No início da década de 1980, o Brasil era o segundo maior produtor de cacau do mundo. Naquela época, o país produzia entre 350 e 450 mil toneladas de cacau por ano, cerca de 80% das amêndoas tinham qualidade superior e a grande maioria era exportada. Em 2020, o Brasil tinha caído para a sétima posição no ranking de produção. Com 270 mil toneladas de amêndoas, o país respondia por menos de 5% da produção mundial, atrás da Costa do Marfim (38%), Gana (14%), Indonesia (13%), Nigéria (6%), Equador (6%) e Camarões (5%). O declínio da cacauicultura brasileira foi causado por uma série de fatores em torno da chegada do fungo Moniliophthora perniciosa, popularmente conhecido como vassoura-de-bruxa, na Bahia, no final dos anos 1980, e sua disseminação na década seguinte.
Agora, 40 anos depois, uma pesquisa inédita aponta caminhos para impulsionar a produção de cacau e reposicionar o Brasil entre os maiores produtores e exportadores do produto. Trata-se do estudo Oportunidades para a produção de cacau na Amazônia Brasileira, promovido pelo Infloresta, projeto que investiga soluções para melhorar o desempenho de produtos compatíveis com a floresta Amazônica. “O cacau é uma das grandes apostas para fortalecer a bioeconomia brasileira. Nativo e bem adaptado a sistemas agroflorestais, onde pode ser cultivado com outras espécies, o cacau ajuda a promover a recuperação de áreas degradadas e o desenvolvimento socioeconômico das regiões produtoras. Mas, para que se torne um dos principais expoentes da bioeconomia nacional, os produtores precisam se desvencilhar das amarras que aprisionam a cacauicultura brasileira num equilíbrio inferior”, afirma Salo Coslovsky, professor associado da Universidade de Nova York e coordenador do Infloresta.
Para que o setor retome o seu papel de destaque, o pesquisador defende que a estratégia mais promissora envolve o investimento em maior produtividade. Conforme o estudo, hoje os produtores da Bahia e do Pará, estados que lideram a produção no Brasil, produzem em média, respectivamente, algo em torno de 320 quilos por hectares e 950 quilos por hectare, mas em ambos há quem produza mais de 3 mil quilos por hectare. “Investir em produtividade é promissor, pois os produtores podem aprimorar muitas de suas práticas sozinhos, independente do comportamento dos demais produtores. Aos poucos, o aumento da produtividade deve ajudar a ‘endireitar’ várias das distorções que afetam esse mercado desde a crise que derrubou a produção da Bahia nos anos 1980-90. Há riscos, e o aumento drástico da produção nacional deve diminuir o preço da amêndoa no mercado doméstico. Ainda assim, há formas de mitigar esses efeitos negativos e fortalecer o setor, especialmente se houver melhor coordenação de esforços ao longo da cadeia de valor”, afirma.
Entre outras possibilidades, o levantamento ressalta que o custo-benefício da assistência técnica é bastante favorável. Como indica uma avaliação conduzida pela Fundação Solidaridad em um de seus projetos no Pará, cada real investido em assistência técnica gerou retorno de R$4 a R$9 ao produtor. O problema, no entanto, é que hoje os produtores não conseguem obter a orientação que precisam e nenhuma das entidades que permanecem em cena tem recursos ou interesse para oferecer esse serviço na escala e com a urgência necessárias. No estado do Pará, os órgãos públicos são os principais provedores de assistência técnica, mas apenas 6% dos produtores rurais têm acesso a esse serviço. A Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira, a Ceplac, órgão ligado ao Ministério da Agricultura e Pecuária, já foi uma verdadeira agência de desenvolvimento para o setor, mas encontra-se muito enfraquecida.
Ainda assim, os produtores de cacau podem financiar assistência técnica com um percentual dos seus ganhos. Isso já foi feito em outras culturas como o café, a laranja e a pecuária — neste caso, contra a febre aftosa — com sucesso. No Pará já existe o Fundo de Desenvolvimento da Cacauicultura do Pará (Funcacau), que pode contribuir com essa missão. “As técnicas para aumentar produtividade já são conhecidas e elas dão retorno financeiro”, completa Salo.