Lineu Neiva Rodrigues
Alexsandra Duarte de Oliveira
Pesquisadores da Embrapa Cerrados
Gabrielle Ferreira Pires
Professora da Universidade Federal de Viçosa (UFV)
Estudo realizado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) indica que uma em cada nove pessoas no mundo (ou cerca de 805 milhões de pessoas) não tem comida suficiente para levar uma vida saudável e ativa. A Organização das Nações Unidas projeta que o crescimento da população mundial poderá trazer mais 2,5 bilhões de pessoas para as áreas urbanizadas até 2050.
Para atender a demanda mundial de alimentos indicada pelos estudos nessa janela de tempo de menos de três décadas, há necessidade de um aumento real na produção de alimentos de cerca de 70%. Alguns fatores, tais como as assimetrias no crescimento populacional, na produção de alimentos e na oferta hídrica, podem intensificar e ampliar as dificuldades associadas aos desafios de elevar a produção ao patamar necessário.
Potencial
Grande produtor mundial de alimentos, o Brasil apresenta potencial de expansão da produção, seguindo um modelo de desenvolvimento conhecido como poupa-terra, que evita abertura de novas áreas e busca aumentar a eficiência de suas práticas agrícolas, sobretudo, com a adoção da irrigação, que traz estabilidade à produção.
O País é um dos poucos com capacidade de triplicar sustentavelmente sua área irrigada. Os últimos levantamentos indicam cerca de 8,2 milhões de hectares irrigados e potencial para irrigar 55 milhões de hectares, sendo esse o maior potencial de crescimento de área irrigada no mundo.
Apesar do sucesso da agricultura brasileira, a intensificação da variabilidade climática, com implicações no ciclo hidrológico, tem trazido grande preocupação para o setor. O balanço de energia na superfície da Terra, que tende a ser nulo, é estratégico para a sobrevivência do homem.
A energia que chega do sol ao topo da atmosfera terrestre é algo em torno de 1.360 W/m². Em 24 horas, em média, a superfície terrestre recebe cerca de 340 W/m². Parte dessa energia (cerca de 30%) é refletida de volta ao espaço pelas nuvens, partículas de poeira, etc. antes de atingir a superfície da terra. Outra parte é absorvida pela atmosfera (cerca de 25%) e o restante (cerca de 45%) pela superfície da Terra.
A energia absorvida pela superfície da Terra é utilizada no aquecimento do ar e do solo, na evaporação, na transpiração e na fotossíntese das plantas. A maior disponibilidade energética promove maior transpiração das plantas – desde que haja disponibilidade hídrica.
Efeito estufa
O fenômeno conhecido como “efeito estufa” ocorre quando a energia liberada pela crosta terrestre é refletida e retida por certos gases, poeiras, vapor d’água e aerossóis etc., impedindo o resfriamento progressivo da Terra.
Sem a intervenção desses componentes, a vida não seria possível, pois o calor liberado pelo planeta se dissiparia no espaço, resultando em temperaturas extremamente baixas na Terra. No entanto, as atividades antropogênicas têm aumentado a concentração de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera, de forma que o balanço de energia na superfície terrestre deixa de ser nulo e o planeta aquece além do esperado. A este fenômeno chamamos de “aquecimento global”.
Consequências
Uma das consequências advindas do aquecimento anormal da terra é a alteração do clima, como, por exemplo, a frequência e o aumento dos eventos extremos climáticos, também conhecido como mudanças climáticas. Saber lidar com esse fenômeno é um dos grandes desafios da humanidade neste século.
A partir da Revolução Industrial, o modelo de produção e consumo trouxe uma intensificação das emissões de GEE por ações humanas. Em função da resiliência e do potencial de aquecimento desses gases na atmosfera, as emissões históricas associadas ao padrão de emissões atuais causam um grande impacto na concentração de GEE e, consequentemente, na dinâmica do carbono.
Os estudos indicam que os oceanos e a vegetação têm potencial para absorver ou remover da atmosfera aproximadamente 5,0 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) por ano. Ou seja, se emitirmos mais do que isso, a concentração de CO2 na Terra aumentará.
Em ecossistemas não perturbados, os processos naturais costumam ser aliados do planeta na remoção dos GEE presentes na atmosfera. Eles reduzem as emissões desses gases, via de regra, com o sequestro de carbono e nitrogênio na forma orgânica, como ocorre em florestas, solos ou oceanos.
Não por acaso, uma das soluções para contenção do aquecimento global é a promoção do sequestro de carbono, fazendo com que ele seja removido da atmosfera e devolvido ao sistema solo/planta ou aos oceanos.
Estudos de longa duração podem ser instrumentos importantes, seguros e essenciais para gerar informações que permitam estimar o sequestro de carbono do solo, mas é importante destacar que as práticas adotadas são fundamentais para esse fim.
Além do carbono, outros GEE também devem ser considerados, uma vez que contribuem com o efeito estufa, entre eles: metano (CH4), óxido nitroso (N2O), dentre outros.
Mitos e verdades
Ora, se o CO2 não é o único gás de efeito estufa, por que ele recebe um destaque especial? Além da sua importância para as plantas, o CO2 é o principal gás emitido no processo de combustão, e uma vez que atinge a atmosfera, permanece por muito tempo, causando efeitos de longo prazo sobre o clima da Terra.
Por exemplo, estudos indicam que de todo o CO2 liberado na atmosfera mais de 50% levará 30 anos para desaparecer, 30% permanecerão muitos séculos e 20% durarão vários milhões de anos. Porém, as plantas têm elevada capacidade de remover carbono da atmosfera e estocá-lo na superfície.
Isso é feito através de um processo chamado fotossíntese, em que as plantas absorvem dióxido de carbono através de suas folhas e o transforma em açúcares necessários para seu crescimento. À medida que a árvore cresce, ela consegue reter o carbono em seus galhos, raízes e tronco, desempenhando um papel fundamental na mitigação do aquecimento global.
Em 2021, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento apresentou o novo Plano Setorial de Adaptação e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária (ABC+), com meta de reduzir a emissão de carbono equivalente (CO2eq)3 em 1,1 bilhão de toneladas no setor agropecuário até 2030. O novo plano incluiu os sistemas irrigados como uma das tecnologias a serem apoiadas, estabelecendo como meta o aumento da área irrigada em 3,0 milhões de hectares, o que teria um potencial de mitigação de emissões de GEE de 50 milhões de Mg CO2eq.
Os benefícios da agricultura irrigada associados ao meio ambiente, pela redução da necessidade de aberturas de novas áreas, aumento da produção, geração de empregos, desenvolvimento social, são bem conhecidos. Já os benefícios associados às mudanças climáticas têm sido demostrados em estudos recentes, embora seja importante a continuidade de sua avaliação e quantificação.