Competir com a natureza é, invariavelmente, uma tarefa árdua. Edésio Schmitt, agricultor de Antônio Carlos, na Grande Florianópolis, sabe bem disso. Entre às 8h do dia 26 de novembro e 8h do dia 1 de dezembro, ele viu cair em seu município 440 mm de chuva, medidos pela estação meteorológica da Epagri instalada em sua propriedade.
Considerando que o normal é chover 140 mm, em média, em novembro naquela cidade, fica fácil constatar que a situação foi preocupante.
Apesar da apreensão, Edésio tinha uma “carta na manga”, que lhe garantiu relativa tranquilidade durante os dias chuvosos. Isso porque ele utiliza o Sistema de Plantio Direto de Hortaliças (SPDH) que preconiza, entre outras recomendações, a cobertura com palhada e o não revolvimento do solo.
“O que protegeu a terra foi o SPDH, que não deixou lavar”, sentencia o experiente agricultor. Ele destaca também que o não uso do arado deixou a terra mais firme. “Quando se passa a rotativa, a terra fica solta, daí vem a água e leva”, compara.
Edésio perdeu parte da produção de chuchu e outras hortaliças, mas garantiu a permanência do solo rico em sua propriedade, graças ao SPDH. Por outro lado, viu vizinhos perderem, além da produção, uma das maiores riquezas de uma família agricultora: o solo.
Blocos inteiros de terra desprotegida foram arrastados com a erosão causada pela força das águas, deixando para trás grandes buracos e um cenário de desolação.
O segredo do SPDH
O SPDH foi desenvolvido pela Epagri e outras instituições para transição da agricultura convencional para a agroecológica. A tecnologia permite reduzir o uso de agrotóxicos e adubos altamente solúveis, até eliminá-los das lavouras.
As pesquisas da Epagri na área iniciaram em 1998. A meta da empresa é que toda a olericultura catarinense seja conduzida nesse sistema até 2030. Atualmente, o SPDH é adotado em 4 mil hectares no Estado. Em Antônio Carlos, cerca de 60 lavouras de chuchu e 15 de folhosas são conduzidas no sistema.
O sistema prevê uma série de práticas conservacionistas. A principal é a proteção permanente do solo com palhada, utilizando plantas de cobertura para formar biomassa. Além dessas plantas, conhecidas como adubos verdes, são mantidos na área de plantio os restos vegetais de culturas anteriores.
O revolvimento do solo é restrito à linha de plantio e, nessa área, o olericultor deve praticar rotação de culturas.
Vantagens
Além de proteger o solo, as plantas de cobertura servem de alimento para macro e microrganismos, aumentam a concentração de matéria orgânica, reduzem o surgimento de plantas espontâneas e mantêm a umidade e a temperatura mais estáveis.
“Com a rotação de várias espécies, há redução nos problemas fitossanitários, aumento na biodiversidade e na ciclagem de nutrientes, mantendo e melhorando a fertilidade do solo”, diz Marcelo Zanella, engenheiro-agrônomo da Epagri.
Reduzindo o uso de adubos e agrotóxicos, o agricultor gasta, em média, 50% menos para produzir hortaliças em SPDH. A melhoria na qualidade e na uniformidade das plantas permite reduzir em 35% as perdas na colheita.
Além disso, as taxas de infiltração de água no solo chegam a ser três vezes maiores que no sistema convencional – a redução média no uso de água para irrigação é de 80%.
Proteção contra doenças
José Aloísio Guesser, conhecido como Dinho, faz coro com Edésio ao relacionar as vantagens do SPDH, principalmente durante as chuvas. Ele tem entre 13 e 14 hectares de lavouras de alface em Antônio Carlos, 80% deste total conduzido em plantio direto.
Ele perdeu as plantas que ficaram embaixo da água durante os dias chuvosos, mas conseguiu salvar o que não foi inundado, principalmente porque, com o solo protegido por palhada, não houve terra arrastada para as plantas. Alfaces sujas de terra não são aceitas pelo mercado.
O agricultor é categórico ao afirmar que, se não fosse o SPDH, seu prejuízo com as chuvas de novembro seria entre 30% e 40% maior.
Há dois anos Dinho optou pelo SPDH para combater fungos de solo, que contaminam a planta e são capazes de reduzir a qualidade das folhas, diminuir a produção e, em casos mais extremos, inviabilizar o cultivo.
Como no Sistema de Plantio Direto a hortaliça não entra em contato direto com o solo, que está coberto por palha, as doenças fúngicas não se manifestam. “Realmente funciona, ajuda a combater o fungo do solo”, afirma o agricultor, acrescentando que, a partir deste verão, pretende estar com 100% de suas lavouras de alface utilizando o SPDH.
Abrahão Lealdino da Silveira é outro agricultor de Antônio Carlos que conta com o SPDH para fugir das doenças que atacam as plantas. “No verão a gente tem muita chuva forte e ela ‘bate’ muito”, relata.
Com bater, ele quer dizer que a gota de chuva faz a terra respingar na planta. “A doença está no solo e, respingando para a folha, entra bactéria e fungo na folha da planta. Como no SPDH o solo está protegido por palhada, isso não acontece, essa eu acho que é a chave”, descreve o agricultor.
Ele planta oito hectares de alface, brócolis, salsinha, coentro, alho-poró, rúcula, espinafre e cebolinha. Em um hectare já utiliza o SPDH, mas vem se preparando para ampliar essa área, com o intuito de diminuir perdas na lavoura, que nas chuvas de novembro chegaram a 25 mil pés de alface, o equivalente a um mês de trabalho. Para justificar esse objetivo, ele relaciona outras vantagens da palhada: “evita um pouco de capinação, dá um conforto melhor para a planta e evita pulverizações”, enumera.
Ampliação do SPDH
Marcio Besen também tem planos de, em pouco mais de um ano, estar com toda sua lavoura de alface, em Antônio Carlos, produzindo em SPDH. “Não tem nem comparação (com o sistema convencional), não dá podridão, ela vem melhor, não precisa capinar. Se a alface fica em contato direto com o solo pega bactéria”, relata. Em 2023 completarão três anos que ele cultiva chuchu em SPDH. “A gente nota uma produtividade melhor e menos doenças”.
Ele conta que nas chuvas de novembro perdeu entre 12 e 16 mil pés de alface, o equivalente a um mês de trabalho. “A alface morre por causa do barro. Aquela água barrenta veio e tapou tudo. Eu tentei cortar e lavar, mas não tem comércio”, explica.
Lucro real
Pode-se dizer que os agricultores de Antônio Carlos que optaram pelo SPDH são discípulos de Edésio, que foi pioneiro no município, tendo adotado a prática há pelo menos 16 anos.
Com tanta experiência, ele esclarece que a necessidade de produzir plantas de cobertura pode ser considerada um empecilho por quem deseja ingressar no sistema, o que não é verdade.
Para cultivar as plantas de cobertura, os agricultores precisam parar de produzir hortaliças por um tempo em uma parte do terreno. “As pessoas acham que estão perdendo com isso, mas na verdade não estão. Elas ainda não conseguiram entender que isso não é perda, isso é ganho, porque, nas próximas lavouras irão ganhar em vários itens: vai diminuir adubação, agrotóxicos e mão de obra. Se souber fazer bem uma palhada, o produtor não passa mais enxada”, detalha.
“Essas coisas que as pessoas não conseguem entender, mas tem que olhar o lucro real”, ensina Edésio. “A gente começa a produzir, vem doença, isso, aquilo, vem uma bactéria, acaba com tudo. Daqui a pouco, se for olhar, o lucro é menor que se deixar três meses parado para fazer uma planta de cobertura, que talvez daria para o resto do ano produzir em cima daquela palhada que ficou, sem contar que consegue aumentar a matéria orgânica dentro do terreno”, relata, com a sabedoria que só se adquire com a experiência prática.