Autor
Robinson Cannaval Junior e Anthony Andrade
O Brasil e o mundo lidam nas últimas semanas com a pandemia da COVID-19, causada pelo novo Coronavírus, que, infelizmente, vem fazendo milhares de vítimas em diferentes países, e deve ter consequências negativas, ainda difíceis de mensurar, para quase todos os segmentos econômicos.
O setor do agronegócio que é um dos arrimos da economia do país, também será afetado. Incertezas sobre os níveis de consumo e preços, custos e disponibilidade de insumos (importados da China e cotados em dólares), escassez de contêineres e de capital de giro afetarão as diversas cadeias do agro em medidas diferentes, dependendo das suas características de sazonalidade, modelo de produção, logística e mercado.
Os sintomas da Covid-19, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), são mais graves na população mais idosa. Esse fato cria um risco desproporcional na cadeia do agronegócio brasileiro: o conjunto das pessoas acima de 60 anos representa 20% da força de trabalho total do Brasil, mas 34% da força de trabalho do setor agropecuário. Nos sete estados mais importantes para a produção agropecuária (São Paulo, Goiás, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Paraná e Mato Grosso) a participação média da mão-de-obra nessa faixa etária é exatamente o dobro da observada na força de trabalho geral do país. E isso poderá prejudicar a produção com o passar do tempo e a evolução da pandemia.
Em culturas menos mecanizadas ou mais dependentes de trabalhadores safristas, como o café e a laranja, os reflexos do isolamento social já estão sendo sentidos.
Sugestão – População em risco na produção agrícola
[% de trabalhadores rurais com mais de 60 anos por Estado]
O agronegócio brasileiro é bastante dependente da China, não apenas como principal mercado, mas também como principal fornecedor de insumos críticos para a produção, como o defensivo glifosato.
O país asiático também é responsável por 46% da produção global e 33% das exportações de fertilizantes fosfatados. A província de Hubei, cuja capital Wuhan foi epicentro da disseminação da Covid-19, responde por cerca de 15% da produção mundial do insumo. A janela de compras de insumos no Brasil se dá, normalmente, entre maio e agosto e o impacto para as empresas brasileiras dependerá do nível dos estoques locais. No caso da compra de insumos, um real fraco joga contra o produtor.
Outro elo que certamente será impactado, é o de máquinas e equipamentos, que já observa a ruptura da cadeia de abastecimento de insumos de fabricação e sofre com as incertezas no ambiente de investimento e de crédito, além do adiamento de feiras importantes. O mercado terá que desenvolver um novo modelo comercial, pois aproximadamente 70% do faturamento do setor de máquinas agrícolas é realizado durante esses eventos.
Em apenas três dias, de 23 a 25 de março, a Jacto anunciou a redução da produção em suas seis unidades; enquanto a John Deere e a CNH Industrial, dona das marcas Casey e New Holland, comunicaram paralização das operações de suas fábricas no Brasil, por tempo indeterminado.
Na tentativa de aliviar o setor, bancos tentam facilitar a aquisição de máquinas, rever financiamentos de aquisição de equipamentos e ampliar linhas de créditos. Tudo para que o baque no setor seja amenizado.
Um ponto de atenção nesse momento é a logística, desde a porteira da fazenda até o cliente final, possivelmente, do outro lado do mundo. Nas últimas semanas, trabalhadores portuários ameaçaram paralisar atividades, com receio de contágio, enquanto caminhoneiros reclamaram da dificuldade de trabalho, com o fechamento dos locais para alimentação nas estradas.
De acordo com o levantamento feito pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o isolamento social, necessário para controlar a pandemia, tem interferido diretamente na exportação de frutas, já que uma parte das remessas eram feitas nos porões de aviões de passageiros e eles quase não têm decolado. Além disso, mais de 11 mil contêineres refrigerados que seriam usados para o transporte das frutas estão parados no porto de Shenzhen, na China. Mas são casos isolados; de um modo geral os embarques para as exportações têm acontecido com relativa normalidade e o governo brasileiro tem estado atento aos pleitos do setor.
O balanço da CNA mostra também que o fechamento de bares e restaurantes já afetam o mercado interno também, com queda de consumo e aumento das sobras e descartes nas centrais de abastecimento.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) projeta que a maior parte das grandes economias do mundo sofrerá uma forte desaceleração econômica, em especial a China e os países exportadores de commodities que dependem do comércio com aquele país. Ainda é cedo para medir o efeito das medidas de alívio econômico que vêm sendo adotadas pelos governos ao redor do mundo, mas um alento para o agronegócio é que o setor não costuma sofrer com a mesma intensidade: mesmo nas crises, as pessoas precisam comer.
É verdade que alguns frigoríficos, por exemplo, já deram o sinal amarelo, com a paralisação das atividades de nove unidades de duas importantes empresas no setor, a JBS e a Minerva. O setor açucareiro também será pressionado, sobretudo em razão da forte queda dos preços do petróleo, que derruba os preços do etanol e, por consequência, da matéria-prima.
Em compensação, produtos como o café e o milho estão com preços até melhores na comparação com o ano passado. A soja, no mês de março bateu seu recorde histórico de volume mensal de embarques e chegou a ser negociada a mais de R$ 100/saca, em Paranaguá. O valor é mais de 20% superior ao preço no mesmo período em 2019, embora seja preciso observar que boa parte da diferença se deve à depreciação da nossa moeda frente ao dólar americano.
Em momentos de grande incerteza, como o que vivemos, é preciso habilidade para atuar simultaneamente em dois horizontes: o imediato e o de longo prazo. No curto prazo, o desafio dos produtores é priorizar a liquidez, reduzir custos e capital de giro, evitar descasamento de moedas e racionalizar investimentos.
No horizonte mais longo, a demanda por produtos agrícolas continuará sua trajetória de crescimento e o Brasil continuará sendo o país com maior competitividade e potencial de produção do mundo. O desafio é capturar as tendências de consumo, tecnologia e gestão e trabalhar os fundamentos do negócio, no presente, para estar ainda mais forte no futuro.
Robinson Cannaval Jr – Sócio fundador e diretor do Grupo Innovatech, Diretor executivo da Innovatech Consultoria, Formado em Engenharia Florestal pela ESALQ/USP, com especialização em Gestão estratégica de Negócios pela Unicamp e MBAs em Finanças e Valuation pela FGV.
Anthony Andrade – Especialista em estratégia e desenvolvimento negócios no setor agroflorestal. Consultor associado da Innovatech Consultoria. Formado em Direito pela Universidade Mackenzie e LL.M em mercado de capitais pelo Insper.