Laís Naiara Honorato Monteiro – Engenheira agrônoma, doutora em Agronomia/Horticultura (UNESP Botucatu) e professora- Centro Universitário de Votuporanga (UNIFEV) – laismonteiiro@gmail.com
Mariane Aparecida Bárbara – Engenheira agrônoma, mestra em Agricultura Tropical e Subtropical (Instituto agronômico de campinas – iac) e professora – UNIFEV – marianebarbara@hotmail.com.br
Daiane Cristina Pereira – Graduanda em Engenharia Agronômica – UNIFEV – daiacrisst@gmail.com
Às vezes nos perguntamos de onde vem o produto agrícola que está na gôndola da quitanda ou do supermercado. Isso pode ser respondido por meio da rastreabilidade, definida como o processo de acompanhamento do produto, abrangendo desde a sua origem até a chegada ao consumidor final, ou seja, é o fornecimento de informações sobre os alimentos comercializados.
Nos últimos anos, tem-se observado maior interesse por parte dos consumidores em conhecer a origem do alimento que está sendo oferecido, principalmente relacionado aos aspectos ambientais, uma vez que a legislação estabelece algumas exigências quanto à preservação do meio ambiente e o respeito à segurança alimentar.
Vantagens
A rastreabilidade permite uma série de informações que incluem dados de produção, logística e do próprio mercado dos produtos, sejam eles de origem animal ou vegetal. Usada como uma ferramenta, o processo de rastrear os alimentos exige o monitoramento do produto em linha histórica por meio de registros dos seus movimentos produtivos, acompanhando seu cultivo e percorrendo também as etapas de beneficiamento e comercialização.
No caso de indústrias, por meio da automação e avanços tecnológicos, é possível avaliar e compilar em tempo real todo o processo envolvendo desde a matéria-prima bruta até sua transformação final, com registros de lotes de produção, contendo também seu código de barras, Quick Response Code (QR Code), ou chip de rastreamento, por exemplo. Essas ferramentas permitem a identificação do produto para o seu melhor controle, manuseio e rastreio.
Dessa maneira, o consumidor pode adquirir seu alimento de forma consciente, pois haverá informações sobre como foi produzido, se seguiu ou não todas as normas ambientais no seu sistema produtivo.
Confiança
Para fins de confiabilidade, a rastreabilidade é garantida por lei pela Instrução Normativa Conjunta – INC Nº 2, de 7 de fevereiro de 2018, a qual define como será realizado o rastreio e comercialização dos produtos vegetais frescos ou minimamente processados.
Segundo o Art. 8º desta norma, os produtores agrícolas e as unidades de consolidação (por exemplo, as cooperativas), devem registrar todos os insumos agrícolas que foram utilizados no processo produtivo, data da utilização, sua recomendação técnica devidamente documentada pelo profissional competente, além do lote ou lote consolidado equivalente. A norma sofreu atualização em agosto de 2020, e está disponível para consulta no site do Governo Federal.
Importância da rastreabilidade
Cada vez mais exigente, o consumidor final busca transparência, qualidade e informações detalhadas do produto que está adquirindo. Para tanto, os alimentos produzidos, ao atender as especificações solicitadas, geram fidelização, visto que o consumidor se sente seguro e satisfeito no momento da aquisição.
O acompanhamento dos produtos durante seu processo produtivo é de suma importância, não só por proporcionar garantia de qualidade e de confiabilidade ao consumidor, mas também para controle do sistema geral. É comum decorrerem falhas durante o processo produtivo e logístico, sendo que, por meio do monitoramento, é possível reduzir perdas e desperdícios, uma vez que se identificarão as incorreções de forma mais eficaz, refletindo em ganhos de produtividade, além da economia de recursos e diminuição no impacto ambiental.
O cultivo de hortaliças tem sido um bom exemplo de situação onde a rastreabilidade é requerida para assegurar o consumidor, principalmente quando se considera os alimentos orgânicos.
Com o chamado caderno de campo, é possível identificar quais e quem realizou cada atividade, além de comprovar a autenticidade da informação que está inserida no rótulo, garantindo tanto a isenção no uso de defensivos agrícolas quanto a preservação do meio ambiente pela não utilização destes.
Bom para toda a cadeia
Segundo dados do Cepea (Centro de pesquisas econômicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), por meio da ferramenta da rastreabilidade há vantagens econômicas e ambientais para toda a cadeia produtiva.
Sabe-se que está cada vez mais difícil se destacar no mercado, pois a competitividade está elevando o padrão dos consumidores, fazendo com que a inovação e criatividade sejam aspectos fundamentais nesse contexto.
Um produtor que almeja obter sucesso deve planejar e ter boas estratégias em suas ações para se manter mais atuante e competitivo. Por isso, perante o mercado, a rastreabilidade tem se tornado um diferencial e grande aliada, pois garante um negócio mais controlado, além de trazer credibilidade para a imagem da propriedade/produtor rural.
Essa confiança é voltada também ao próprio produtor, uma vez que o rastreamento pode impedir falsificações e contrabandos dos produtos. É importante salientar que a rastreabilidade não assegura ausência de fraudes, entretanto, auxilia órgãos governamentais e consumidores a fiscalizarem, além de permitir que se adquiram produtos de melhor qualidade, originais e regulamentados.
Aliado a isso, o rastreio de um produto possibilita reconhecer problemas que o produtor enfrenta diariamente no sistema produtivo, como atrasos na entrega e perdas de mercadorias. Compreender o caminho percorrido pelo produto, como o período que levou em cada etapa, pode facilitar a identificação de possíveis erros e soluções para entraves.
Ao passo que, se supostamente o cronograma de operação estiver sendo devidamente executado, a rastreabilidade propicia ao produtor maior controle e, consequentemente, maior percepção de seu negócio, o que o auxilia em decisões que visem o incremento na qualidade do seu produto.
Certificação como diferencial
É comum, em todo o mundo, a ocorrência de doenças que são transmitidas por alimentos (DTA). Nesse contexto, o rastreio de frutas e hortaliças tem se destacado com a criação da GlobalGAP, que nada mais é do que a certificação desses produtos envolvendo boas práticas agrícolas.
Esse recurso tem sido exigido por diversos varejistas europeus, sendo que aqui no Brasil, grandes produtores também estão demandando hortifrutícolas que possuam o selo GlobalGAP ou que sejam rastreados para assegurar a qualidade e origem desses produtos.
Apesar do avanço em relação à importância da segurança alimentar para o setor produtivo e para os consumidores, há pontos que necessitam ser ajustados entre produtores, centrais de abastecimento e grandes varejos, pois para quem investe na rastreabilidade, não há retorno financeiro a curto prazo.
Observando a rastreabilidade pela ótica da tecnologia, é possível notar que atualmente o consumidor final consegue ser ouvido, e assim expor suas sugestões e exigências acerca dos produtos. As pessoas buscam comprar algo com o que realmente se identificam, e com a rastreabilidade, os produtos alimentícios se aproximaram do consumidor.
Hoje, por exemplo, é possível que o produtor e/ou indústria receba um feedback do consumidor final sem que este necessariamente precise seguir numerosas fases burocráticas para fazer uma simples sugestão e/ou reclamação.
Além disso, ferramentas como a internet possibilitaram que os atuais consumidores realizem pesquisas online para garantir melhores custo-benefício e ofertas de um determinado produto. Se o produtor e a indústria não estiverem alinhados com essa nova realidade, podem ficar desatualizados e enfraquecidos, uma vez que o perfil dos consumidores atuais não é mais de pessoas totalmente fiéis a marcas, por exemplo.
Além disso, a rastreabilidade pode auxiliar o consumidor a saber quem produziu e, consequentemente, se a origem dos produtos é realmente a que está sendo descrita, e a data e local onde a produção foi realizada.
Desta forma, ferramentas como o código de barras e o QR Code não são importantes apenas para controle de estoques, desvios de produtos e etc., mas tornaram-se recursos que auxiliam na obtenção de informações por parte dos consumidores.
Os primeiros passos
Permitindo a comunicação entre os elos, a rastreabilidade auxilia a cadeia produtiva de alimentos a se relacionar, desde o cultivo no campo até a chegada à mesa do consumidor. O rastreio dos produtos pode ser classificado em fechado, semiaberto ou aberto, quando em relação ao nível de compartilhamento dos dados, ou ainda completo ou parcial, em referência à amplitude das informações, que pode envolver todo ou apenas parte do processo produtivo.
A embalagem do produto pode apresentar uma etiqueta ou mesmo na própria embalagem impressa, a descrição das informações do produto, o código de rastreio no qual o consumidor pode ter acesso às informações de rastreabilidade do produto desde sua origem.
As informações de um produto podem ser fornecidas de diversas formas, sendo que cada produtor e/ou indústria pode optar pela melhor alternativa que atenda adequadamente seu produto. O compartilhamento de dados por meio de rótulo é o método mais simples, uma vez que não exige tecnologia avançada e/ou grandes investimentos, entretanto, deve-se considerar que essa modalidade concede baixo volume de dados, além de poder ser adulterado com maior facilidade.
Outra possibilidade é a aplicação de código de barras linear, o qual permite inserção de mais informações e apresenta pouco risco de ser manipulado, sendo que a origem do produto pode ser visualizada por meio de um scanner.
Além desses meios, existe ainda a RFID (identificação por radiofrequência) e o código de barras bidimensional (Quick Response Code – QR Code). No caso deste último, é uma opção mais cara e o rastreio se dá por meio de uma imagem em duas dimensões (2D), a qual pode ser codificada por um celular ou câmera digital.
Atualmente, há aplicativos que direcionam para os dados ou link da internet. Já na RFID, uma alternativa mais recente e ainda pouco utilizada, o rastreio é realizado por antenas e leitores que transmitem e codificam os dados.
Funcionalidade
Para o funcionamento do sistema de rastreabilidade, antes do plantio cada produto recebe um código que deve ser adicionado aos dados do produtor e da propriedade, incluindo a variedade ou cultivar produzida, a área plantada e a data do plantio.
Esse código é mantido no decorrer da cadeia de produção, sendo que todas as atividades agrícolas realizadas durante a produção deverão ser inseridas nesse código, por exemplo, a utilização de insumos agrícolas para fins de fertilidade e de controle fitossanitário.
Aliado a isso, por meio da rastreabilidade há maior controle das aplicações de defensivos agrícolas, uma vez que o produtor deve inserir no código de rastreio todos os produtos utilizados, sejam eles fungicidas, herbicidas ou inseticidas, além do número e do intervalo de aplicações e a dosagem adotadas. Isso é indispensável para garantir que os produtos escolhidos serão aqueles registrados para o uso adequado da dose em determinada cultura.
Tudo anotado
Para implementar a rastreabilidade em um produto, é necessário coletar todos os dados sobre a produção do alimento. Já no campo deve-se iniciar o processo de monitoramento, onde o produtor precisar manter um documento de registro chamado de caderno de campo, o qual pode ser físico ou digital.
O caderno de campo contém as informações de controle fitossanitário, desde o preparo de solo (quando podem ser aplicados inseticidas ou nematicidas antes do plantio), o plantio (fertilizantes utilizados, uso de sementes peletizadas e/ou sementes com tecnologia Bacillus thuringiensis, mudas com algum tratamento especifico, entre outros), os tratos culturais (fertilizantes, fungicidas, herbicidas e inseticidas), até os cuidados pós-colheita do produto.
Além disso, o caderno de campo deve conter dados de quantidades, data de aplicação, talhões ou glebas onde foram aplicados, origem dos insumos e informações técnicas.
Além disso, o caderno de campo é um acesso fácil às práticas de cultivo, possibilitando encontrar informações mais rápidas e precisas. Dessa forma, é aconselhável que o produtor arquive todos os documentos comprobatórios de forma organizada, inclusive as notas fiscais de compra e receituário agronômico dos insumos usados no processo produtivo, para possíveis situações de fiscalização ou auditoria, ou até mesmo apresentar ao consumidor como forma de credibilidade.
Devido ao grande volume de papéis que devem ser guardados, muitos produtores estão substituindo os cadernos de campo impressos por cadernos de campo digitais, a fim de otimizarem um processo tão importante quanto o da cadeia produtiva.
Além da maior segurança para manter os dados, o produtor ainda pode contar com outras vantagens ao optar pelo caderno de campo digital, como realizar observações referenciadas por GPS, acompanhar o desenvolvimento das atividades, o que permite ter estratégias para a produção.
Há maior benefício na negociação entre produtor e comprador quando se utiliza caderno de campo digital, uma vez que desde o momento de colheita do produto, a indústria e/ou cooperativas já têm acesso a todos os dados do cultivo.
Ajudinha da tecnologia
Atualmente, é possível encontrar disponível no mercado, por meio de empresas privadas, uma gama de aplicativos que auxiliam o produtor no registro do caderno de campo de forma digital, onde permite-se registrar maior volume de informações e obter elevado controle na produção. Com o código de rastreio gerado, o consumidor também rastreia ainda mais dados sobre o produto.
Com a utilização da tecnologia, estudos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações indicam que até 2025, a expectativa é de aumentar 25% a produção e reduzir 20% o uso de insumos, o que pode gerar movimentação no agronegócio entre US$ 5 bilhões e US$ 21 bilhões.
A rastreabilidade permite agregação de valor ao produto, além de ganhos de competitividade no mercado e alcance de maior volume de consumidores, por estar em conformidade com as normas vigentes.