Autores
Viviane Maria Ruela – Doutoranda em Agricultura Sustentável – Universidade José do Rosário Vellano (Unifenas)
Regina Maria Quintão Lana – Professora de Fertilidade e Nutrição de Plantas – UFU
Mara Lúcia Martins Magela – Doutoranda em Fitotecnia – UFU
Luciana Nunes Gontijo – Doutoranda em Produção Vegetal – UFU
O mês de setembro marca o final da safra de café 2020/21. Segundo dados divulgados pela Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé (Cooxupé), que é a maior do segmento, com sede no Sul de Minas e tendo mais de 11 mil cooperados, foram colhidos 92,54% da safra de café 2020, conforme levantamento divulgado na primeira semana de setembro.
Nesse momento de finalização da safra, o produtor já deve se atentar ao manejo de pós-colheita do café, o qual exige muita atenção, principalmente em alguns pontos, como: controle de broca, podas em lavouras mais velhas ou que necessitam desse manejo devido à alta safra, intempéries climáticas ou o próprio manejo safra zero, bem como as pulverizações com protetivos e o preparo para a adubação.
Época de adubação dos diferentes tipos de fertilizantes
Com a retomada do período chuvoso, o manejo da adubação deve ser muito bem planejado. O ciclo vegetativo e produtivo do cafeeiro começa assim que as primeiras chuvas caem, pois tem-se o aumento das temperaturas e o fornecimento de água para o solo.
Nesse momento que estamos, as plantas estão vindo de um período de repouso e, especificamente neste ano, também sofreram com estresse hídrico. Apesar dos volumes hídricos significativos no início do ano, já são meses sem chuvas, o que pode afetar a próxima safra. Como consequência, os cafeeiros vêm perdendo bastante folhas e, provavelmente, também perderam algumas raízes, principalmente as mais finas e superficiais.
A condução de uma adubação adequada da lavoura de café deve considerar vários fatores, dentre eles a idade e necessidade da cultura, conforme suas características vegetativas e produtivas; bem como a disponibilidade de nutrientes do solo e seu equilíbrio e, então, indicar os adubos apropriados, as doses e modos de aplicação, visando atender às necessidades da cultura.
Manejo
A melhor época para adubação do cafeeiro ainda é bem discutida, e varia de acordo com a fonte, tipo de proteção do fertilizante ou recomendação do fabricante. Para adubos convencionais, a Fundação Procafé recomenda fazer a 1ª adubação de 20 – 30 dias após a florada principal, o que, normalmente, coincide com o início de novembro. Depois, recomendam-se mais dois parcelamentos, sendo um no final de dezembro e o último em meados de fevereiro.
Cafeicultores e técnicos, ao usarem ou recomendarem fertilizantes para o cafezal, tendem a se preocupar mais com a quantidade e se descuidam da fonte, do modo e época de aplicação dos produtos, aspectos estes tão importantes quanto o estabelecimento da dose.
O Brasil é um dos países com maiores destaques mundiais na produção agrícola, entretanto, as taxas de aproveitamento dos nutrientes pelas plantas ainda são muito baixas devido à predominância de solos com características como argilominerais 1:1, ou óxido; alta acidez e baixo teor de matéria orgânica, o que torna a produção agrícola muito dependente de fertilização.
Gargalos
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Uma das maiores limitações da fertilidade em regiões tropicais é a baixa disponibilidade natural de nutrientes, como fósforo (P), potássio (K) e nitrogênio (N).
O fósforo apresenta forte interação com a argila, ferro, alumínio e também com o cálcio, resultando em alta fixação do P nas cargas do solo e formação de compostos indisponíveis. Como resultado dessas condições, as taxas de aproveitamento do fósforo nas lavouras tendem a ser muito baixas, atingindo fator de aproveitamento de aproximadamente 20 a 35%.
O P é um macronutriente primário que exerce função na estrutura do cafeeiro, sendo componente de ácidos nucleicos (DNA, RNA); fosfolipídeos, coenzimas e ésteres de carboidratos.
Também tem função de armazenamento e transferência de energia ATP; respiração e crescimento celular. É essencial para a formação das sementes e transferência de códigos genéticos; ajuda as raízes e as plântulas a se desenvolverem mais rapidamente; aumenta a resistência ao frio; melhora a eficiência no uso da água; favorece a resistência às doenças; acelera a maturidade e é importante para a colheita e a qualidade da cultura.
O potássio tem sua disponibilidade dependente das formas e quantidades de K presentes no solo. A passagem do K da forma trocável para a forma solúvel pode ser rápida, dependendo da dose de adubação potássica aplicada, o que pode acarretar em altas perdas por lixiviação.
O potássio tem função fundamental na ativação de vários sistemas enzimáticos (mais de 60 sistemas), muito deles participantes dos processos de fotossíntese e respiração. Atua na síntese de proteínas e de carboidratos, aumentando assim o teor de sólidos solúveis totais, definindo o sabor do produto final.
Quanto ao nitrogênio, o manejo e recomendação apresentam alta complexidade em virtude da multiplicidade de reações químicas e biológicas a que está sujeito e de sua grande dependência das condições edafoclimáticas para absorção pela planta (Cantarella e Duarte, 2004).
Apenas uma parte do N mineral aplicado é absorvido pelas plantas. O restante é perdido do sistema solo-planta-atmosfera por processos de lixiviação, volatilização, erosão e desnitrificação, tendo ainda uma fração que permanece no solo na forma orgânica (Vargas, 2010).
Eficiência
Devido à complexidade das transformações do nitrogênio no solo, pode ocorrer a falta deste nutriente para as plantas, mesmo com a sua aplicação. Dessa forma, o fornecimento do N via fertilizantes minerais proporciona eficiência de aproveitamento em torno de 50%, sendo o restante perdido por volatilização da amônia (NH3); lixiviação de nitrato (NO3-) e imobilizado temporariamente na biomassa microbiana do solo (Bayer; Fontoura, 2006). Estas perdas implicam em maior custo com fertilizantes e mão de obra (Rogeri, 2010).
A dependência de importação
Segundo Reis (2019), a demanda por fertilizantes é dependente das condições climáticas (como longos períodos de estiagem e chuvas concentradas), das caraterísticas químicas, físicas e biológicas do solo e do manejo e tecnologia do produtor. Observa-se no gráfico (Figura 1) que há um crescente aumento na importação de fertilizantes desde 2011.
Figura 1. Comercialização de fertilizantes fosfatados, potássicos e nitrogenados.
Fonte: Reis (2019). Disponível em: https://brasilminingsite.com.br/wp-content/uploads/2019/04/Artigo-Fertilizantes-fosfatados.pdf
Segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias de Tecnologia em Nutrição Vegetal (Abisolo), a produção de fertilizantes no Brasil não chega a 30% da necessidade em fertilizantes nitrogenados. O País importou, em 2018, mais de nove milhões de toneladas desse tipo específico de fertilizante (Figura 2).
Figura 2. Evolução da participação das importações brasileiras dos tipos de fertilizantes nitrogenados (2008-2018).
Tendo em vista as grandes perdas dos fertilizantes, a proteção das fontes se torna uma alternativa interessante para uma maior eficiência da fertilização. A Associação Americana de Agentes para o Controle de Nutrientes de Plantas (AAPFCO) define como “Fertilizantes Estabilizados” aqueles que contêm aditivos para aumentar o tempo de disponibilidade no solo, como inibidores de nitrificação, inibidores de urease ou outros aditivos (Cantarella, 2007).
No Brasil, as nomenclaturas mais comuns dadas aos fertilizantes protegidos são: fertilizantes de liberação lenta, gradativa e controlada. A utilização de fertilizantes estabilizados ou protegidos, seja com adição de polímeros; inibidores da atividade da enzima urease e/ou da nitrificação do amônio, ou até mesmo matéria orgânica à ureia, pode elevar a eficiência da adubação, promovendo maiores produtividades para a cultura do cafeeiro.
Problema x solução
Para o cultivo do cafeeiro no Brasil é imprescindível buscar por respostas que ajudem a promover maior aproveitamento dos fertilizantes utilizados. A indústria de fertilizantes enfrenta um desafio permanente para aumentar sua eficiência trabalhando na melhoria de fertilizantes já em uso ou por meio do desenvolvimento de novos tipos de adubos específicos, como por exemplo, fertilizantes especiais que apresentam em sua composição matéria orgânica (Trenkel et al.., 1988).
Diante desse contexto, visando diminuir a dependência da importação e também dar adequada destinação a resíduos orgânicos, agroindustriais e industriais, o organomineral tem se tornado uma excelente fonte para adubação dos solos.
O fertilizante organomineral é definido pela legislação brasileira como um produto resultante da mistura física ou combinação de fertilizantes orgânicos e minerais, com parâmetros mínimos para: carbono orgânico, umidade, CTC e soma de NPK. Essa combinação mineral e matéria orgânica proporciona uma rápida disponibilidade dos nutrientes dos fertilizantes minerais e uma disponibilidade gradual pelo uso da matéria orgânica, trazendo inúmeros benefícios às propriedades químicas, físicas e biológicas do solo.
Guimarães e Reis (2010) observaram que ao adicionar matéria orgânica a diversas doses de NPK, mesmo em condições desbalanceadas, atingiu incremento de produção, o que não ocorreu na ausência de uma fonte orgânica. Os autores mencionam que a matéria orgânica é muito efetiva na falta de equilíbrio do sistema produtivo, o que é muito comum na cafeicultura atual.
É possível que fontes orgânicas forneçam nutrientes à cultura de forma mais lenta, embora contínua, em comparação a fontes minerais exclusivas (Sarma, 2017). Além disso, as características de promoção de crescimento vegetal devido à matéria orgânica são de grande relevância para o aumento da produtividade e qualidade do café (Zandonadi et al., 2013, 2014).
Pesquisas
As pesquisas com os fertilizantes organominerais têm sido cada vez mais frequentes e com resultados muito positivos para a cultura do café. Segundo Matiello et al. (2016), a aplicação de adubos organominerais minimiza as perdas de nutrientes do solo: pela lixiviação (nitrato e potássio); pela volatilização (ureia); pela fixação e erosão (fósforo). Essas reduções nas perdas de NPK justificam o aumento da eficiência de aproveitamento dos fertilizantes organominerais e, consequentemente, maximizam a renda do cafeicultor.
Em trabalho conduzido por Acra, em 2015, a aplicação de fertilizante organomineral em uma lavoura de café, cultivar Catuaí Vermelho, com sete anos de idade, aumentou os teores de P no solo aos 90 dias após a aplicação, sendo que a quantidade deste nutriente cresceu linearmente à medida que se aumentou as doses do fertilizante.
Em pesquisa sobre o uso de fertilizante organomineral em Coffea arabica cultivar “Catuaí Amarelo IAC-62”, Sandy e Queiroz (2018) observaram incremento de 9.17 sacas ha-1 quando aplicado fertilizante organomineral (33% + NKS) em relação à dose 100% da recomendação com fertilizante exclusivamente mineral. Esse resultado confirma o maior aproveitamento de absorção dos nutrientes quando se tem a matéria orgânica junto aos fertilizantes minerais.
Mais produtividade
O aumento de produtividade no cafeeiro com organominerais se deve tanto à melhoria nas propriedades químicas, físicas e biológicas do solo, quanto à ação fisiológica positiva sobre as plantas. Segundo Ruela (2019), as plantas sob efeito da adubação organomineral apresentaram maior taxa de assimilação de CO2, queda na condutância estomática, bem como diminuição do carbono interno, da transpiração e maior eficiência do uso da água (Figura 3).
Figura 3. (A) Taxa de assimilação de CO2 (A µmol CO2 m-2s-1), (B) condutância estomática (g molm-2s-1), (C) carbono interno (Ci mol mol-1), (D) transpiração (E mol vapor d’água m-2s-1), (E) eficiência do uso da água (EUA- A/E µmol H2O) em folhas de mudas de café Catucaí 24/137 amarelo desenvolvidas em viveiro sob diferentes adubações. Machado (MG) 2019.
Foi possível observar, nessa pesquisa, que as plantas sob efeito da adubação organomineral apresentaram maior taxa de assimilação de CO2, o que representa uma maior fotossíntese líquida, queda na condutância estomática.
Isso resultou em uma menor transpiração, sendo assim uma economia de energia pelas plantas, que provavelmente irá refletir em desenvolvimento vegetativo e produtividade, bem como diminuição do carbono interno, pois estava sendo utilizado para maior fotossíntese, tudo isso com uma maior eficiência do uso da água. Essas plantas possivelmente têm maior resistência a períodos de estresse hídrico do que as plantas submetidas ao tratamento controle, ou até mesmo as adubadas com fertilizante mineral.
Ação x reação
Esses benefícios fisiológicos provavelmente são em função da influência positiva das substâncias húmicas (presentes na matriz orgânica do fertilizante organomineral) sobre o metabolismo das plantas, como no transporte de íons facilitando absorção; aumento da respiração e da velocidade das reações enzimáticas do ciclo de Krebs, resultando em maior produção de ATP e aumento do conteúdo de clorofila; aumento na velocidade e síntese de ácidos nucleicos (Façanha et a., 2002).
Além disso, a aplicação de fontes que contêm substâncias húmicas influencia nos processos de formação de proteínas, com aumento da síntese das enzimas invertase e peroxidase, formação de raízes laterais finas (radicelas) e, consequentemente, na absorção de nutrientes (Caron et al., 2015).
A escolha do tipo de fertilizante é de grande importância para manter a saúde do solo e, consequentemente, aumento da produtividade, longevidade, redução dos efeitos da bienalidade e qualidade da bebida do café. Portanto, tecnologias que promovam a proteção dos fertilizantes, como os fertilizantes organominerais, vêm ganhando cada vez mais espaço no manejo da adubação do cafeeiro.