A produção brasileira de batata seguiu com resultados variando entre regiões produtoras, épocas e tecnologias de produção, levando a extremos positivos e negativos. Como a situação de pandemia mundial afetou toda a ordem econômica mundial, a bataticultura brasileira não passou incólume a este evento, que ainda persiste sem uma perspectiva de curto prazo.
Acima de tudo, deve-se louvar o setor produtivo agrícola do Brasil e, neste caso, o setor de HF, dentre os quais a batata que, mesmo enfrentando situações operacionais tão desafiadoras, produziu e abasteceu a demanda de alimentos para o dia a dia da população brasileira.
Houve uma mudança significativa nos hábitos de consumo devido às limitações impostas pela pandemia que levaram a uma grande crise nos setores de serviços, restaurantes, hotéis e outros similares. Por outro lado, o confinamento praticado por determinado tempo, como política pública de defesa e por iniciativa pessoal, promoveu, nesta mudança, o crescimento da alimentação nos lares. A demanda de HF por restaurantes foi drasticamente reduzida, enquanto no consumo familiar aumentou quase que de forma proporcional.
Os produtores enfrentaram dificuldades em suas atividades produtivas ligadas à a parte de gestão de mão de obra, os riscos e cuidados necessários para proteger a saúde de seus colaboradores em uma área que usa muita mão de obra. Poucos consumidores têm percepção do sistema operacional de uma lavadora de batatas em turnos contínuos com 50 ou 100 pessoas trabalhando simultaneamente em espaço que não permite um distanciamento tão recomendado.
Isso reflete o quanto a produção de batatas no Brasil ainda é dependente de mão de obra, e não de máquinas. Além disto, o produtor enfrentou atrasos em entregas de insumos, peças de reposição de seus equipamentos e dificuldade de fretes. E, corretamente, foi de certa forma compensado por isto, obtendo bons preços ocasionados pela alta demanda, ligeira redução de plantio e do rendimento decorrente das condições climáticas em algumas épocas e regiões.
O resultado econômico só não foi mais expressivo devido à alta cotação do dólar frente ao real, uma vez que uma grande parte dos custos de produção, fertilizantes e agroquímicos têm preços ajustados em relação a esta moeda.
2020 x 2021
Se considerarmos a situação da bataticultura no Brasil em 2020 comparada ao cenário de países europeus e nos Estados Unidos, nossos produtores tiveram vantagem frente às complicações da pandemia. Grande parte do consumo lá ocorre no segmento de produtos processados, principalmente destinados a restaurantes e demais atividades fortemente dependentes da alimentação fora de casa.
No exterior, a crise da batata tem sido muito mais significativa. Fábricas paralisaram suas atividades, algumas destinadas a atender restaurantes, até a totalidade e todo o setor foi afetado. Sementes que seriam plantadas para contratos com indústrias foram destruídas.
Batatas estocadas em armazéns para consumo por indústrias foram doadas ou destruídas; contratos de abastecimento reduzidos e todo setor mergulhou em uma grande crise, que persiste até o momento. Apenas as indústrias de batatas tipo chips conseguiram manter o consumo em níveis razoáveis junto ao segmento “in natura”.
Nos Estados Unidos, as redes de fast food, com sistema de drive-thru conseguiram manter as operações ativas com menor impacto, porém, grande parte do setor de processamento foi negativamente afetada.
A realidade
Os resultados dos últimos anos não foram muito positivos para a batata brasileira. Mesmo em 2019, esperava-se uma recuperação que ao final acabou sendo muito pontual. Com isso, produtores das distintas regiões produtoras tiveram que reduzir suas áreas de plantio.
Muito importante considerar também que as commodities tiveram uma elevação considerável de preço decorrente do cenário mundial de alta demanda junto a uma taxa de câmbio muito favorável a estes produtos. Em 2020, estima-se que houve uma redução aproximada de 1,5% da área plantada com batatas, de forma relativamente distribuída entre todas as regiões e épocas de plantio.
O clima, sob efeito do fenômeno La Niña, provocou eventos que afetaram a bataticultura brasileira, sendo muito desfavorável em grande parte do ano, principalmente no primeiro semestre, época das colheitas das águas 2019/20 e das secas 2020. Com isto, os rendimentos foram muito baixos, tubérculos de pouco calibre e muito descarte na colheita.
O inverno foi ligeiramente mais quente, o que também pode ter afetado os rendimentos finais, porém, de forma menos impactante nesta época. Na safra das águas 2020/21, o Sul do Brasil sofreu com a seca, afetando muitas lavouras, que na maioria não são irrigadas. Na região da Chapada Diamantina houve chuvas pesadas como há muito não ocorria, reduzindo os rendimentos. De certa forma, estas chuvas foram muito bem recebidas, permitindo a recuperação de grande parte dos reservatórios que há anos se encontravam em condições de seca.
Todos estes fatores de redução de área, menor rendimento e alta demanda levaram a uma considerável subida de preços recebidos pelos produtores. Com isso, aqueles que se encontravam nas épocas favoráveis, principalmente em grande parte da safra de inverno, nas regiões de Cerrado e com irrigação, obtiveram bom lucro em suas lavouras.
Mercado
O Brasil ainda tem grande parte da produção de batatas consumidas pelo mercado fresco, sendo menos dependente do processamento. No entanto, a batata de processamento no Brasil continua crescendo em participação, inclusive em 2020.
No início da pandemia, houve uma ligeira movimentação de parada até se adaptar ao novo cenário. Batatas tipo chips tiveram ligeira redução de consumo, se recuperando posteriormente, batata frita tipo palha seguiu com forte consumo nos lares, e a batata pré-frita congelada mostrou desempenho ainda melhor, com um mercado consumidor crescendo quase 9% em relação a 2019.
As importações de pré-fritas congeladas foram maiores em 2020, aliviando um pouco a crise de algumas indústrias europeias. A maior indústria local aumentou sua produção, e ainda em 2020 uma empresa estrangeira, líder mundial no segmento, manteve seus planos e iniciou as instalações de uma unidade na região do Cerrado de Minas.
Esta movimentação e crescimento de processamento está mudando de maneira significativa a produção de batatas no Cerrado Mineiro, sobretudo na safra de inverno. Muitos produtores estão reduzindo ou saindo do mercado fresco e assinando contratos de produção a preço fixo pré-determinado.
A troca de variedades e tecnologia resulta em rendimentos mais elevados, custos menores e garantia de uma margem de lucro estimada entre 15 e 20%. Alguns fatores estão causando esta mudança. A safra de inverno do Cerrado é a mais favorável para obter maiores rendimentos e qualidade exigidas pela indústria; a colheita principal se dá em épocas quando normalmente outras regiões estão produzindo e, portanto, os preços do mercado fresco são mais baixos; muitos campos irrigados por pivô já não conseguem produzir uma batata de pele com boa aparência, conforme o mercado fresco exige e; finalmente, o mercado consumidor de batata indústria cresce continuamente em detrimento do consumo fresco.
Ranking do Brasil frente ao mundo
O Brasil tem se mostrado estável na área plantada com batata nos últimos anos, posicionando-se nas posições entre 19 a 22º no ranking mundial de volume produzido. Na América do Sul está em 2º lugar, depois do Peru e muito próximo da Colômbia.
Os maiores rendimentos no Brasil são alcançados na safra de inverno no bioma de Cerrado de altitude. Os plantios acontecem entre abril e junho, quando a lavoura se desenvolve sob clima seco e ameno, totalmente dependente de irrigação, que normalmente é via pivô central.
Nestas condições, em terrenos bem equilibrados de fertilidade, com bom preparo, bom manejo de irrigação, uso de sementes de alta sanidade e boa tecnologia de produção, os rendimentos, tanto para mesa como para indústria, são bem elevados.
Campos de produção para mercado fresco variam entre 40 e 55 toneladas por hectare, enquanto para indústria ficam em 40 e 60 toneladas por hectare, em alguns casos acima disto. Evidentemente, depende do manejo das lavouras sendo que, para mercado fresco, os campos são dessecados antecipadamente a fim de obter tubérculos com calibres mais aceitos pelo mercado consumidor, isto é, tamanho não excessivamente grande. Para a indústria, varia de acordo com a variedade e finalidade. O ciclo pode se alongar por até 30 dias a mais e, os calibres podem ser maiores.
Todavia, grande parte do cultivo de batata é feito sem irrigação, em épocas chuvosas e com menor tecnologia. Sob estas condições mais desfavoráveis, os rendimentos têm uma amplitude de 25 a 40 toneladas por hectare, na média, com poucas oportunidades de se mostrar mais alto – é uma condição de cultivo muito pontual, totalmente dependente do clima sob cada lavoura.
É relevante salientar que o aumento do cultivo de batatas para processamento leva ao aumento da média de rendimento de toda a batata brasileira. Os resultados são mais altos quando comparados a muitas outras lavouras para mercado fresco e cultivadas em épocas e condições menos favoráveis.
Hectares toneladas rendimento (ton/ha)
UF 2.019 2.020 variação 2.019 2.020 variação 2.019 2.020 variação
MG 40.700 39.750 -2,3% 1.362.600 1.379.750 1,3% 33,5 34,7 3,7%
SP 17.600 17.600 0,0% 588.610 596.800 1,4% 33,4 33,9 1,4%
PR 20.260 19,6% 510.530 15,5% PR 20.260 19,6% 510.530 15,5%
RS 9.800 9.500 -3,1% 255.400 232.700 -8,9% 26,1 24,5 -6,0%
GO 6.000 6.250 4,2% 225.000 227.250 1,0% 37,5 36,4 -3,0%
SC 5.200 5.200 0,0% 145.600 130.000 -10,7% 28,0 25,0 -10,7%
BA 5.000 5.000 0,0% 225.000 215.000 -4,4% 45,0 43,0 -4,4%
105.200 103.560 -1,6% 3.417.010 3.292.030 -3,7% 32,5 31,8 -2,1%
UF Área (ha) % Volume (ton) %
MG 39.750 38,4% 1.379.750 41,9%
SP 17.600 17,0% 596.800 18,1%
PR 20.260 19,6% 510.530 15,5%
RS 9.500 9,2% 232.700 7,1%
GO 6.250 6,0% 227.250 6,9%
SC 5.200 5,0% 130.000 3,9%
BA 5.000 4,8% 215.000 6,5%
103.560 3.292.030
Exportação e importação
O Brasil segue como importador de batata-semente básica, que junto com a produção local abastece o mercado de sementes para plantios comerciais. Nosso ambiente e condições de cultivo não são os mais adequados para produção de batata-semente com sanidade satisfatória, o que gera uma dependência para renovar o estoque através da importação junto a uma parte que é localmente produzida.
Em 2020, o volume de importação de batata semente foi de 5,6 mil toneladas, sendo 3,5% inferior a 2019. Outro produto importante de batata do qual o Brasil é importador é a batata pré-frita congelada, que em 2020 totalizou um volume de 371 mil toneladas, representando um crescimento de 9% comparado ao ano anterior. Este volume corresponde a uma área aproximada de 12.500 hectares cultivados com batatas nos países de origem.
Custo de produção
Os custos de produção são variáveis em função do nível de tecnologia, objetivo da produção, época do ano e região. Lavouras com menor tecnificação custaram entre R$ 32 mil e R$ 38 mil/há, incluindo o beneficiamento e ensacamento para o mercado fresco.
Lavouras de alta tecnologia, mecanizadas, irrigadas com sementes de boa sanidade, em torno de R$ 48 mil a R$ 52 mil/ha. A elevação do câmbio, real x dólar, pressionou os custos de batata, que apresenta os gastos de agroquímicos e fertilizantes entre 30 e 35% de todo o custo de produção.
Rentabilidade
Os preços estiveram elevados ao longo de todo o ano, garantindo remuneração acima dos custos de produção. Os limites de rentabilidade estiveram entre 10 e 30% variando muito em função dos baixos rendimentos.
Tendência para 2021
A área não deve crescer de maneira significativa, até porque não existe grande disponibilidade de sementes. Commodities continuam com preços atrativos e representam menor risco. A pandemia ainda persiste e, consequentemente, muitas incertezas que criam barreiras na tomada de decisão dos produtores.
O setor de batata-indústria deve continuar em crescimento, substituindo o plantio de batata para mercado fresco. As previsões climáticas não apontam condições totalmente favoráveis.
Autoria:
Paulo Popp
Engenheiro agrônomo e consultor – Paulo Popp Consultoria Agrícola Ltda
rppopp@netpar.com.br