Pesquisa desenvolvida na Embrapa gerou um insumo proveniente do bagaço da uva com alto teor de compostos funcionais que poderá ser utilizado em forma aquosa ou em pó pelas indústrias alimentÃcia, farmacêutica e cosmética. “Os extratos concentrados obtidos a partir dos bagaços de uva apresentaram atividade antioxidante 50% maior que a polpa do açaí”, conta a pesquisadora Ana Paula Gil Cruz, que integrou a equipe do projeto como bolsista de doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A sua tese, que investigou a transformação de resíduos da uva em alimentos funcionais, ganhou o Prêmio Arikerne Sucupira como melhor trabalho de pós-graduação no 4º Encontro da Escola Brasileira de Química Verde.
Desenvolvido no âmbito de um projeto de pesquisa da Embrapa em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a pesquisa obteve produtos de alto valor nutricional e funcional como barras de cereais e bebidas pró-bióticas, a partir de bagaço de uva, um coproduto geralmente descartado pela indústria. O aproveitamento, além de agregar valor, reduz o passivo ambiental e colabora para a sustentabilidade das cadeias produtivas do agronegócio. O projeto teve como foco as indústrias de suco de uva e vinho do Rio de Grande do Sul e contou com a parceria da Embrapa Uva e Vinho (Bento Gonçalves, RS).
Estima-se que o bagaço corresponda a 16% da uva processada, o que equivale à geração de 210 mil toneladas por ano. O descarte dessa montanha de resíduos gera um enorme passivo ambiental. Em 2013, a safra brasileira de uva foi de aproximadamente 1,3 milhão de toneladas, das quais 836 mil foram destinadas ao processamento, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
O bagaço da uva possui uma rica composição nutricional e funcional, favorecendo sua utilização como ingrediente de novos produtos de interesse industrial. “Avaliamos a capacidade antioxidante e a concentração de polifenóis das cascas de diferentes variedades de uvas para geração de um extrato rico em compostos bioativos de grande interesse comercial. Desenvolvemos também produtos pró-bióticos de leite fermentado e suco de uva, a partir dos resíduos gerados pela produção de vinhos e sucos,” conta a líder do projeto, Lourdes Cabral. A pesquisadora, que é chefe-geral da Embrapa Agroindústria de Alimentos (Rio de Janeiro, RJ), disse que a equipe também testou um novo processo para a extração do óleo de sementes de uva.
A partir dos resíduos da fruta, as pesquisadoras avaliaram principalmente o potencial de aplicação do extrato e do resíduo sólido da prensagem do bagaço de uva como ingrediente para fabricação de bebidas funcionais. Associar bactérias pró-bióticas ao suco de uva ou ao leite fermentado de cabra gerou produtos com características diferenciadas voltadas à nutrição e saúde. “Aliamos os benefícios do leite de cabra, como baixo teor de gordura, elevada capacidade de digestão e menor potencial alergênico, à adição de compostos bioativos (polifenóis) derivados dos resíduos da uva. A bebida pró-biótica de leite de cabra adicionada ao extrato de uva possui cor e sabor aprovados em testes sensoriais, sendo altamente indicada para crianças e idosos”, explica a pesquisadora Karina Olbrich dos Santos, à época na equipe da Embrapa Caprinos e Ovinos (Sobral, CE) e agora na Embrapa Agroindústria de Alimentos.
O bagaço de uva também pode ser transformado em barrinhas de cereais, como apontou o trabalho da pesquisadora Renata Tonon; ou gerar um extrato rico em fibras solúveis para a indústria alimentÃcia, segundo pesquisa em andamento, sob coordenação da pesquisadora Caroline Mellinger, ambas da Embrapa Agroindústria de Alimentos.
Agente anticorrosivo
Outra aplicação testada e aprovada é o uso de extrato de uva como agente inibidor de corrosão pela indústria metalúrgica, devido à sua alta capacidade antioxidante. Os resultados foram gerados pela equipe do professor José Ponciano, da área de Engenharia Metalúrgica e de Materiais, da Coordenação de Programas de Pós-Graduação de Engenharia (Coppe) da UFRJ.
O bagaço contém outro coproduto de alto valor agregado: a semente, que gera óleo vegetal. Por essa razão, o projeto também definiu condições para a extração do óleo de sementes de uva, a partir de resíduos do processamento por processo físico, ou seja, não utilizando solventes químicos derivados do petróleo. Os óleos obtidos a partir de resíduos da agroindústria apresentam, em geral, elevados Ãndices de acidez verificados durante o processamento pós-colheita do fruto.
A pesquisa coordenada pela professora Suely Freitas da Escola de Química da UFRJ, identificou que a tecnologia de prensagem combinada com processos enzimáticos é uma alternativa para substituir o processo convencional, mantendo a eficiência de extração e a qualidade do produto final. “O refino tradicional pelo método da neutralização, além dos impactos ambientais, causa uma perda considerável de óleo neutro devido à formação de emulsão. O processo físico é uma alternativa sustentável para superar essas dificuldades”, ressalta a pesquisadora Lourdes Cabral.