Mesmo sendo dono da maior reserva de água do planeta, o Brasil é um país que vem sofrendo com os impactos de uma das piores crises hídricas nas últimas décadas. Muito se especula sobre o fim desse problema, mas será que realmente estamos caminhando para a solução de tudo isso?
Podemos definir a crise hídrica como um problema de abastecimento de água diretamente, mas também de energia, de transporte e como um problema no campo, afinal, a seca provocada pela escassez de água causa diversos impactos na produção de alimentos e fibras. Além disso, vivemos a lamentável guerra entre Rússia e Ucrânia, o que, além de outros efeitos nefastos, afeta o abastecimento de trigo e fertilizante, consequentemente, a produção de alimentos, ou seja, quando falamos em crise hídrica é necessário olhar para o tamanho desse problema e não apenas para a falta ou má distribuição de chuva.
Para a advogada Samanta Pineda, especialista em Direito Ambiental, cada um desses problemas resulta em uma consequência, afetando não só uma parte da população, mas sim todo mundo.
“Quando não chove suficientemente por algum período, temos a falta de abastecimento das geradoras de energia e aplicação de bandeiras tarifárias, o racionamento de água em empresas e residências, há prejuízo da limpeza pública e tratamento de esgoto e, também fica prejudicado o campo muitas vezes com significativa quebra de safra, o que acarreta alta de preços e agrava a situação econômica. Todo esse processo acaba sendo um efeito cascata”, comenta a advogada.
A FALTA D’ÁGUA É MUITO MAIS COMPLEXA DO QUE IMAGINAMOS
Pode parecer ironia falarmos de falta d’água quando vimos no começo do ano, o Rio de Janeiro, Minas Gerais, a Bahia e Goiás com fortes chuvas e enchentes, mas quando falamos de crise hídrica, temos que lembrar que não estamos falando apenas da falta de água, mas sim de uma má distribuição pluviométrica pelo país.
Segundo o relatório da ONU “Desenvolvimento de Recursos Hídricos no Mundo”, estima-se que a utilização da água pode aumentar cerca de 1% a cada ano nas próximas três décadas e as águas subterrâneas se tornarão extremamente importantes, na medida em que as consequências da crise hídrica se agravam.
“Temos que ter em mente que o problema não é a falta d’água, mas sim a irregularidade do volume da chuva que cai. Portanto, é necessário que fiquemos atentos as causas dessas irregularidades”, relembra Samanta Pineda.
IRREGULARIDADE PLUVIOMÉTRICA E SUAS CAUSAS
A irregularidade pluviométrica recente tem três causas principais: aquecimento global, que provoca eventos climáticos extremos, Convergência do Atlântico e o fenômeno climático, La Niña.
Segundo a advogada Samanta Pineda, alguns desses problemas são conhecidos há muito tempo. “Essas mudanças geram eventos climáticos intensos, ou seja, chuvas torrenciais e lugares com seca severa em outros. Isso não é novidade para ninguém! Há décadas estamos discutindo sobre mudanças climáticas e deveríamos ter um plano de mitigação para amenizar essa situação”.
Quando falamos sobre a Convergência do Atlântico e do La Niña, embora tenham efeitos diferentes, os dois acabam reduzindo as chuvas no país. Para um rápido entendimento, o La Ninã acontece quando os ventos mais fortes exercem uma função sobre as águas quentes da superfície do Oceano Pacífico. Isso faz com que as águas frias, que ficam na parte submersa, subam para a superfície e resfrie a atmosfera.
Já quando falamos sobre a Convergência do Atlântico, também conhecido como ZCAS por meteorologistas, queremos dizer que é uma faixa nebulosa carregada de nuvens, causando períodos intensos de chuvas. A combinação desses dois fenômenos climáticos, deixa em evidência uma desigualdade que estamos vivendo nos últimos anos: nordeste muito úmido, com altos índices de chuvas, enquanto o sul e o sudeste passam por longos períodos de seca.
“Nos próximos dez anos, nós vamos continuar tendo essa irregularidade em pelo menos, seis deles, e não vamos poder falar ‘poxa, quem imaginaria que isso ocorreria’ porque nós estamos vendo e vivendo essas mudanças. Temos aqui um problema de providência, não temos um plano, uma estratégia por parte dos governos para tratar esse problema! Nós precisamos de políticas climáticas, políticas agrícolas, hídricas e energéticas para que possamos lidar com essas mudanças”, afirma a advogada Samanta Pineda.
CONSEQUÊNCIAS PARA O CAMPO
Além de prejudicar estruturas de cidades, como foi o caso de Petrópolis no começo deste ano, e agora Paraty e Angra dos Reis, o campo também acaba sofrendo com essa crise hídrica, afinal, se um produtor rural quebra, ele pode não conseguir pagar o banco, que é quem financia os plantios. Não pagando, ele vai aumentando os juros conforme o tempo, o que dificulta ainda mais o pagamento e isso acaba se tornando uma crise econômica.
Para Samanta Pineda, “quando falamos do campo, nosso foco em primeiro lugar, é regularizar a política nacional de irrigação, afinal, esse é um procedimento que pode ajudar (e muito) o campo, já que há possibilidade de reservação de água para os momentos mais secos e de drenagem para os momentos de muita chuva. Nós temos uma lei, uma Política Nacional de Irrigação, mas ela nunca foi regulamentada. O decreto está lá, na mão do Governo, mas nada é feito”.
Na visão da advogada, outro ponto importante para ajudarmos o campo nos momentos de crise hídrica, é deixar as leis ambientais mais ágeis, com o propósito de facilitar a emissão de uma licença, por exemplo.
“Um exemplo claro dessa burocracia é o Plano de Irrigação do Jaíba, que foi desenvolvido em quatro fases e era para ter uma capacidade de irrigação de 100 mil hectares, mas por questões ambientais, só foi liberado 62 mil, pouco mais da metade do projeto. Temos que conciliar as questões de dificuldades ambientais com a gestão da crise hídrica, afinal, isso também é um assunto ambiental”, ressalta Samanta Pineda.
Existe uma desconexão de política muito grande quando o assunto é crise hídrica no campo, e esse é um assunto que necessita de um debate mais amplo, mas claro, e lógico, de soluções também.
“Na minha percepção, o problema da crise hídrica é perceptível e nós sabemos que isso vai acontecer de novo. Precisamos que as políticas sejam implementadas, levando em conta as dificuldades ambientais. A regulamentação da Lei de Política Nacional de Irrigação também é um importante instrumento para amenizarmos a crise, além disso, é necessário resolvermos a questão de um plano estratégico de longo prazo e isso não pode ser uma coisa de um governo apenas, deve ser um plano de estado”, finaliza Samanta Pineda, advogada especialista em Direito Ambiental.
SOBRE SAMANTA PINEDA
Samanta Pineda é advogada especializada em Direito Ambiental e palestrante internacional em eventos da ONU, como Circuitos Urbanos e COP-26. Habilitada como coordenadora de Gestão Ambiental pela DGQ da Alemanha é professora de Direito Ambiental no MBA da FGV São Paulo e de Brasília, no INSPER/SP, na Fundação Escola Superior do MPRS e no IBDA (Faculdade CNA-Brasília). Sócia fundadora do Pineda e Krahn Sociedade de Advogados, escritório com atuação nacional.