Edson Pereira Mota
Doutor em Solos e Nutrição de Plantas, responsável por Projetos Internacionais no Pecege e professor – Faculdade de Ensino Superior Santa Bárbara (FAESB)
oedsonmota@gmail.com / prof.edson.mota@faesb.edu.br
A agricultura é um motor para o desenvolvimento do Brasil. Os números gerados a cada ano impressionam e posicionam nosso país, merecidamente, como uma potência agrícola mundial e referência na tecnologia, produção e produtividade e, também, sustentabilidade.
Nesse contexto, para a manutenção desse cenário, o uso de fertilizantes é fundamental, já que eles garantem a correta nutrição das plantas e a maior expressão do seu potencial produtivo, gerando produtos para diversas finalidades e aplicações, renda, empregos e preservando o ambiente, ou seja, novamente, levando a um sistema sustentável.
Nutrição de ponta
Entre os nutrientes fornecidos via fertilizantes, podemos destacar o fósforo (P), elemento vital para o sucesso dos cultivos, uma vez que, para as plantas, é responsável por energia (ATP) para os muitos processos metabólicos e bioquímicos.
Ainda, participa da fotossíntese, está presente em estruturas da planta, é um dos responsáveis pela qualidade dos produtos agrícolas e, até mesmo, está envolvido na genética da planta (DNA). Pode ser percebido, então, que em todo e qualquer cultivo o manejo do fósforo é estratégico e um definidor de sucesso na lavoura.
Para o feijoeiro
Uma lavoura interessante de ser discutida quanto a sua relação com o manejo de P é do feijão. Esse cultivo, que pode ser realizado em três safras (águas, seca e inverno), possui, nos últimos cinco anos safra, médias brasileiras de produtividade bem abaixo de seu potencial, próximas de 1,1 ton/ha (~19 sacas/ha), independente da safra produzida (CONAB, 2023).
Fica evidente que o cenário tem grande potencial de crescimento, onde o correto entendimento e manejo do P pode ser um forte aliado.
O cultivo do feijoeiro não é aquele que possui a maior extração (nutriente necessário para formação de toda a planta – massa vegetativa mais grãos) de P entre os macronutrientes, ao contrário.
Segundo dados de Guidorizzi et al. (2023), é o nutriente menos extraído, mas é o mais exportado em proporção do que é absorvido pela planta para a sua completa formação, ou seja, os grãos gerados são ricos em P.
A demanda de extração por P para o feijoeiro situa-se próximo a 13 kg por tonelada de grãos produzidos, sendo mais de 60% direcionado para o que é colhido e levado do campo. Novamente, é mais do que clara a necessidade da adubação do feijão via fertilizantes, suprindo as demandas da planta e obtendo bons resultados produtivos.
Em termos de fornecimento, a depender da análise de solo, os valores recomendados de P se estendem de 20 a até 140 kg/ha de P2O5, em solos de altos teores a baixos teores, respectivamente.
Qualidade é essencial
Tão importante quanto a sua necessidade, a forma como o P é fornecido para as plantas é um ponto de atenção e alguns cenários podem ser discutidos. Deixando um momento de lado o P, existem duas formas básicas de aplicação de fertilizantes para os cultivos como o feijão, localizado (linha ou sulco) ou a lanço (em área total).
A primeira consiste em aplicar o fertilizante no sulco de plantio, de forma linear, onde os distribuidores depositam o produto linearmente, próximo das sementes. Já em área total, o produto é lançado pelos distribuidores em faixas que cobrem toda a porção do solo por onde ocorre a distribuição, assim com maior área coberta e maior velocidade de aplicação.
Voltando para o P, dois pontos devem ser destacados, para que então possamos falar um pouco sobre a aplicação e eficiência de P no cultivo do feijão. O primeiro ponto é relativo à movimentação do elemento no solo, sendo que seu mecanismo de encontro com as raízes se dá por difusão, processo de movimento a curtas distâncias (milímetros) em uma fase estacionária de água (água “parada”, retida no solo).
Neste, o gradiente de concentração determina o movimento, ou seja, vai de onde existem maiores concentrações de P para as menores. O segundo ponto que merece destaque é o processo de perda, denominado adsorção específica ou fixação do P.
Perdas nutricionais
O P é um elemento que sofre perdas praticamente irreversíveis quando em contato com o solo. O chamado processo de fixação faz com que o P fique “preso” e indisponibilizado com os elementos ferro (Fe) e alumínio (Al), e os óxidos e hidróxidos destes mesmos elementos que, em nossos solos intemperizados e tropicais, encontram-se em grande quantidade.
O processo é tão intenso e relevante que faz com que as doses aplicadas de P via fertilizantes sejam maiores, muitas vezes, que as de nitrogênio (N) e potássio (K), mesmo sendo menos absorvido em quantidade que esses elementos no feijoeiro. Basicamente, quanto mais contato o P tiver com o solo, maiores são as possibilidades de perdas pela fixação.
Conhecendo a dinâmica de movimentação do P no solo e seu processo de perda por fixação, podemos fazer algumas discussões sobre o seu fornecimento via adubação no cultivo do feijão.
Seguindo a lógica teórica, por ser um elemento de baixa movimentação no solo e com perdas influenciadas por seu contato com as partículas de solo, leva-se à conclusão de que esse nutriente deve ser aplicado próximo às raízes e de forma concentrada, com menos dispersão e contato com o solo. Assim, a aplicação localizada do P é muito comum, em que o adubo deve ser colocado ao lado e abaixo das sementes de feijão.
Mas, por que isso?
Como foi visto, por ser de baixa mobilidade (novamente, milímetros de deslocamento) o fertilizante deve ser colocado próximo das raízes que serão geradas, para que assim potencialize a sua absorção.
Lembrando que entre as funções do P na planta, temos o ATP, isto é, energia para a planta. Ao esgotar as reservas de P das sementes (que estão na forma de ácido fítico), é necessário fornecer energia para a planta ter seu “arranque” e que não comprometa o seu desenvolvimento e a execução de suas outras funções.
Desta maneira, que lugar melhor que próximo e um pouco abaixo da semente, onde as raízes serão geradas e já poderão encontrar esse elemento? Além disso, essa aplicação concentra o fósforo no sulco e evita seu maior contato com o solo, reduzindo a fixação com o Fe e Al e seus óxidos e hidróxidos.
Cabe destacar, também, que essa função e dinâmica do P é o motivo dos fertilizantes de plantio possuírem altos teores em P frente ao N e K e, na cobertura, não vemos normalmente esse fornecimento para o feijão (e as demais culturas agrícolas).
Já ouviram falar de aplicação de P a lanço?
Sim, ela existe! Uma forma de aplicação que irá colocar o fósforo mais distante (em proporção) das raízes e em maior contato como solo, ou seja, podendo resultar em problemas de deslocamento do P até as raízes e aumentando o potencial de fixação. Vamos lá…
Antes de mais nada, é preciso ser dito que essa prática realmente é realizada por produtores rurais, inclusive por aqueles que obtém altos resultados de produtividade. Embora, a princípio, possa parecer confuso, o conceito é simples e voltado ao aspecto operacional da produção.
Isso quer dizer que a aplicação visa ao aumento do rendimento operacional da adubação e pode trazer vantagens, mas uma premissa precisa ser atendida para que essa modalidade funcione no cultivo do feijão.
A premissa chama-se construção de perfil ou fertilidade construída do solo, que nada mais é do que ter o seu solo corrigido e acima dos níveis críticos para o P. Com o perfil do solo corrigido, o potencial de fixação que o solo terá, dado o maior contato do P com os elementos fixadores, será menor.
Além disso, estando o solo acima dos níveis críticos para o feijoeiro, a fertilidade já estará adequada (ou muito próxima) às necessidades do cultivo, caracterizando uma adubação de reposição e manutenção para que não haja diminuição da fertilidade do solo.
Em resumo, teremos auxílio na redução da fixação (que sim ocorrerá mais do que no sistema localizado) e fósforo no solo em níveis requeridos para a cultura (que, sim, terá maior proporção do fertilizante, com maior distância das raízes).
Vantagens
Para deixar mais claro, vamos falar das vantagens desse sistema. A primeira é até mesmo anterior à discussão da aplicação a lanço de P, ou seja, o solo estará apto e com níveis adequados de fertilidade para o cultivo do feijão (um solo “bem cuidado” em termos de fertilidade), assim, com melhores chances de ser produtivo.
Segundo, a manutenção da fertilidade do solo via adubação a lanço será mais abrangente, uma vez que elevaremos a fertilidade em P da área como um todo, assim não restringindo sua localização apenas nas linhas de plantio, o que permite que não haja tanta concentração de raízes apenas próximas ao sulco de plantio.
Terceiro, base do sistema de aplicação a lanço de P no feijoeiro, o rendimento operacional da adubação será muito maior, o que facilitará que toda a operação seja realizada de forma mais rápida, já que a faixa de trabalho é muito maior e, considerando que temos uma agricultura tecnificada, extensa, bem organizada e constituída de uma série de operações, o recurso “tempo” do produtor rural é cada vez mais valioso e precisa ser bem utilizado.
Apenas por conseguir cumprir com maior eficiência as “janelas” de operações fundamentais para o cultivo do feijão (como a própria adubação – que precisa ser feita no momento certo para potencializar o uso dos elementos nutrientes), a aplicação a lanço já traz um grande apelo para sua adoção.
Reflexos
Ocorrerão perdas maiores? A resposta é sim. As perdas superarão as vantagens e rendimento obtido pelo produtor? A resposta é a clássica da engenharia agronômica, “Depende”, pois com as premissas atendidas e sendo bem executada a aplicação a lanço, ela pode trazer maiores retornos.
Isso porque o sistema em si poderá ser executado em sua totalidade com maior tempo para outras operações vitais ao sucesso do cultivo do feijão e, com maior tempo de resposta caso seja necessário mais tempo para eventualidades no sistema de produção.
Como tudo no campo, seja feijão ou qualquer cultivo, o preparo e a organização do sistema de produção serão determinantes para que o produtor possa ter à disposição mais alternativas que permitam novos caminhos para otimizar seus custos e melhorar receitas.
A aplicação a lanço no cultivo do feijão é possível, é uma realidade e (por que não?), uma operação que pode ser um sucesso.