Laís Sousa Resende – sialresende@gmail.com
Jéssica Cursino Presoto / Jeisiane de Fátima Andrade
Engenheiras agrônomas, mestras e doutoranda em Fitotecnia – ESALQ/USP
O uso de herbicidas como ferramenta no controle de plantas daninhas tornou-se uma medida amplamente adotada pelos produtores nos sistemas de produção. Isso se deve ao fato do elevado rendimento operacional, flexibilidade quanto à época de aplicação, menor custo de mão de obra e facilitação do processo de colheita.
Como consequência do uso contínuo e indiscriminado, houve o aumento da pressão de seleção na população de plantas daninhas e o dos biótipos resistentes nas áreas agrícolas.
Tolerância x resistência
Esses dois termos são normalmente confundidos. Podemos definir a tolerância como a habilidade inata de uma espécie de planta daninha em sobreviver e se reproduzir após a aplicação do herbicida na dose recomendada, que seria letal para outras espécies, mesmo demonstrando injúrias.
Na natureza existem muitas plantas que são naturalmente tolerantes a determinados herbicidas, ou seja, a tolerância é uma característica inata e já existia na população antes da realização da primeira aplicação do produto (Christoffoleti et al ., 2016).
A Sociedade Americana de Ciência das Plantas Daninhas definiu resistência de plantas daninhas a herbicidas como a habilidade hereditária de uma planta sobreviver e se reproduzir, após exposição a uma dose de herbicida normalmente letal para o biótipo selvagem da planta.
Outra definição simples que auxilia na diferenciação dos termos tolerância e resistência é a presença do biótipo suscetível. Se há um biótipo suscetível, o caso é caracterizado como resistência, sendo esta selecionada no ambiente por uma mutação ao acaso.
Já se não existem relatos de um biótipo suscetível, define-se como a característica inata de tolerância (Christoffoleti et al., 2016).
Tipos de resistência
A resistência é desenvolvida devido a aplicações repetidas de um mesmo herbicida ou mecanismo de ação de herbicida, uma vez que as populações de plantas daninhas se adaptam a esta seleção, alterando sua composição genética de forma que a frequência alélica aumenta, consequentemente conferindo aumento no número de indivíduos resistentes.
Em relação à resistência de plantas daninhas a herbicidas, há 3 tipos: simples, múltipla e cruzada. Definindo resistência simples, a mesma ocorre quando um biótipo resiste à aplicação de um único herbicida.
A resistência cruzada ocorre quando o biótipo possui resistência a dois ou mais herbicidas do mesmo mecanismo de ação de grupos químicos diferentes. Já a resistência múltipla ocorre quando um biótipo possui um ou mais mecanismos de resistência que conferem a resistência a herbicidas de diferentes mecanismos de ação.
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A resistência de plantas daninhas traz complexidade para o sistema de manejo, principalmente em se tratando de resistência cruzada ou múltipla, pois as opções de herbicidas a serem utilizados reduzem.
Panorama atual da resistência no Brasil
Existem, atualmente, 514 casos relatados de resistência a herbicidas no mundo, englobando 262 espécies (152 dicotiledôneas e 110 monocotiledôneas) em 71 países e afetando ao todo 94 culturas diferentes.
No caso do Brasil, há 50 relatos de casos de biótipos de plantas daninhas resistentes a um ou mais herbicidas. A primeira planta daninha resistente no Brasil, Bidens pilosa, foi relatada em 1993 com resistência aos herbicidas inibidores da ALS.
A partir dessa data, diferentes biótipos foram relatados com resistência múltipla e/ou cruzada. Destaca-se, o biótipo Lolium perenne ssp. Multiflorum, também conhecido como azevém, sendo o primeiro biótipo com resistência ao glifosato no Brasil.
Após esse ano, houve também relato de biótipos de Conyza bonariensis, Conyza canadenses, Digitaria insularis, Conyza sumatrensis, Chloris elata, Amaranthus palmeri, Eleusine indica e Amaranthus hybridus (syn: quitensis) resistentes ao glifosato.
As informações atualizadas sobre as estatísticas dos casos de resistência, do Brasil e do mundo, contidas nessa revisão podem ser encontradas no site da Weed Science Society of America (www.weedscience.org).
Consequências da resistência
A resistência de plantas daninhas traz uma série de efeitos negativos no sistema. Um dos principais problemas é a inviabilidade do uso de moléculas herbicidas, uma vez que os biótipos possuem capacidade de sobreviver às doses recomendadas, sendo assim necessário estabelecer mudanças nas práticas de manejo e o uso de herbicidas alternativos.
Fazendo uma análise direcionada ao produtor, baseado em referências da literatura disponibilizadas pela Embrapa, o custo médio da resistência de plantas daninhas no cultivo de soja no Brasil é de aproximadamente R$ 5 milhões, além das possíveis perdas produtivas pela matocompetição (Adegas et al., 2017).
Além disso, tomando como exemplo a planta daninha quarentenária no Brasil Amaranthus palmeri, a resistência destas plantas pode depreciar o preço das terras cultiváveis em função da dificuldade de controle da espécie, o que já acontece com frequência nos EUA.
Fique longe dos erros
Os erros que precedem a resistência de plantas daninhas, quando combinados no sistema agrícola, o qual é extremamente dinâmico, podem causar problemas complexos, como a seleção de biótipos resistentes na área.
A exemplo disso, podemos citar a ausência de rotação de culturas, pois essa implicará diretamente sobre os herbicidas a serem usados no sistema. O ideal seria que na mesma área fossem cultivadas diferentes culturas em cada safra, pois com essa estratégia, evita-se o escape de plantas daninhas.
Outro erro frequente é o uso de herbicidas do mesmo mecanismo de ação em cultivos próximos, o que pode acarretar a pressão de seleção para alguns biótipos.
Também é importante comentar sobre a intensa utilização do herbicida glifosato, devido ao amplo espectro de controle, facilidade de aplicação e controle eficiente nos estádios finais das plantas daninhas. Após a introdução no mercado de cultivares geneticamente modificadas tolerantes a esse herbicida, houve aumento no seu uso e, consequentemente, na pressão de seleção, o que acarretou a seleção de biótipos resistentes a esse herbicida.
Também, o uso predominante de herbicidas com ação em pós-emergência pode permitir escapes que só serão controlados com outra aplicação de herbicida. Logo, é recomendado também o uso de herbicidas pré-emergentes. Caso esse possua efeito residual, será capaz de controlar vários fluxos de emergência de plantas daninhas, reduzindo o banco de sementes no solo.
Critérios para relatos de novos casos de resistência
O primeiro passo é avaliar a possibilidade de falhas na aplicação do herbicida. Entre os fatores a serem analisados, inicialmente destaca-se a eficácia do herbicida utilizado para a espécie em questão, considerando-se a adequação da dose, estádio fenológico da planta daninha, época de aplicação, calibração dos equipamentos, volume de calda, adjuvantes e condições ambientais recomendadas para a aplicação.
Depois de eliminar todas as possibilidades de falhas nos itens relacionados à tecnologia de aplicação, é importante observar se as falhas em determinada área ocorrem em uma ou mais espécies de plantas daninhas.
Uma indicação forte de surgimento de resistência ocorre quando o herbicida perde eficácia de controle em apenas uma espécie, e não para as demais plantas daninhas da área. Neste caso, passa a ser importante investigar o histórico da área.
Em áreas onde o herbicida, ou outros herbicidas do mesmo mecanismo de ação, vêm sendo utilizados por vários anos, a probabilidade de seleção de biótipos resistentes é maior. Em relação ao histórico da área, é útil também descobrir se a espécie suspeita de resistência vinha sendo controlada pelo mesmo tratamento nas aplicações anteriores.
Se após estas investigações a suposição de resistência ainda permanecer não esclarecida, é necessário avisar as instituições envolvidas, como a cooperativa e a empresa envolvida com o herbicida, bem como coletar sementes das plantas e enviá-las para pessoas que atuam na área, como por exemplo, as universidades que possuem todo o passo a passo disponibilizado pela Sociedade Brasileira de Plantas Daninhas (SBCPD), para prosseguir com o reporte da espécie e traçar alternativas para o manejo da espécie no campo.
Após estes estudos, a instituição responsável enviará todos os resultados e relatórios para o Comitê de Resistência de Plantas Daninhas da SBCPD (sbcpd@sbcpd.org).
Estratégias para o manejo da resistência
As práticas para prevenir ou manejar a resistência sempre levam em consideração duas preocupações-chave: reduzir a pressão de seleção na área e controlar os indivíduos resistentes antes que se reproduzam. Desse modo, algumas práticas podem ser adotadas, tais como:
þ Usar herbicidas com diferentes mecanismos de ação: o uso de herbicidas com diferentes mecanismos de ação reduz a pressão de seleção; assim, o risco do surgimento da resistência é minimizado. A rotação de mecanismos herbicidas é importante para evitar a seleção de biótipos resistentes aos mecanismos alternativos.
þ Rotação de culturas: a rotação de culturas proporciona maior oportunidade de usar herbicidas com diferentes mecanismos de ação na área. Além disso, ela fornece ambientes com diferentes dinâmicas competitivas, já que cada cultura é infestada por espécies que melhor se adaptam àquela situação.
þ Uso de sementes certificadas e limpeza de equipamentos: o uso de sementes certificadas e a limpeza dos equipamentos evita a introdução de biótipos na área e reduz o acréscimo de sementes ao banco.
þ Práticas culturais: a utilização de práticas que fortaleçam a capacidade competitiva da cultura, objetivando seu rápido desenvolvimento e estabelecimento, em detrimento ao da planta daninha, pode também representar importante contribuição dentro de um sistema integrado de manejo.
Outras práticas também são importantes, tais como: não deixar áreas em pousio, usar os herbicidas dentro das especificações da bula, monitoramento das plantas daninhas na área, uso de herbicidas pré-emergentes, dentre outros.