Por Marcelino Carneiro Guedes, da Embrapa Amapá; Patrícia da Costa, da Embrapa Meio Ambiente; Carolina Volkmer de Castilho, da Embrapa Roraima; Richardson Ferreira Frazão, da Universidade Federal do Amapá; Sérgio G. Milheiras; e Walter Paixão de Sousa, da Embrapa Amapá.
A compensação por Serviços Ambientais (SA) prestados pelos agroextrativistas da castanha-da-amazônia (castanha-do-pará) pode ser feita não apenas com recursos financeiros, mas também em forma de investimentos em energia, transporte, comunicação, saneamento e outras necessidades estruturais dos territórios onde há forte presença de florestas com castanhais.
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Nesses locais, mesmo depois de décadas de ações de desenvolvimento sustentável, grande parte dos povos da floresta continua sem condições básicas de infraestrutura. Essa é uma das observações de estudo que sintetiza diversas pesquisas sobre formas de compensação pelos serviços ecossistêmicos e serviços ambientais relacionados aos castanhais e ao extrativismo da castanha na Amazônia.
“Essas possibilidades, assim como o pagamento direto pela prestação dos serviços ambientais, podem ser avaliadas em função das políticas públicas e na perspectiva do mercado privado”, salientam os autores do artigo “Serviços ecossistêmicos da floresta com castanheiras e serviços ambientais prestados pelos agroextrativistas – manejadores e guardiões da floresta em pé”. O texto se tornou um capítulo do Volume I da coleção de livros digital “Castanha-da-amazônia: estudos sobre a espécie e sua cadeia de valor”, lançada pela Embrapa em julho de 2023.
A contribuição do agroextrativismo (agricultura itinerante integrada à floresta) para a renovação dos castanhais é compreendida pelos autores como um importante serviço ambiental. Eles concluíram, após resultados de pesquisas desenvolvidas na Reserva Extrativista do Rio Cajari (sul do Amapá) e em outros locais da Amazônia, que a regeneração e o crescimento de castanheiras são maiores em áreas de cultivo e em capoeiras abandonadas na agricultura itinerante, do que dentro de florestas.
De acordo com os dados apurados, as pequenas clareiras abertas pela agricultura itinerante favorecem o processo de colonização das castanheiras e a formação natural de novos castanhais, após abertura e pousio das áreas. “Aqui, é preciso resguardar a necessidade de tempos de pousio adequados para recuperação da biomassa e do carbono emitido durante a abertura das áreas, e o controle do fogo na área que necessita ser preparada para plantio”, ressalva Marcelino Guedes, pesquisador da Embrapa Amapá.
Com essas salvaguardas, o modo de vida agroextrativista, principalmente quando associado com tecnologias socioprodutivas de manejo integrado, pode ser considerado um serviço ambiental que contribui para a formação dos castanhais e a manutenção da floresta. Um exemplo desse tipo de tecnologia é a técnica “Castanha na Roça”, disseminada pela Embrapa Amapá.
Serviços ecossistêmicos e serviços ambientais
Conforme a Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES, do inglês Brazilian Platform on Biodiversity and Ecosystem Services), os serviços ecossistêmicos são as contribuições diretas e indiretas da Natureza para o bem-estar humano. Alguns exemplos são os alimentos, água doce, regulação do clima, polinização, além da manutenção da biodiversidade e os benefícios não materiais, como a contemplação da natureza, por exemplo.
Os serviços ambientais são como um subconjunto de serviços ecossistêmicos gerados como externalidades positivas de atividades humanas. Esse é o entendimento da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais, legislação brasileira que trata da temática e define os serviços ambientais como “atividades individuais ou coletivas que favorecem a manutenção, a recuperação ou a melhoria dos serviços ecossistêmicos”, cabendo a esses serviços receber contrapartida financeira, também chamada de pagamento por serviços ambientais.
Portanto, os serviços ecossistêmicos da floresta de castanheiras são referentes às espécies ou à castanheira-da-amazônia. Já os serviços ambientais são prestados pelos agroextrativistas, pelas comunidades que vivem, protegem e coletam diversos produtos nessa floresta; por isso, eles são considerados os guardiões da floresta em pé.
Extrativistas da castanha e criação de Unidades de Conservação
Outro importante serviço ambiental prestado pelos agroextrativistas está relacionado à participação dos castanheiros na criação e na gestão de Unidades de Conservação de Uso Sustentável (UCs), como as reservas extrativistas. No Amapá, por exemplo, os castanheiros ajudaram a criar um mosaico de UCs de uso sustentável com, aproximadamente, 2 milhões de hectares de florestas protegidas, no qual um contingente de agroextrativistas atua na atividade de coleta e comercialização da castanha-da-amazônia.
Essas áreas de extração envolvem pelo menos 4 mil famílias, que se beneficiam de sua cadeia de valor. Na Amazônia, as UCs e as áreas indígenas com extrativismo da castanha totalizam dezenas de milhões de hectares. Considerando as bases levantadas em 2019, foram registradas 74 UCs e 50 terras indígenas comprovadamente com ocorrência de castanheiras. “Dessa forma, é preciso reconhecer a importância do agroextrativismo e dos serviços ambientais prestados pelas famílias castanheiras para a manutenção dessa valorosa floresta”, frisa Guedes.
Provisão alimentar é destaque nos serviços ecossistêmicos das castanheiras
Das quatro categorias de serviços ecossistêmicos conhecidos – provisão, regulação, cultural e suporte – a provisão ocupa lugar de destaque entre todos os serviços prestados pelas florestas de castanheiras, por meio da grande produção de castanha. De acordo com o programa Avaliação Ecossistêmica do Milênio, é na provisão que se encaixam os benefícios alimentos, água, combustíveis, fibras e recursos genéticos e bioquímicos..
A castanha é obtida em toda a bacia amazônica, com destaque no Brasil, no Peru e na Bolívia. Os autores do artigo ressaltam que “praticamente toda a produção é oriunda do extrativismo em florestas nativas, representando uma atividade de elevada importância socioeconômica para comunidades tradicionais da Amazônia”.
Eles registram que a castanha é fonte de renda e segurança alimentar para populações tradicionais, incluindo comunidades indígenas, e produtores rurais imigrantes, além do componente de reprodução cultural das comunidades extrativistas, devido à atividade repassada de geração em geração.
A publicação resgata o fato de as castanhas serem consideradas “superalimento”, devido às altas concentrações de compostos lipídicos e proteicos, e altos teores de selênio e de outros elementos antioxidantes.
“Em especial, o selênio tem sido associado a combate do envelhecimento celular, combate aos radicais livres e proteção do cérebro contra doenças neurodegenerativas, além de ser apontado como um mineral antioxidante importante para a prevenção de alguns tipos de câncer e apresentar outras funções potenciais”, destaca o artigo.
As castanheiras garantem também outros serviços ecossistêmicos, como a manutenção da diversidade biológica (provisão de recursos genéticos e bioquímicos) e a conservação do solo e da água, além de serviços culturais, de regulação climática e biológica da fauna, com destaque para as cotias e grandes abelhas nativas, conhecidas como mamangavas, que possuem relações ecológicas específicas com as castanheiras.
Além disso, também prestam serviços de suporte, por exemplo, ciclagem de nutrientes e produção primária. “Assim, é possível comprovar que as áreas onde existem castanheiras representam florestas de elevado valor para a bioeconomia, para a manutenção sociocultural dos castanheiros e para a estabilidade ecológica do ecossistema”, sustentam os autores.
A pesquisadora Kátia Emídio, da Embrapa Amazônia Ocidental, coordenou estudos na Amazônia sobre a diversidade vegetal associada às castanheiras, como subsídio à conservação e ao manejo dos castanhais e à quantificação de serviços ecossistêmicos associados aos castanhais.
Ela, que também é uma das editoras da coleção de livros sobre a castanha-da-amazônia, explica que a biodiversidade está relacionada com o número de espécies presentes e, quanto maior esse número, maior também é o número de estratégias para explorar os recursos do ambiente, a fim de manter os serviços ecossistêmicos.
Os estudos demonstram que o uso dos castanhais favorece a dinâmica florestal de espécies associadas às castanheiras. “Dessa forma, o manejo sustentável de castanhais nativos deve ser cada vez mais valorizado, inclusive sob a perspectiva da prestação de serviços ambientais, seja na atração de polinizadores ou por outras interações que têm reflexos positivos na produção de frutos”, relata a pesquisadora, acrescentando que a compreensão disso pode elucidar melhor as relações entre as castanheiras e as demais espécies vizinhas.
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Pesquisa indica melhores áreas ao plantio de castanheiras na Amazônia Legal
Uma das rainhas da Amazônia, a castanheira-da-amazônia tem inestimável valor cultural, econômico e de prestação dos demais serviços ecossistêmicos, beneficiando não só a região, mas, em conjunto com todas as demais espécies florestais no bioma Amazônia, contribuem na regulação do clima em todo planeta.
De olho nessa importância, um grupo de instituições de pesquisa, entre elas a Embrapa, elaborou um mapa que indica áreas com alto, médio e baixo potencial para plantio de castanheiras e restauração de áreas desmatadas na Amazônia.
Os pesquisadores afirmam: a inclusão da espécie, seja em plantios solteiros ou como componente dos sistemas agroflorestais em estratégia de restauração produtiva , pode tornar a Amazônia uma referência na Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), potencializando ganhos econômicos e a bioeconomia na região.
Clique aqui para acessar o estudo completo.
A pesquisadora Lucieta Guerreiro Martorano, da Embrapa Amazônia Oriental, uma das autoras do estudo, comenta que o mapa é uma contribuição científica da Embrapa e instituições parceiras aos tomadores de decisão, sejam instituições públicas ou privadas.
Os estudos apontam que a pressão causada pela ação humana, associada ao processo de desenvolvimento da região, ocasionou a supressão de 47% das castanheiras inventariadas pelo projeto RadamBrasil, evidenciando perdas de serviços ecossistêmicos prestados nas áreas com castanhais nativos nas décadas de 1970 e 1980.
Criado em outubro de 1970, o projeto Radam – Radar na Amazônia – acompanha sistematicamente a coleta de dados sobre recursos minerais, solos, vegetação, uso da terra e cartografia da Amazônia.
Segundo Martorano, o mapa foi construído com base na análise das condições topoclimáticas, ou seja, as condições de tempo e clima de um local, associadas ainda ao relevo de uma determinada região, aplicadas sobre os 20% de áreas alteradas pela ação humana (antropizadas), em toda a Amazônia Legal. E o resultado, afirmam os cientistas, é a viabilidade de recuperar esse passivo ambiental e, com ele, os serviços ecossistêmicos e ainda aferir renda nesse processo.
O mapa indica que, sobre o passivo existente, 48% das áreas têm alto potencial para o plantio das castanheiras, visando ao pagamento por serviços ambientais (PSA). Outras 37% têm médio potencial e, em apenas 15% das áreas, o potencial é considerado baixo.
“Assim, considerando-se os cerca de 20% de áreas antropizadas, ou seja, o total com base nos percentuais de todos os estados da Amazônia Legal, é possível plantar castanheiras apoiadas pela política de PSA”, enfatiza Martorano.
A pesquisadora explica que, para se chegar a esses dados, foram analisadas variáveis climáticas como a temperatura do ar que varia com a altitude, chuva anual, mensal e trimestral, deficiência hídrica, entre outras. “As análises consideraram fatores associados às condições topoclimáticas para recomendar os locais mais propícios aos plantios dessa valiosa espécie nativa da Amazônia”, conta a cientista.
Os ecossistemas naturais prestam uma gama de bens e serviços importantes ao bem-estar humano, chamados de serviços ecossistêmicos. De acordo com a pesquisadora, espera-se que o mapa seja uma das bases de planejamento para fomentar polos bioeconômicos estratégicos, nas áreas com alto potencial nos estados da Amazônia.
“O mapa indica onde é possível fortalecer a bioeconomia na região usando as áreas potenciais aos plantios das castanheiras e, assim, conquistar os potenciais benefícios econômicos e socioambientais”, defende Martorano.