Educar o agricultor sobre a qualidade e a origem dos bioinsumos integra campanha de um grupo de pesquisadores do agro nacional
Promover resultados eficientes a partir da aplicação segura e precisa estão entre os passos fundamentais no processo de manipulação dos biológicos
O manejo biológico está entre as maiores necessidades agrícolas dos produtores, tornando-se fundamental que soluções para a lavoura sejam sustentáveis e garantam as necessidades básicas do agricultor.
Em termos de adoção em áreas abertas e grandes culturas, o Brasil é um dos maiores mercados em se tratando de aplicação de microrganismos em áreas abertas e grandes culturas. Para se ter uma ideia da força do mercado de biológicos, há previsão de que esse mercado crescerá, em média, 35% ao ano até 2025; e 25% até 2030.
De acordo com Amália Borsari, diretora executiva de biológicos da CropLife Brasil (CLB), associação que reúne instituições, empresas e especialistas que atuam em diferentes áreas essenciais da produção agrícola brasileira, entre elas, a produção agrícola sustentável, nos últimos anos, o número e a variedade de produtos para proteção de culturas aumentaram exponencialmente, só o mercado de biológicos atingiu um crescimento de 314%, considerando o total de produtos disponibilizados no país. Até 2020, segundo pesquisas com base na indústria, houve um faturamento na ordem de R$ 1,179 bilhão; e, no Brasil há hoje, mais de 100 empresas com registros de produtos biológicos ativos.
Diante do panorama, educar e conscientizar o agricultor sobre o que ele deve considerar para conquistar resultados satisfatórios no campo é de fundamental importância. Alinhada a essa necessidade, a CropLife Brasil mantém o Comitê de Boas Práticas, cujo objetivo é o de levar a educação sobre o tema ao agricultor, destacando sobre quais são os principais ativos biológicos e como utilizá-los de forma adequada. “Biológico não é só um organismo retirado da natureza, é preciso a potencialização de processos importantes para a viabilidade do produto”, pontua Borsari que completa: “Estamos ampliando as discussões sobre regulamentações de novos produtos; compreendemos a necessidade de aprimoramento regulatório desses produtos e toda a harmonização de procedimentos.”
Totalmente alinhada à revolução do mercado de biológicos, a CLB também entende que a tecnologia e as inovações são grandes aliadas do produtor rural, ou seja, é preciso que ele entenda que a difusão tecnológica pautada em ciência e processos assertivos são definitivamente garantias de qualidade na ponta. Daí destaca o importante papel da educação nesse contexto de novas tecnologias – a CLB planeja para 2022, cursos presenciais e online, com duração de três horas, dedicados aos biológicos, com o objetivo de transmitir mais conhecimento e dar maior visibilidade ao produtor rural através de parceiros. Ainda de acordo com Amália Borsari, serão lançados novos manuais sobre biológicos, inclusive divididos por culturas, como forma de aprofundar e esclarecer dúvidas iminentes por parte do produtor. “Paralelamente, a CLB já estuda a possibilidade das empresas e indústrias produtoras de biológicos passarem por uma auditoria externa e passarem a contar com um selo de qualidade, comprovando o comprometimento no processo de produção”, prevê.
Com o crescimento desse mercado, portanto, é cada vez maior a necessidade de profissionalização por parte das empresas e indústrias que produzem os biológicos. Alinhado a esse panorama, o Essere Group apresenta “Biológico não é tudo igual”, uma campanha educativa voltada ao produtor rural. Marcos Roberto Conceschi, Coordenador de P&D no Essere Group e um dos idealizadores dessa iniciativa, destaca que é preciso auxiliar o produtor no que se refere à compreensão de quais são os produtos sérios, devidamente testados pela sua eficácia de controle e estabilidade quanto a qualidade. Passo esse fundamental para o sucesso no campo, à medida que o agricultor ainda possui muitas dúvidas sobre os biológicos. “Queremos que o agricultor compreenda o valor agregado de determinado biológico comparado a produtos que não adotem a mesma tecnologia; se um biológico possui a tecnologia certa, que leva ao bom desempenho no campo; quais são os pontos que devem ser analisados para que ele se certifique de que determinado biológico irá ou não funcionar em sua lavoura; quais são os benefícios que uma plantação está deixando de receber; entre outras informações totalmente relevantes neste universo. Tudo porque um produto biológico deve possuir um conjunto de tecnologias para gerar eficiência no campo para que, efetivamente, seja bem-sucedido no manejo de pragas e doenças”, explica.
“Biológico não é tudo igual” destaca as oito etapas fundamentais no processo produtivo e qualidade dos biológicos
1. Pesquisa para fundamentar os produtos;
2. Coletando material genético;
3. Triagem de cepas;
4. Fortalecendo os biológicos;
5. Acondicionamento, armazenamento e transporte dos produtos biológicos;
6. Qualidade e virulência dos microbiológicos;
7. Aplicação dos biológicos;
8. Compatibilidade de calda e momento da aplicação.
Fontes: CropLife Brasil e Marrone Bio Innovations (2019)
Novas pesquisas científicas levam até ao agricultor informações sobre o universo dos biológicos
Pesquisadores da Embrapa destacam alguns dos pontos essenciais no processo produtivo de bioinsumos à base de fungos, bactérias e vírus
Marcos Roberto Conceschi, Coordenador de Pesquisa & Desenvolvimento no Essere Group, explica que um produto biológico deve possuir um conjunto de tecnologias para gerar eficiência no campo para que o manejo biológico de pragas e doenças tenha sucesso. Toma-se como exemplo o emprego do fungo Beauveria bassiana, microrganismo que age causando uma doença na praga alvo, cujos conídios após germinarem fazem com que suas estruturas infectivas penetrem na cutícula dos insetos ou ácaros. Assim, quanto mais conídios germinarem sobre a cutícula da praga e mais rápido/vigoroso for o processo de germinação e penetração, melhor será o resultado encontrado pelo agricultor. “No entanto, é preciso que o agricultor identifique se o Beauveria bassiana que ele utilizará na sua lavoura é, de fato, o melhor e o mais indicado para o seu objetivo”, orienta.
Conectado com as pesquisas científicas dedicadas aos biológicos à base de fungos, Marcos Rodrigues de Faria, PhD em Entomologia, pesquisador do Laboratório de Micologia dos Invertebrados, na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), conta que há mais de 200 produtos à base de fungos no Brasil e lembra: “É um mercado com enorme potencial, que desde o final da década de 1970, vem, inclusive, buscando a profissionalização”.
Ele lançou recentemente um manual onde observa quais são os pontos essenciais para produção e formulação de biológicos à base de fungos entomopatogênicos. Intitulado “Controle de qualidade de produtos comerciais à base de fungos para manejo de invertebrados”, o manual possui uma série de informações que facilitam a compreensão do agricultor, bem como sobre as boas práticas no processo produtivo. Ele esclarece que para melhor avaliar a qualidade de um biológico à base de fungos (assim como todos os biológicos) é preciso atenção aos seguintes parâmetros:
- Controle de qualidade: série de procedimentos realizados pela indústria para que os produtos estejam alinhados aos padrões de mercado;
- Análise de concentração, vigor e pureza do produto;
- Identificação dos princípios ativos (cepas/ isolados) através de ensaios moleculares para se evitar o risco de contaminação ou produção de outra cepa do microrganismo;
- Avaliação das características físico-químicas da formulação de cada produto biológico com o objetivo de se determinar a Vida de Prateleira “Shelf life” (refere-se às condições ideais que o biológico tem que ser mantido para que mantenha suas características iniciais (Sem refrigeração, os biológicos a base de fungos entomopatogênicos resistem pouco tempo (30-60 dias) a uma temperatura de 30º C; armazenados sob sistema de refrigeração (menor que 0°C), os propágulos dos microrganismos apresentam uma maior longevidade, que superam 1 ano de vida de prateleira);
- Aplicações de fungos entomopatogênicos utilizando a estratégia de controle biológico inundativo, que visa na aplicação utilizar uma dosagem mínima de 1 x 1012 propágulos viáveis do microrganismo por hectare de cultivo.
Rose Monnerat, Bióloga, PhD em Patologia de Invertebrados, pesquisadora da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, é taxativa ao mencionar a grande necessidade de controle de produção e qualidade quando se pensa no mercado de biológicos. Ela exemplifica no manual intitulado “Manual de produção e controle de qualidade de produtos biológicos à base de bactérias do gênero Bacillus para uso na agricultura” como a produção de biológicos à base de bactérias do gênero Bacillus deve ser realizada. 1- Deve dispor de estrutura física adequada, uma unidade de produção que seja composta minimamente por quatro áreas: área de utilidades; área de fermentação; área de estoque de insumos e área de armazenamento de produto acabado, tudo em ambiente separados. 2- É importante contar também com um laboratório de controle de qualidade, podendo este ser no próprio local ou terceirizado; 3- Ter um local adequado para a manutenção da coleção de trabalho – bactérias do gênero Bacillus podem ser multiplicadas e armazenadas em tiras de papel filtro, a partir de uma estirpe pura, sendo necessária uma boa identificação e preservação das cepas na unidade de produção; 4- Para o cultivo dessas bactérias deve ter um meio de cultura adequado e uma metodologia de produção bem estabelecida. “O controle de qualidade dos bioprodutos é uma etapa fundamental do processo de produção, seja ele em laboratórios, nas empresas de grande porte ou biofábricas “on farm”. O controle de qualidade visa avaliar as características dos bioprodutos sob diferentes aspectos, de forma a garantir a sua qualidade, segurança e eficácia”, comenta.
Já Fernando Hercos Valicente, agrônomo, PhD em Entomologia, pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo, é especialista e possui estudos aprofundados sobre uso do controle biológico de pragas com vírus entomopatogênicos (Baculovirus) e chama a atenção para as questões de segurança e qualidade nos biológicos. Ele afirma que não pode ocorrer nenhum risco de contaminação durante o processo produtivo, sendo recomendável a máxima higienização e controle nas dependências das fábricas onde os biológicos são produzidos e manipulados. As questões de higienização são fundamentais, iniciando desde os uniformes até a necessidade constante da lavagem das mãos dos colaboradores. “A indústria deve ter plena ciência de que evitar problemas de contaminantes é uma luta diária nesse processo”, reforça. Ele também orienta que a padronização da formulação dos biológicos deve seguir rigoroso processos experimental e de testagem, etapas necessárias para o registro junto o MAPA, IBAMA e ANVISA, órgãos reguladores dos produtos biológicos; destaca que a metodologia de trabalho é igualmente importante e deve ser definida para cada agente biológico e exemplifica para os Baculovirus. “A indústria, ao iniciar um trabalho com um agente biológico, precisa ajustar as metodologias de produção e avaliação em laboratório e em campo, repassar o produto para outra empresa testar para fins de registros”, diz. E finaliza que o agricultor deve estar afinado no que se refere à aplicação e ao armazenamento dos biológicos “As palestras multiplicativas nas revendas também são imprescindíveis para que o agricultor possa compreender como melhor gerir sua lavoura e entender o universo dos biológicos”.