Isaías Antonio de Paiva
Consultor e doutorando em Agronomia – Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
paiva.isaiasantonio@gmail.com
Como sabemos, o El Niño é um fenômeno climático caracterizado pelo aquecimento das águas do oceano pacífico. Ele causa o aumento na quantidade de chuvas na região sul (e também sudeste), diminuição nos volumes históricos no norte e também no nordeste do país, e de forma geral, aumenta os valores de temperatura do ar e do solo (superfície) em todo o país.
Diante desses fatos, a produtividade agrícola das culturas é diretamente afetada pela intensificação de situações de excedente hídrico, escassez hídrica e estresse por altas temperaturas durante boa parte do ciclo da cultura.
Esses três estresses abióticos são extremamente prejudiciais às culturas, e com toda certeza a safra 2023/24, principalmente a de grãos, será impactada pelas condições climáticas.
Commodities agrícolas mais afetadas
Todas as commodities agrícolas terão seu desenvolvimento e produtividade influenciadas negativamente pelo El Niño. Entretanto, teremos diferentes níveis de diminuição nas produtividades.
O que vai definir a magnitude da interferência do fenômeno será a combinação entre localização geográfica, os efeitos negativos do fenômeno, material genético utilizado (cultivar) e técnicas agronômicas, juntamente com tecnologias aliadas ao manejo utilizadas por cada produtor.
Soluções tecnológicas
Uma das formas de mitigar situações de estresse causadas pelo El Niño é o uso da irrigação. Quando pensamos em irrigação em lavouras de grãos no Brasil temos alguns sistemas dominantes, que são: irrigação por pivô-central (quase a totalidade das áreas), gotejamento subsuperficial (tecnologia relativamente nova no Brasil e em ascensão gradual) e aspersão convencional (utilizada por pequenos produtores).
Por meio da irrigação conseguimos mitigar dois efeitos gerais do El Niño nos cultivos: o estresse por altas temperaturas e, principalmente, a escassez hídrica. Portanto, nessa safra lavouras com sistemas de irrigação instalados serão de grande serventia.
A irrigação consegue suprir a água necessária para as culturas de forma total, ou complementar a pluviosidade (chuva). A água fornecida possibilita, ainda, que a planta absorva os nutrientes da solução do solo e assim realize as sínteses metabólicas necessárias para se desenvolver de forma adequada e alcançar seu potencial produtivo.
Além disso, a oferta adequada de água ao solo mantém os estômatos da planta abertos por mais tempo (pois ela não precisará se preocupar em poupar água). Com estômatos abertos por mais tempo, teremos mais absorção de CO2 e, consequentemente, maior taxa fotossintética.
Ao manter os estômatos abertos, a planta também consegue regular melhor sua temperatura interna. Ou seja, diminui sua temperatura pelo fluxo de vapor de água de dentro para fora (evapotranspiração).
Fenômenos climáticos e sua intensidade
As perspectivas para o ciclo 2023/24 são de que o El Ninõ veio, e veio forte, talvez um dos mais fortes da história. Prova disso são os efeitos já observados em todo o país – chuvas muito acima da média histórica, principalmente no Rio Grande do Sul, causando alagamentos em áreas produtivas.
A maior seca vista na região da Amazônia – em Manaus, até agora (primeira quinzena de novembro), choveu menos de 30% do que era esperado pela média histórica, e para completar o combo, altas temperaturas (também acima das médias históricas) em todo o Brasil.
Por hora, espera-se, com os modelos de previsão climática, que o El Niño perdure ao menos até abril de 2024, interferindo na safra e também safrinha do ciclo 2023/24.
Alternativas para driblar o problema
Além do uso de irrigação e materiais genéticos mais robustos às variações de temperatura mais altas, o produtor pode aderir a fertilizantes especiais, bioestimulantes e fitohormônios para tentar mitigar as quedas nas produtividades.
Entretanto, a melhor forma de diminuir as perdas durante o El Niño é a adoção de práticas conservacionistas do solo, como o plantio direto, utilização de plantas de cobertura, adubação mineral e orgânica, afim de obter um solo “vivo” e equilibrado, além de ter atenção com as propriedades físicas do solo, principalmente a compactação.
Ou seja, a melhor forma de mitigar os efeitos prejudiciais do El Niño é ter um solo saudável nas frações química, física e biológica. Para se ter uma ideia, a camada de palhada sobre o solo pode diminuir a evaporação (perda de água do solo para a atmosfera) em até 70%, dependendo da quantidade de palhada por hectare.
Além disso, protege microrganismos dos raios do sol, mantendo a temperatura mais branda na subsuperfície (0 – 10 cm). Esse é apenas um dos fatores, mas são inúmeros.
Um solo saudável terá uma planta com sistema radicular mais profundo, acessando água por mais tempo, não terá problemas de salinidade ou acidificação temporal causada por altas doses de fertilizantes de alta concentração, entre outras.
Principais desafios
Os principais desafios enfrentados pelos agricultores para implementar essas soluções são o acesso adequado às tecnologias, que por sua vez precisam ser implementadas e acompanhadas por técnicos verdadeiramente capacitados, que saibam posicionar o produto ou metodologia de forma adequada a cada propriedade.
Melhorias na condução da lavoura em seu manejo alteram todo o processo operacional da fazenda, por isso ocorre grande resistência de muitos produtores, que têm medo de alterar e ao invés de melhorar, acabar piorando a situação.