Autores
Elisamara Caldeira do Nascimento
Talita de Santana Matos
Doutoras em Ciência do Solo
Glaucio da Cruz Genuncio – Doutor e professor – Departamento de Fitotecnia – UFMT – glauciogenuncio@gmail.com
Até recentemente, o solo foi visto e analisado de forma química e física. Contudo, já faz algum tempo que os pesquisadores da Ciência do Solo e os próprios produtores já veem indicando que existe algo a mais além destes dois fatores.
O conceito de saúde ou de qualidade do solo está relacionado à sua capacidade de funcionar para fornecer importantes serviços ambientais, entre os quais: manter a capacidade de produção biológica, como a produção de grãos, carne, madeira, agroenergia, fibras; promover a saúde das pessoas, plantas e animais, considerando solos saudáveis e ambientes saudáveis; e também preservar a qualidade ambiental, incluindo armazenamento e filtragem de água, sequestrando carbono, entre outros.
Neste sentido, é possível ter um solo com baixa qualidade, mas cujas elevadas produtividades estejam relacionadas a entradas de insumos em doses muito acima das recomendadas para solos bem manejados, uma condição que não é sustentável em longo prazo, pois pode resultar em contaminações do ambiente e prejuízos aos agricultores.
Ligação estreita
Pode-se dizer que o funcionamento do solo está ligado aos seus aspectos de química, física e biologia, sendo que o componente biológico interliga os outros dois.
Apesar disso, os aspectos relacionados ao funcionamento biológico constituem a fronteira menos explorada e, portanto, mais desconhecida do solo. Graças a pesquisas desenvolvidas nos últimos 20 anos, dispomos de alguns indicadores microbiológicos ou bioindicadores, que atualmente podem nos auxiliar, destacando-se as avaliações de biomassa microbiana e de atividade enzimática.
A biomassa microbiana do solo, como o próprio nome diz, avalia a massa dos microrganismos no solo e é expressa como mg de C, N, e/ou P nos microrganismos por quilograma de solo. A biomassa é a parte viva e mais ativa da matéria orgânica do solo (MOS), sendo constituída, principalmente, por fungos, bactérias e actinomicetos. Infelizmente, para o Cerrado este indicador não é capaz de demonstrar as melhorias que diferentes sistemas de manejo podem trazer ao solo e ao ambiente de produção como um todo.
Nestes ambientes, as enzimas se mostraram muito mais eficientes. Elas participam como catalizadoras das reações metabólicas intracelulares, que ocorrem nos seres vivos. Além disso, as enzimas extracelulares desempenham papel fundamental, atuando em várias reações que resultam na decomposição de resíduos orgânicos, ciclagem de nutrientes, formação da MOS e da estrutura do solo.
Pesquisas
O potencial das análises de atividade enzimática como indicadores de grande sensibilidade, especialmente β-glicosidase e arilsulfatase, tem sido verificado no Cerrado (Mendes et al., 2003; Green et al., 2007; Peixoto et al., 2010) e no Sul do País (Balota et al., 2004; Lisboa et al., 2012; Mendes et al., 2015a).
Estas pesquisas demostraram que solos biologicamente ativos são mais produtivos e capazes de suportar melhor as situações adversas, principalmente relacionadas a veranicos. Isto é especialmente importante quando avaliamos as variações nos regimes de chuvas que veem ocorrendo nos últimos anos.
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Como era esperado, sistemas conservacionistas de manejo, como o SPD, a integração lavoura-pecuária (ILP) e a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) são os que apresentam maiores atividades biológicas.
Um dos grandes desafios que foi superado para o uso de bioindicadores nas avaliações de qualidade de solo foi a dificuldade para interpretação dos valores individuais desses parâmetros. Era necessário que te obtivesse uma classe de interpretação para que estas análises pudessem entrar nas rotinas de laboratório e fossem interpretadas de forma relativamente fácil.
Inovação
Em 2019, durante o Congresso Brasileiro de Ciência do Solo, realizado em Cuiabá (MT), foi lançada oficialmente a tecnologia de análise e as tabelas desenvolvidas pela Embrapa, em parceria com intuições de pesquisa. Todo conteúdo deste material está descrito na Circular 38, disponível em: https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/infoteca/bitstream/doc/1110832/1/CircTec38IedaMendes.pdf
A coleta de solo pode ser efetuada no fim do período chuvoso, após a colheita das culturas, coincidindo com a amostragem para análise química de solo, quando o solo ainda apresenta alguma umidade, o que facilita a amostragem.
Um aspecto muito importante é que a camada diagnóstica para a bioanálise de solo é a profundidade de 0 cm a 10 cm. A quantidade de pontos de amostragem deve ser representativa do tamanho da área/gleba amostrada.
Para os Latossolos argilosos de Cerrado, solos que ocupam em torno de 40 milhões de hectares da região do Cerrado já existem três tabelas de interpretação. No presente momento, vários estudos já estão em andamento, visando a elaboração de novas tabelas para diferentes regiões do País, diferentes tipos de solo (como os solos arenosos e de textura média) e até mesmo diferentes sistemas de manejo (pastagens e cultivos perenes e semi-perenes).
Atualmente, a Embrapa tem realizado treinamentos e certificação de laboratórios de solos para que, em breve, todos possam ter acesso a estes resultados, de forma confiável e acessível.
Esta ferramenta permitirá que produtor tome algumas decisões, pensando em resultados a médio e longo prazos. O planejamento para diversificação de culturas dentro das áreas de produção, seja no tempo ou no espaço, precisa ser realizado avaliando-se os plantios por, pelo menos, os próximos cinco anos. Isto permitirá ganhos em qualidade biológica do solo, que será também identificado em produtividade e qualidade da produção.
Figura 01: Classes de interpretação de bioindicadores para Latossolos Vermelhos argilosos de cerrado, sob cultivos anuais em plantio direto, na camada de 0 cm a 10 cm, específica para amostras de solo coletadas no período chuvoso (Disponível no Boletim 38, Embrapa).