Emerson Trogello
Mestre em Produção Vegetal e professor – IF Goiano Campus Morrinhos
emerson.trogello@ifgoiano.edu.br
Emanuelle Vicente Silva
Graduanda em Agronomia – IF Goiano Campus Morrinhos
emanuelle_vicente02@hotmail.com
Há cerca de 50 anos surgiu no Brasil um sistema de plantio que revolucionou a forma de plantar, sendo responsável por maior produtividade com sustentabilidade: o Sistema de Plantio Direto (SPD). Este, ainda colabora para a preservação das potencialidades do solo e controle de pragas e doenças.
Embora seja um sistema consolidado no país, o plantio direto ainda necessita de grande avanço. O Brasil hoje cultiva mais de 70 milhões de hectares. No entanto, estima-se que somente 33 milhões destes, realizam SPD, sendo que, ainda, apenas 20% dessa área adota e respeita os 3 pilares do sistema: ausência de revolvimento do solo, rotação de culturas e cobertura permanente com palha.
Grande parte do sucesso desse sistema se dá por conta da palhada deixada pelas plantas de cobertura, bem como pela estruturação do solo possibilitada pela amplitude de sistemas radiculares, somada aos resíduos de culturas comerciais, contribuindo com um ambiente favorável para o crescimento vegetal, estabilização da produção e para recuperação ou manutenção da estrutura do solo.
Este cultivo de plantas de cobertura ocorre no período entressafra, ou mesmo consorciado com as culturas de interesse.
Entressafra
A entressafra ou vazio outonal, como é conhecido atualmente, é o período compreendido entre a colheita da cultura de verão e a implantação de uma nova cultura de outono/inverno.
A implantação de uma cobertura de solo no vazio outonal é uma importante estratégia para realizar a ciclagem de nutrientes e também o aporte de alguns nutrientes que serão disponibilizados para a cultura em sucessão, além da estruturação física e proteção do solo.
Cobertura do solo
As plantas de cobertura são espécies cultivadas que visam a melhoria do ambiente de produção, além de possuir diversos benefícios como: estimular a microbiota do solo, a ciclagem de nutrientes, incorporar matéria orgânica no sistema, ajudar na supressão de plantas daninhas, reduzir processos erosivos no solo, além de aumentar a capacidade do solo de armazenamento e infiltração de água, levando em consideração que essa palhada reduz as perdas por evaporação de água e minimiza as variações de temperatura, beneficiando as atividades biológicas no solo.
Um dos objetivos de se utilizar plantas de cobertura na entressafra é o controle de plantas daninhas na área a ser cultivada. Algumas destas plantas utilizadas na rotação e sucessão de culturas produzem substâncias químicas que exercem um efeito inibidor no crescimento secundário e desenvolvimento de outras plantas, como as daninhas.
Elas também dificultam a passagem de luz, criando obstáculos para a germinação das sementes e pela barreira que formam, bloqueando o crescimento inicial das plântulas. Assim, em culturas anuais de verão, como soja, feijão e milho, que são semeadas no SPD sobre coberturas mortas densas, de lenta decomposição e com ação alelopática, há possibilidade de reduzir ou até mesmo dispensar o uso e posicionamento de alguns herbicidas.
O manejo de plantas de cobertura visando o controle de plantas daninhas é extremamente eficiente, e se deve também à forma como a comunidade de plantas daninhas se comporta no ambiente.
Medidas urgentes
As plantas daninhas comumente encontradas nas áreas agrícolas são consideradas ruderais, que têm por característica a rápida ocupação do espaço. Desta forma, as mesmas tendem a ter alta produção de sementes/propágulos, bem como ampla dispersão e rápido crescimento inicial, sendo por vezes plantas de ciclo anual, com rápido ciclo de vida.
No geral, estas espécies tomam conta de ambiente ocioso e com alta perturbação. Em ambientes pouco perturbados ou ocupados por plantas de interesse, estas espécies reduzem seu aparecimento na área.
Gasto ou investimento?
Atualmente, o custo do controle de plantas daninhas resistentes na área é extremamente elevado. Focar em estratégias de controle cultural, como o caso do manejo de plantas de cobertura, é uma ferramenta de redução de custos.
Uma área ocupada 12 meses do ano não cede espaço para a disseminação de daninhas. Este manejo replicado ano após ano vai minando a população de plantas daninhas e reduzindo a dependência do controle químico, para diminuir a interferência das mesmas.
Assim, se o problema na área do produtor for capim amargoso (Digitaria insularis), buva (Conyza spp.), pé de galinha (Eleusina indica), trapoeraba (Commelina benghalensis) ou outras, o controle mais eficiente não se trata de um produto herbicida específico, mas sim do manejo do sistema produtivo, introduzindo plantas de cobertura na área e ocupando o espaço.
Por vezes, a utilização de plantas de cobertura na área é levada simplesmente como um custo por parte do produtor. É passada a hora de entendermos que este manejo não representa simplesmente um custo, mas sim um investimento no sistema de cultivo, uma vez que vai reduzir a incidência de plantas daninhas, ciclar nutrientes, proteger e estruturar o solo e reduzir os riscos da cultura de maior interesse, seja ela soja, milho, feijão, etc.
Sem receita de bolo
A escolha da planta de cobertura deve levar em consideração a cultura a ser plantada em seguida. Não existe uma espécie de planta que se adeque a todas as regiões e condições edafoclimáticas.
Para a tomada de decisão, é necessário que se faça um diagnóstico adequado para cada situação e entenda as finalidades das plantas de cobertura selecionadas. Quanto mais rápido for o estabelecimento, maiores os benefícios físicos que serão disponibilizados para o solo e para a supressão de plantas daninhas.
A escolha dependerá, também, da finalidade desejada pelo produtor, ou seja, caso o objetivo seja o aporte maior de nutrientes para a cultura em sucessão, é de extrema importância que a planta de cobertura se decomponha mais rapidamente após o seu manejo.
No entanto, se o objetivo for a proteção física do solo, quanto mais a palhada da cobertura permanecer sobre a superfície do solo, melhor. Por estes motivos, tem-se ampliado a utilização dos mix de plantas, onde trazemos para o sistema de cultivo diferentes plantas de cobertura integradas, cada qual exercendo um ou mais benefícios ao sistema.
Além disso, deve-se levar em consideração também a disponibilidade de sementes, as condições do solo, a sua rusticidade, principalmente quando relacionado ao déficit hídrico e a sua possibilidade de utilização comercial. É necessário saber se estas plantas possuem o potencial de serem ou não hospedeiras de pragas e doenças.
Combinação efetiva
Ao realizar a diversificação de espécies com variadas características desejadas, alcança-se um bom funcionamento do sistema. A combinação de gramíneas com leguminosas e/ou crucíferas, irão proporcionar maior interação entre as raízes, enquanto a ciclagem de nutrientes irá depender das culturas que serão trabalhadas no que chamamos de mix de cobertura.
As misturas são interessantes, pois as plantas possuem capacidades diferentes de extração de nutrientes e de exploração do solo pelo seu sistema radicular. Exemplo de algumas plantas de cobertura: nabo forrageiro (Raphanus sativus L.), crotalária (Crotalaria sp.), quinoa (Chenopodium quinoa), guandú (Cajanus cajan), aveia preta (Avena strigosa), entre outras.
Quanto maior a produção de fitomassa, maior a oferta de palhada sobre o solo, com possibilidade de conseguir estimar a reciclagem de nutrientes, desde que se conheça o padrão de extração de nutrientes pela espécie selecionada.
Normalmente, cultivares de ciclos mais longos tendem a produzir maior quantidade de fitomassa, e ao realizar a semeadura na época certa, potencializa ainda mais essa produção.
Cuidados
Se o objetivo da planta de cobertura é produzir palhada e estruturar o solo, a mesma deve ser cultivada e não simplesmente “jogada” ao solo. Propiciar o melhor desenvolvimento desta planta a campo é elevar os seus benefícios no sistema.
Sendo assim, uma adequada semeadura das mesmas, semente de qualidade, época de semeadura ideal, solo bem manejado e até mesmo a adubação de sistema são fundamentais na busca por melhores resultados.
O manejo destas plantas de cobertura deve interromper o desenvolvimento da planta, para que seus resíduos façam parte da camada que cobre a superfície do solo. É interessante que elas sejam picadas o menos possível, para que o processo de decomposição não seja acelerado.
Na prática
As safras de 2021/22 e 2022/23 são exemplos da importância de se ter um solo bem estruturado e com o aumento da sua capacidade de infiltração e armazenamento de água para disponibilização às plantas, mantendo-o, assim, bem drenado e coberto o ano todo, sendo imprescindível para minimizar as perdas e potencializar a lucratividade e produtividade no sistema.
Parafraseando Antonio Seundino São José, em seu artigo publicado em 1944, o lema do fazendeiro moderno deve ser “BBB”, isto é, produzir bem, bastante e barato. Este formato de agricultor moderno passa pelo uso de plantas de cobertura, pela estruturação do sistema produtivo e pela menor dependência de insumos químicos, como os herbicidas, no caso.