem provocar anemia, redução da capacidade de trabalho, problemas no sistema imunológico, retardo no desenvolvimento e até a morte.
A anemia ferropriva é, provavelmente, o mais importante problema nutricional no Brasil. Pouco se conhece sobre a deficiência de Zn nos países em desenvolvimento. Entretanto, geralmente, fontes ricas em Fe biodisponível também são ricas em Zn biodisponível e pessoas com deficiência em Fe também são deficientes em Zn.
A deficiência de vitamina A é outro sério problema nutricional nos países em desenvolvimento, provocando cegueira em milhares de crianças no mundo. O aumento da ingestão de pró-vitamina A ou de carotenoides é uma das formas preconizadas para combater essa deficiência.
A biofortificação
O processo de biofortificação é feito com o cruzamento de plantas da mesma espécie, gerando cultivares mais nutritivas, ou conhecido como melhoramento genético convencional. Inclusive, o projeto, ao longo do tempo, formou uma rede de pesquisadores no Brasil e no exterior, que estão investindo em conhecimento técnico-científico da agronomia e da saúde e estão obtendo alimentos mais nutritivos.
De acordo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), 48% das crianças com menos de cinco anos de idade apresentam anemia (deficiência de ferro) e 30% tem deficiência de vitamina A. No Brasil, 55% das crianças nessa mesma faixa etária apresentam carência de ferro e 13% tem níveis de vitamina A abaixo do que se recomenda.
Pesquisas comprovam que os alimentos biofortificados são uma alternativa eficiente no combate à fome oculta, problema que afeta mais de dois bilhões de pessoas em todo o mundo.
Projeto BioFORT
Como forma de melhorar a dieta dos brasileiros, especialmente os mais carentes, surgiu o projeto BioFORT, que está em desenvolvimento há mais de 10 anos. Este programa é responsável pela biofortificação de alimentos no Brasil, coordenado pela Embrapa, a qual inclui 14 unidades de pesquisa em toda a nação, que trabalham com foco no melhoramento genético convencional de alimentos básicos na dieta da população como arroz, feijão, feijão-caupi, mandioca, batata-doce, milho, abóbora e trigo.
O projeto tem como objetivo primeiro diminuir a desnutrição e garantir maior segurança alimentar pelo aumento dos teores de ferro, zinco e vitamina A na dieta da população mais carente.
Parceiros do BioFORT
O BioFORT tem como desafio combater a fome oculta que debilita mais de dois bilhões de pessoas em todo o mundo. Mas, as parcerias com instituições públicas e privadas tem permitido que as novas cultivares cheguem às comunidades rurais e urbanas mais carentes.
O Brasil tem se destacado num aspecto diferenciado dos demais países no desenvolvimento de biofortificação. O País é o único onde são conduzidos, ao mesmo tempo, trabalhos com oito culturas diferentes: abóbora, arroz, batata-doce, feijão, feijão-caupi, mandioca, milho e trigo.
A Embrapa Agroindústria de Alimentos, localizada no Rio de Janeiro, é uma das unidades da Embrapa e lidera o projeto BioFORT, que faz parte da Rede de Biofortificação no Brasil. Esta rede foi iniciada pelo projeto HarvestPlus, financiado pela fundação Bill & Melinda Gates e pelo Banco Mundial, entre outros, e também inclui o projeto AgroSalud, financiado pela Agência Canadense para o Desenvolvimento Internacional (CIDA), ambos coordenados pela Embrapa Agroindústria de Alimentos.
Como é desenvolvido o BioFort
A essência do projeto é enriquecer alimentos que já fazem parte da dieta da população para que esta possa ter acesso a produtos mais nutritivos e que não exijam mudanças de seus hábitos de consumo.
No campo, as cultivares são selecionadas e as mais promissoras seguem para a etapa de melhoramento. Nessa etapa, o objetivo é a obtenção de cultivares mais nutritivas, que também apresentem boas qualidades agronômicas (produtividade, resistência à seca, pragas e doenças), além de boa aceitação de mercado.
Ao mesmo tempo, nos laboratórios da Embrapa e das universidades vinculadas ao projeto estão sendo iniciados estudos sobre biodisponibilidade para estimar se o organismo humano consegue absorver os micronutrientes presentes nas cultivares melhoradas.
Alimentos desenvolvidos com biofortificação
Vários Estados brasileiros já estão desenvolvendo biofortificação em vários alimentos básicos. Podemos apresentar como o projeto BioFORT está presente em alguns locais:
Maranhão: multiplicação de cultivares de feijão, arroz, feijão-caupi e batata-doce em assentamentos rurais.
Piauí: seleção, melhoramento genético e multiplicação de cultivares de feijão-caupi.
Pernambuco: multiplicação de cultivares de feijão, feijão-caupi e abóbora.
Sergipe: multiplicação de cultivares de feijão, feijão-caupi, mandioca, batata-doce e milho, seleção e melhoramento genético de cultivares locais de abóbora, avaliação de resultados na merenda escolar.
Bahia: seleção, melhoramento e multiplicação de cultivares de mandioca.
Distrito Federal: seleção, melhoramento e multiplicação de batata-doce e trigo.
Goiás: seleção, melhoramento genético e multiplicação de cultivares de arroz e feijão.
Minas Gerais: multiplicação de cultivares de mandioca, milho, batata-doce, arroz e feijão em escolas técnicas de agricultura e capacitação de produtores e técnicos por meio de cursos, seminários e dias de campo.
Rio de Janeiro: multiplicação de cultivares de arroz, milho, feijão, mandioca, batata-doce, abóbora e feijão-caupi.
Paraná: multiplicação de cultivares de milho, trigo e mandioca.
Rio Grande do Sul: seleção e melhoramento genético de cultivares de trigo.
Com a permissão dos Comitês de Ética das universidades, os pesquisadores estão avaliando a aceitação aos alimentos mais nutritivos, como em Sergipe, onde mandioca, batata-doce e feijão-caupi já estão sendo testados na merenda escolar.
Outras equipes do projeto buscam desenvolver produtos agroindustriais a partir de matérias-primas biofortificadas como a formulação de farinhas de batata-doce para elaboração de produtos com maior valor agregado (pães, snacks e farinhas pré-cozidas para sopas instantâneas e mingaus), que ampliam a oferta de alimentos mais nutritivos.
A Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical, por meio do Programa de Melhoramento de Mandioca para Biofortificação, desenvolveu variedades de mandiocas biofortificadas. O uso da técnica pela pesquisa brasileira já possibilitou o lançamento de um leque de produtos biofortificados (arroz, feijão, milho, mandioca, batata-doce e trigo).
Tabela 1. Alimentos Biofortificados no Brasil.
Tipo | Nome da cultivar | Ferro | Zinco | Pró-vitamina A | Cultivares convencionais |
Milho | BRS 4101 | — | — | 5 – 8 ppm | 2 – 4 ppm Pró-vitamina A |
Batata-doce | Beauregard | — | — | 90 – 140 ppm | 0 – 10 ppm Pró-vitamina A |
Feijão-caupi | BRS Aracê BRS Xiquexique BRS Tumucumaque | 50 – 70 ppm | 40 – 50 ppm | — | 40 – 50 ppm Fe 30 – 40 ppm Zn |
Mandioca | BRS Jari BRS Gema de ovo BRS Dourada | — | — | 4 a 9 ppm | 0 ppm Pró-vitamina A |
Abóbora | Pesquisa em andamento | — | — | 140 – 240 ppm | 20 – 60 ppm Pró-vitamina A |
Trigo | Pesquisa em andamento | 40 – 50 ppm | 40 – 50 ppm | — | 25 – 35 ppm Fe 30 – 40 ppm Zn |
Feijão | BRS Pontal BRS Agreste BRS Cometa | 70 – 90 ppm | 35 – 50 ppm | — | 25 – 65 ppm Fe 10 – 35 ppm Zn |
Arroz | Pesquisa em andamento | 2 – 5 ppm | 15 – 20 ppm | — | 0,5 – 2 ppm Fe 5 – 12 ppm Zn |
Mandioca biofortificada
No processo de transformação para farinha, boa parte dos nutrientes vai embora com a água resultante da prensagem da massa e durante o tempo de armazenamento do produto. As raízes cozidas apresentam valores de retenção de caroteno entre 79 e 82%, resultando em um alimento mais rico em vitaminas.
A mandioca é a cultura de maior expressividade agrícola no Acre, importante fator de geração de trabalho e renda no campo e fonte de alimento para a população. Para tornar este alimento mais nutritivo, há vários anos a Embrapa desenvolve pesquisas de melhoramento genético por meio da biofortificação.
No Acre, diversas variedades de mandioca biofortificadas, destinadas ao consumo in natura, são estudadas para recomendação de plantio e cultivo nas condições de clima e solo do Estado.
Com a nova pesquisa o Estado contará com mandiocas mais nutritivas, a exemplo de outras localidades, como Bahia, Sergipe, Maranhão e Piauí, Minas Gerais e Rio de Janeiro, que já cultivam alimentos biofortificados.
As pesquisas com mandiocas biofortificadas envolvem testes de produtividade, produção de matéria seca e amido, presença de carotenoides (betacaroteno), tempo de cozimento e avaliações de características industriais, em diferentes épocas de plantio (6, 8, 10 e 12 meses).
Feijão-caupi biofortificado
O feijão-caupi, também chamado de feijão-de-corda, feijão-vigna ou feijão-de macáçar, é uma cultura muito importante para o Sertão, porque produz bem no clima seco. É um ótimo alimento, pois fornece muitos nutrientes, especialmente as proteínas, que são substâncias muito importantes para a saúde humana.
O feijão-caupi tem uma grande importância, tanto como alimento quanto como gerador de emprego e renda. Apresenta consumo per capita de 18,21 kg/pessoa/ano. É rico em proteína, minerais e fibras e constitui um componente alimentar básico das populações rurais e urbanas das regiões norte e nordeste. Atualmente, seu consumo expande-se de forma mais intensa para as regiões centro-oeste e sudeste do Brasil.
Alguns estudiosos acreditam que a origem do caupi esteja, provavelmente, na África, e que essa leguminosa tenha sido introduzida no Brasil pela Bahia, no período da colonização, espalhando-se pela região nordeste, sobretudo no Semiárido.
O caupi é a principal fonte de proteína no Leste e Oeste da África. Proporciona mais da metade da proteína vegetal na dieta humana, na maioria das regiões tropicais semi-úmidas. O caupi é rico em proteínas (23 a 30%) e em outros nutrientes essenciais, como vitaminas do complexo B, possui um perfil de aminoácidos típico das leguminosas, ricas em lisina e com baixas concentrações de aminoácidos sulfurados. Proteínas de cereais são deficientes em certos aminoácidos essenciais, particularmente lisina.
De acordo com McWatters et al. (2003), o caupi é uma leguminosa rica em amido e proteína, de cujas sementes facilmente se obtém farinha que pode ser misturada com farinha de trigo. Além de ser uma boa fonte de vitaminas do complexo B, o grão de caupi contém substancial quantidade de lisina e, quando misturado com cereais, produz misturas com boa complementação de aminoácidos, além de melhorar a qualidade nutricional da farinha (Araújo et al., 2002).
Pode ser consumido em diferentes formas, vagens verdes e grãos secos. Na forma de massa, é a base de diversos alimentos populares, tais como moinmoin e acarajé, que são preparados, respectivamente, com uso de vapor ou por fritura.
O feijão-caupi é uma das culturas contempladas com pesquisas na área de biofortificação de alimentos. Os feijões biofortificados apresentam alta concentração de ferro, zinco e proteína no grão, foram desenvolvidos para auxiliar na redução da desnutrição e garantir segurança alimentar, principalmente da população carente que tem como base da alimentação o feijão-caupi, e que não consomem alimentos em quantidade suficiente para suprir suas necessidades diárias básicas.
Já foram lançadas três cultivares com teores elevados de ferro e zinco. As cultivares BRS Aracê, BRS Xiquexique e BRS Tumucumaque apresentam, além de alta produtividade de grãos com qualidade comercial, também qualidade nutricional e culinária, com sabor, textura, odor e o tempo de cozimento apreciados pelo consumidor.
Essas três cultivares contêm teores de ferro acima de 60 mg por quilograma e de zinco acima de 40 mg por quilograma, sendo a cultivar BRS Xiquexique a que detém os maiores teores. Essas cultivares representam uma boa opção para os programas sociais de combate à desnutrição em locais com histórico de doenças decorrentes da deficiência de ferro e zinco na dieta.
Características
Como principais características a BRS Xiquexique apresenta um grão liso de cor branca, um porte de planta semiprostrado, com ciclo de 65 a 75 dias (médio-precoce), um teor de proteína de 23%, teor de ferro de 70 mg.kg-1, e de zinco 50 mg.kg-1, tolerante à seca, com tempo de cocção de 22 minutos e uma produtividade de 1.000 a 1.200 kg.ha-1 em sequeiro.
A BRS Aracê possui grãos lisos, cor verde-oliva, com porte de planta semiprostrado, ciclo de 70 a 75 dias (médio-precoce), teor médio de proteína de 25%, teor médio de ferro de 60 mg.kg-1, de zinco de 45 mg.kg-1, tempo de cocção de 18 minutos, produtividade de grãos em regime de sequeiro de 1.100 a 1.800 kg.ha-1 e em regime irrigado de 1.200 a 1.400 kg.ha–1.
Já a BRS Tucumaque também apresenta grão liso de cor branca, com porte de planta semiereto, ciclo de 65 a 75 dias (precoce), teor de proteína de 23%, de ferro de 60 mg.kg-1 e de zinco de 50 mg.kg-1, tempo de cocção de 13 minutos e uma produtividade de 1.100 kg.ha-1 em regime de sequeiro.
Cultivo do feijão-caupi biofortificado
O cultivo do feijão-caupi biofortificado não se distingue muito do feijão-caupi convencional, sendo necessário para a implantação da cultura o preparo do solo, afim de torná-lo mais aerado, para facilitar a infiltração da água e desenvolvimento das raízes.
Esse preparo pode ser manual ou com uso de implementos, o que vai depender do grau de tecnificação do produtor, sempre respeitando o desnível do solo e aplicando técnicas conservacionistas, tais como capina em faixas alternadas para manter o solo coberto e usar cobertura morta com restos culturais.
Outro fator que merece atenção é a calagem, que deve ser realizada antes da adubação, afim de garantir um solo de melhor preparo, o que deve ser feito por orientação técnica, de acordo com a análise do solo.
O plantio pode ser feito em covas ou sulcos de quatro a cinco centímetros de profundidade. O plantio em sulcos deve ter de 50 cm (BRS Tucumaque) a 80 cm (BRS Xiquexique ou BRS Aracê) entre ruas, a depender do porte da planta, com oito a dez sementes por metro de sulco. Se o plantio for em cova, o ideal é que tenha de 50 cm (BRS Tumucumaque) a 80 cm (BRS xiquexique e BRS Aracê) entre ruas, com 25 cm entre covas, colocando em cada cova três sementes.
A adubação deve ser feita de acordo com a análise do solo, sendo fornecida na fundação e na cobertura. Sabendo que o feijão-caupi é mais exigente em fósforo e potássio, recomenda-se também o uso de inoculante na semente cerca de 200 g do inoculante para 50 kg de sementes, no momento do plantio. O inoculante intensifica o processo natural de fixação biológica de nitrogênio.
Os feijões biofortificados podem ser plantados em sequeiro, sendo que os tardios devem ser plantados no início do período chuvoso e os precoces no meio do período chuvoso. Cultivos irrigados possibilitam o plantio fora do período chuvoso, sempre atentando para que as fases de floração e enchimento de vagens não coincidam com altas temperaturas e baixa umidade do ar.
Já em vazante, deve ser feito quando as águas baixarem e a terras não apresentarem mais encharcamento, possibilitando o bom desenvolvimento das plantas.