Nosso resumo mensal traz os eventos principais de julho e o que observar em agosto. Começando pela economia mundial, o mundo segue acompanhando, diariamente, os impactos das políticas de isolamento, números de infeções e fatalidades e a consequente queda da confiança na economia mundial. O PIB dos EUA sofreu a maior redução da história em um trimestre, segundo o Departamento de Comércio, com queda de 32,9% entre abril e junho de 2020. Mas em alguns países emergentes um clima de maior otimismo começa a prevalecer com o não aparecimento de segundas ondas de infecções e a retomada gradual das atividades econômicas.
Na economia brasileira, o mercado melhorou suas expectativas para o PIB de 2020, mas ainda com retração de 5,77%, e recuperação em 2021 de 3,5%. Segundo o boletim Focus do BACEN (24 de julho), o IPCA deve fechar 2020 em 1,67% e 2021 em 3,0%, já a meta Selic, para os respectivos anos, deve encerrar em 2,0% e 3,0%. A projeção do câmbio é de R$ 5,20 no fechamento deste ano e R$ 5,00 no próximo. No momento do fechamento desta coluna a taxa cambial estava em 1US$ = R$ 5,18. É interessante que a cada projeção melhora um pouco a perspectiva, aparentemente há mais ânimo que no mês passado.
Entre estudos internacionais deste mês, destaca-se um realizado pelo Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde da Universidade de Washington (IHME) que revela redução na população global a partir de 2050, além de mudanças representativas na pirâmide etária em 2100. Com a redução de população ativa, alguns países como China e Índia devem apresentar menores taxas de crescimento econômico. No Brasil, o pico populacional deve acontecer em 2043, com 245 milhões de habitantes, fechando 2100 com 164 milhões. Interessante observar isso, pois a onda de expansão quantitativa do agro brasileiro não será eterna.
Ainda nos temas do mês, uma área que deve crescer brutalmente é a dos fundos verdes, ligados a projetos que tragam ganhos ambientais, com grandes grupos financeiros ampliando o direcionamento de recursos para negociação de fundos verdes no país. Atualmente, o Brasil possui R$ 30 bilhões em fundos desse tipo, valor muito menor que o mercado global, que é de U$ 1 trilhão. Investidores estrangeiros e organizações brasileiras iniciaram a estruturação das primeiras emissões de Certificados Recebíveis do Agronegócio (CRA) em dólar (possibilitada pela MP do Agro) para financiamento do setor produtivo, o que deve aportar investimentos de US$ 550 milhões em títulos envolvendo uma cerealista e uma usina de biocombustíveis. As emissões de títulos de CRA em 2019 tiveram um aumento de 78,5%, e em 2020, já movimentaram mais de 8,3 bilhões. No primeiro semestre de 2020, as emissões foram 11,5% maiores que o mesmo período de 2019.
O gigante varejista chinês Alibaba pretende desenvolver na cidade chinesa de Zibo, em Shandong, toda uma infraestrutura agrícola digital para otimizar a distribuição de alimentos frescos por todo o país. O projeto envolve centros de processamento e distribuição. Temos que observar, tive a chance de visitá-los em 2019 e fiquei impressionado.
Mas antes de pular ao agro, aparentemente, na economia, estamos melhorando. Resta observar os movimentos principalmente nos EUA, com a eleição presidencial e as trombadas com a China. Mas continuo acreditando em mais confiança e na valorização do Real e da Bolsa.
No Brasil, o 10º boletim da safra publicado pela Conab reforça a expectativa de recorde de produção de grãos, com volume estimado em 251,4 milhões de toneladas, 3,9% a mais que no ciclo anterior. Já a área plantada deve chegar a 65,8 milhões de hectares, 4% a mais que na safra passada. Estima-se aumento da produção de algodão de 4%, atingindo 2,89 milhões de toneladas com a colheita já em pleno andamento. O milho 2ª safra também está em fase de colheita, com expectativa de produção de 73,5 milhões de toneladas, o que, somado as 1ª e 3ª safras, garantirá o recorde de 100,6 milhões de toneladas. A soja teve a colheita encerrada, produzindo 120,9 milhões de toneladas, 5,1% a mais que em 2018/19. As culturas de inverno estão em plena semeadura, com destaque para o trigo que aumentou 13,7% sua área. Esta safra é um alento ao Brasil em um momento tão difícil para o país.
De acordo com o MAPA, novo recorde foi atingido para as exportações de junho, somando US$ 10,17 bilhões, quase 25% superior ao mesmo período do ano passado e representando 56,8% das exportações totais do Brasil. Cada vez mais um agropaís. Destaque novamente para o complexo soja, exportando US$ 5,42 bilhões (+53,4%), com grãos representando US$ 4,67 bilhões (+61,9%), farelo US$ 563,1 (+2%) e óleo US$ 186,6 milhões (+92,8%). Vendas de carnes atingiram US$ 1,41 bilhão (+4,5%), valor recorde para o mês, com participação da carne bovina de US$ 742,6 milhões, suína US$ 196,9 milhões e de frango US$ 438,2 milhões (-32,1%). Produtos florestais exportaram US$ 962,6 milhões (-13,8%) sofrendo com a queda de preços, apesar do volume ter aumentado; já o café vendeu US$ 324,6 milhões (-13,1%). Por outro lado, as importações do agro reduziram 16,1%, chegando a US$ 984,6 milhões, o que é refletido em um saldo positivo da balança comercial do setor de US$ 9,34 bilhões.
No acumulado do 1º semestre de 2020, o agro vendeu US$ 51,6 bilhões, maior valor registrado pela série histórica, com saldo positivo na balança de US$ 45,4 bilhões. Impressionante, pois se mantivemos esta performance no segundo semestre, o agro pode deixar algo entre US$ 85 a 90 bilhões de saldo na balança comercial.
Projeção do MAPA revela que o Valor Bruto da Produção (VBP) deve atingir o recorde de R$ 716,7 bilhões em 2020, superior em 8,8% ao do ano passado. O grande protagonismo fica a cargo da soja, com faturamento estimado de 173,5 bilhões, 3,5% superior ao de 2019. Já o VBP da pecuária deve alcançar R$ 236,6 bilhões, com alta de 3,4%.
E as perspectivas de futuro continuam boas. O estudo “Perspectivas Agrícolas 2020-29”, realizado pela OCDE e FAO, aponta a consolidação da América Latina como fornecedor mundial de produtos agrícolas nos próximos dez anos, com a produção aumentando em 14%, enquanto que as exportações devem crescer 1,7% por ano. Em 2029, a região deverá responder por 60% das exportações globais de soja, 40% do milho, 39% do açúcar e 35% de carnes (bovina e frango). O Brasil, China, EUA e União Europeia devem representar 60% da produção mundial de carnes até 2029.
Nos próximos 10 anos, deve acontecer um aumento no consumo médio de carnes por habitante de 0,24% por ano, em países desenvolvidos, e de 0,8%, nos países em crescimento. Segundo a OCDE e FAO, a China deve representar 29% das importações mundiais, tendo Brasil, Canadá, EUA e União Europeia como principais países exportadores. O Brasil deverá exportar 105 milhões de toneladas de soja para a China em 2029, com a produção atingindo 140 milhões de toneladas, frente a 120 milhões dos EUA.
O Brasil também deve se firmar como o segundo maior exportador mundial de algodão em 2029, com crescimento de 94% no período. Em relação ao milho, o Brasil deve participar de 20% da parcela mundial, enquanto que os EUA ficam com 31% do mercado.
Em relação aos preços no mercado de soja e milho, pouca variação neste mês. O USDA aponta que os contratos futuros de milho para setembro foram negociados em US$3,25/bushel, enquanto que os futuros da nova safra de dezembro fecharam a US$3,33. O USDA manteve suas classificações de 69% do milho na condição de bom para excelente nessa semana. Na soja, os preços futuros para agosto caíram para US$ 8,9/bushel essa semana, e para novembro estão em US$ 8,94. Os índices para soja voltaram a 69% de bom para excelentes, após quedas recentes. Aqui no Brasil os preços ao fechar esta coluna estavam em R$ 110 para a saca da soja e R$ 45 para o milho, entregues em cooperativa de São Paulo. Muita gente vendendo produções futuras, e eu faria isto. Estamos com poucos grãos no Brasil.
Fecho a análise do agro deste mês com os avanços impressionantes da digitalização, pois a pandemia intensificou a busca por soluções digitais de monitoramento de propriedades a distância e sistemas de informação. Outros serviços como compra de insumos online e venda das commodities têm se destacado. Oferecendo descontos, a Orbia, por exemplo, chegou a vender R$ 10 milhões em produtos em sua plataforma digital. O John Deere Conecta, aplicativo de suporte lançado em maio, registrou mais de 320 mil acessos em 30 dias. Segundo a John Deere, 85% dos atendimentos no período da pandemia foram solucionados virtualmente e a plataforma gerou a venda de 300 máquinas desde a sua criação. A Coopercitrus lançou novidades no aplicativo Campo Digital durante a sua feira Expo Digital, realizada no final de julho. Pelo aplicativo, o produtor pode solicitar serviços de tecnologia em agricultura de precisão como amostragem georreferenciada, pulverizações por drones, monitoramento via satélite e outros. Os produtores podem acessar a plataforma em qualquer dispositivo (tablet, celular ou computador).
Os cinco fatos do agro para acompanhar diariamente em agosto são:
- O avanço da flexibilização do isolamento social em cada país e se teremos retomada mais rápida da economia mundial;
- Da mesma forma, acompanhar a flexibilização no Brasil e seus impactos na economia brasileira e no câmbio;
- As ações do Governo na questão do desmatamento ilegal, seus resultados e impactos nas pressões contra o Brasil na questão ambiental;
- O comportamento do clima na safra dos EUA que vem até o momento sem problemas;
- China: seguir as notícias das relações com os EUA e importações de produtos do Brasil;
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Marcos Fava Neves é Professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP em Ribeirão Preto e da EAESP/FGV em São Paulo, especialista em planejamento estratégico do agronegócio. Confira textos, vídeos e outros materiais no site doutoragro.com