Igor Barbosa da Cruz
Engenheiro agrônomo e Mestrando em Produção Vegetal – Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF)
Carla Roberta Ferraz Carvalho Bila
Licenciada em Biologia e doutoranda em Produção Vegetal – UENF
Cláudia Lopes Prins
Engenheira agrônoma, doutora em Produção Vegetal e professora de Olericultura – UENF
prins@uenf.br
A alface é a principal hortaliça produzida no Brasil, seguida pelo repolho e a couve. São 108.382 estabelecimentos agrícolas, com 670.585 produtores e uma área total de 86.856 ha, onde são produzidas 575.529 ton/ha de alface (Censo Agropecuário-IBGE,2017).
Por ser um produto muito perecível, seu cultivo ocorre no entorno dos centros de comercialização, formando os chamados “cinturões verdes”. Os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais são os principais produtores de alface, cujo mercado movimenta um montante de R$ 8 bilhões, considerando-se apenas o varejo (Levantamento do Cenário Hortifruti, 2018).
A alface é uma planta que se caracteriza pelo plantio anual e de crescimento herbáceo, com caule pequeno e folhas que crescem em forma de roseta, apresentando folhas lisas ou crespas, nas tonalidades verde e roxa, ou uma mescla das duas cores.
É uma planta que apresenta fácil manuseio, utilização diversificada e preço acessível, tornando-a a folhosa mais produzida e consumida no Brasil. O desenvolvimento de novas variedades buscando cores diferentes, texturas, tamanhos, formatos de cabeça e sabor segue a demanda do consumidor na busca por qualidade e novos usos num mercado altamente exigente e em constante transformação.
Limitações
Por ser uma espécie que exige clima ameno, seu cultivo apresenta limitações sob temperaturas elevadas. A germinação é inibida sob temperaturas superiores a 30°C. Para o desenvolvimento da alface, a temperatura média ideal é de 20°C.
A cultura apresenta duas fases: 1) vegetativa, com duração de 60 a 90 dias após a semeadura, ao fim da qual é realizada a colheita para a comercialização. Esta fase é favorecida por dias curtos e temperaturas amenas ou baixas; 2) reprodutiva, quando ocorre alongamento da haste floral, emissão de inflorescências e produção de sementes.
A transição para a fase reprodutiva é favorecida por temperaturas médias de 25ºC, com variações dependentes de cultivares. O início da fase reprodutiva independe da idade da planta, ou seja, aquelas que ainda não atingiram o completo desenvolvimento vegetativo podem responder aos estímulos ambientais com o início do processo de pendoamento.
Pendoamento
O pendoamento é um processo natural da alface e caracteriza-se por alterações morfológicas e metabólicas como, por exemplo, alongamento caulinar, redução do número de folhas e produção de substâncias amargas com aspecto leitoso.
Em cultivares que produzem “cabeça” pode haver descaracterização e deformação desta, o que resulta em baixa qualidade e perda do produto agrícola. No cultivo comercial de alface para consumo esse processo é indesejável, pois acaba por afetar significativamente a qualidade do produto, como alterações do formato das folhas e organolépticas (acentuado sabor amargo decorrente da presença de lactonas sesquiterpênicas).
A lactucina é a principal lactona sesquiterpênica presente na família Asteraceae, que associada a outros compostos derivados do metabolismo secundário são os responsáveis por promover amargor à alface, característica indesejável, pois prejudica o sabor e deprecia a qualidade do produto.
A lactucina é encontrada principalmente no caule, mas também no limbo foliar. Esse composto e seus derivados têm como função proteger a planta do ataque microbiano e de insetos, causando toxidez nos organismos invasores. Às lactonas sesquiterpênicas são associados efeitos medicinais como, por exemplo, sedativo.
O caminho
A regulação do pendoamento ainda não é completamente compreendida. Estudos têm revelado alterações no metabolismo do carbono e dos níveis hormonais (Hao et al., 2018). Enzimas e proteínas associadas ao metabolismo de sacarose e amido apresentam atividade elevada nesse período.
O acúmulo de amido e açúcares solúveis inibe o crescimento vegetativo e induz à fase reprodutiva. Em condições de temperatura elevada, foi observado aumento da concentração de giberelinas e, além disso, aplicações desse hormônio induzem o pendoamento, evidenciando sua ação no processo.
Outro hormônio associado ao pendoamento é a auxina (Liu et al., 2018), que também apresenta maior concentração no caule em função da temperatura. Os pesquisadores acreditam que temperaturas elevadas afetam a fosforilação de importantes proteínas associadas à regulação hormonal (Qin et al., 2020).
Calor como entrave
A tolerância ao pendoamento pode estar relacionada à expressão de proteínas de choque por calor que, quando associadas ao cálcio podem levar à proteção de membranas celulares e outras estruturas, reduzindo o estresse (Wang et al., 2021).
Um pequeno período de exposição ao calor já pode induzir o pendoamento. Segundo Hao et al. (2021), oito dias sob 33ºC foi suficiente para induzir pendoamento em alface e já aos quatro dias de exposição alterações do metabolismo de açúcares já eram perceptíveis.
O pendoamento é, portanto, um processo natural do ciclo de vida da alface. O problema surge quando este ocorre de forma precoce, sendo indesejável para o produtor e para o consumidor, uma vez que há perda considerável da qualidade, sabor e estrutura desejável.
No entanto, existem diversas alternativas que, quando aplicadas corretamente e com planejamento prévio, proporcionam condições mais satisfatórias de cultivo, evitando ou retardando o pendoamento.
Alternativas
O planejamento quanto à época de plantio é essencial, pois a alface é uma hortaliça classificada como de clima ameno quanto às exigências termoclimáticas. O período mais adequado para plantio em regiões tropicais é ao final do verão/ início do outono, propiciando o desenvolvimento no outono ou inverno, períodos em que as condições ideais de luminosidade e temperatura para a planta estão presentes naturalmente no ambiente.
Uma alternativa também muito comum é a criação de um microclima que seja favorável ao crescimento e desenvolvimento da cultura. Isso é possível através do emprego do cultivo em ambiente protegido.
Neste sistema, podem ser utilizadas telas de sombreamento, que pela redução da incidência de radiação sobre as plantas, levam à redução da temperatura. O correto dimensionamento da estrutura de cultivo protegido, adequando-se ao local, é importante.
Estruturas fechadas (estufas) utilizam telas laterais, que diminuem a incidência de insetos-pragas sobre a cultura, mas também podem reter calor pela falta de circulação de ar.