Márcio Antônio Pereira do Carmo – Biólogo e Doutorando em Agronomia/Fitotecnia – Universidade Federal de Lavras (UFLA) – marciocarmobio@gmail.com
Isadora Gonsalves da Silva – Engenheira agrônoma e doutoranda em Agronomia/Fitotecnia – UFLA – isadoragsilva@live.com
O uso de sementes de boa qualidade é fator primordial para o sucesso das lavouras. Condições ambientais, como altas temperaturas e umidade, favorecem a ação de fungos e insetos, prejudicando a germinação e o estabelecimento das plântulas no campo. Daí a importância do tratamento de sementes.
Considera-se como tratamento de sementes qualquer operação que envolve as sementes em si, seja pelo manejo; incorporação de produtos químicos e/ou biológicos independentes, se for utilizado na superfície ou interior das sementes, ou pela utilização de agentes físicos visando a melhoria do seu desempenho.
A prática pode ser dividida em tratamento sanitário ou funcional, a depender da sua finalidade. O tratamento sanitário proporciona o controle das doenças e pragas pelo uso de produtos químicos, biológicos e por processos (calor). Já o tratamento funcional atua na incorporação de micronutrientes, promotores de crescimento, hormônios, corantes polímeros, pellets, dentre outros.
Vantagens e desvantagens de cada um
Atualmente, existem duas formas de tratamento para as sementes. A primeira é o tratamento feito na propriedade, também conhecido como “on farm”, em que o agricultor adquire as sementes separadas do tratamento, ou seja, sem nenhum tipo de produto. Neste caso, é realizada a aplicação na própria fazenda de forma manual, geralmente utilizando tambor giratório ou betoneira.
As vantagens desse tipo de tratamento começam pelo baixo custo e o menor período de exposição das sementes aos produtos químicos. Mas, deve-se atentar para a dosagem correta dos produtos, ordem dos tratamentos (fungicida, inseticida…), compatibilidade entre os produtos e sempre usar equipamento de proteção individual.
As desvantagens desse tipo de tratamento são a má distribuição dos produtos, risco de contaminação para o operador e o meio ambiente.
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Já o segundo tipo é o tratamento industrial (TSI), no qual o produtor adquire as sementes já tratadas. A vantagem desse tipo de tratamento é que a qualidade é excelente. E com a dosagem correta dos produtos, a cobertura das sementes é melhor, sem risco de incompatibilidade entre os produtos, além do menor risco ao meio ambiente e ao operador.
Essencialmente, o tratamento de sementes e feito com fungicida e inseticidas. Mas, além desses produtos podem ser utilizados outros, como inoculantes, reguladores de crescimento, micronutrientes, polímeros, corantes e outros.
A soja
A importância do tratamento de sementes é constatada pela intervenção preventiva no controle integrado de inúmeras pragas e doenças de impacto econômico na cultura da soja no desenvolvimento inicial da cultura.
O tratamento de sementes de soja com fungicidas na safra 1991/92 não atingia 5% da área total de cultivo, e atualmente é uma prática amplamente utilizada pelos sojicultores, com adoção que atinge até 100% da área plantada.
O emprego do tratamento de sementes de soja aumentou radicalmente nos últimos anos. Possivelmente o aumento foi em consequência das condições de cultivo, que variam em função do ambiente, resistência genética, sistema de produção e manejo, resultando em níveis variáveis de doenças e pressão de insetos.
Ademais, os custos da semente de soja aumentaram na última década e representam mais de 10% do total de despesas variáveis, fato que vale a proteção das sementes. Conjuntamente, os preços mais altos das commodities da soja proporcionam aos agricultores mais receitas para investir em vários insumos, incluindo tratamentos de sementes.
O tratamento de sementes com fungicidas e inseticidas controla importantes doenças que são transmitidas via semente e/ou solo, causadas por Phomopsis sojae, Colletotrichum truncatum, Cercospora kikuchii, Sclerotinia sclerotiorum, Corynespora cassiicola, Phytophthora sojae, Pythium spp., Fusarium spp., Aspergillus spp. e Rhizoctonia solani; e insetos como Elasmopalpus lignosellus; Spodoptera spp.; Anticarsia gemmatalis; Helicoverpa spp; Agrotis ipsilon; Pseudoplusia includens; Sternechus subsignatus; Bemisia tabaci; Aracanthus mourei; Phyllophaga cuyabana ; Diabrotica speciosa e Porcellio laevis.
Além disso, a proteção contra os nematoides é vital para manter a alta produtividade da soja.
Diversidade de produtos
Coincidindo com o aumento no uso do tratamento de sementes, cresceram o número e a diversidade de produtos fitossanitários registrados para este fim. Alguns produtos agora contêm quatro ou mais ingredientes ativos, visando maior eficácia em uma ampla gama de doenças, insetos e nematoides.
No contexto atual, as misturas mais utilizadas para o tratamento de sementes de soja são carbendazim + thiram, carboxin + thiram, fludioxonil + mefenoxan, fipronil + piraclostrobin + tiofanato metílico, fludioxonil + mefenoxan + thiabendazole, tiofanato metílico + fluazinan e clorotalonil + tiofanato metílico, nas doses recomendadas pelos fabricantes.
O rendimento das variedades de soja é expressivamente melhorado pelo tratamento composto por fungicida, inseticida e nematicida (Rossman; Byrne; Chilvers, 2018). No entanto, Gaspar et al. (2014) constataram que os aumentos de rendimento foram mais consistentes, independentemente do ambiente, quando o inseticida tiametoxam foi combinado com mefenoxam + fludioxonil.
Ainda assim, os produtos adicionados ao tratamento de sementes devem ser utilizados com cautela, sempre visando o(s) organismo(s)-alvo, pois muitas vezes é utilizado na mesma semente a combinação de inseticidas, fungicidas, nematicidas, micronutrientes, polímeros, bioestimulantes, pó-secantes, corantes e, por fim, inoculantes.
Muito cuidado!
O uso excessivo desses produtos pode causar fitotoxicidade às sementes, além do impacto ambiental. É necessário avaliar se todos esses elementos promovem benefícios reais ao produtor.
Diante disso, o tratamento de sementes industrial (TSI) vem crescendo no mercado de sementes de soja. No entanto, o tratamento industrial, ou mesmo o “on farm”, podem ser muito prejudiciais para as bactérias inoculadas, afetando o estabelecimento e o resultado da simbiose. Os fungicidas podem resultar em mortalidades de até 60% das células de Bradyrhizobium após duas horas e 95% após 24 horas. Assim, compatibilizar a aplicação de fungicidas e inoculantes é necessário para garantir a nodulação nas raízes, assegurando a eficiência da fixação biológica de nitrogênio e a produtividade da cultura.
A forma de inoculação mais comumente adotada e prática é via sementes. O desenvolvimento de metodologias que permitem que a inoculação seja realizada com sucesso no tratamento de sementes representa uma ferramenta preciosa para a indústria de sementes, bem como para os produtores de soja em todo o mundo.
Existem trabalhos empregando a pré-inoculação de sementes de soja 10 e 30 dias antes do plantio, ambos atingindo positivamente a produtividade da cultura.
Volume de calda
Outro fator de suma importância é o volume de calda, dependente da formulação dos produtos utilizados para o tratamento de sementes, uma vez que volumes de até 1,1 L/100 kg de sementes já foram empregados sem prejuízo à qualidade das sementes. Porém, as sementes devem ter alta qualidade fisiológica, pois sementes com danos mecânicos e baixo vigor tendem a soltar o tegumento em volumes elevados de calda.
O tratamento industrial garante a cobertura homogênea das sementes em doses precisas, mas frequentemente resultando em maior volume de calda. A composição e o volume da calda podem reduzir a qualidade fisiológica das sementes de soja durante o armazenamento.
Além disso, as sementes podem ser revestidas muito antes da semeadura e influenciar a germinação e o vigor (Suzukawa et al., 2019). Assim, é essencial utilizar a dose certa, no momento correto.
O uso de tratamentos de sementes permite que os produtores reduzam suas taxas de semeadura e, portanto, maximizem o custo-benefício da semente por hectare. Além disso, o tratamento de sementes representa apenas 1,21% do gasto total de produção de um hectare de soja. Logo, as vantagens apresentadas pelo tratamento de sementes são consideradas como um seguro barato que o agricultor faz na implantação da lavoura.
Tratamento de sementes de milho
Vários fatores podem comprometer a produtividade da cultura do milho, como pragas e doenças, e neste contexto há a necessidade do plantio de sementes de alta qualidade, visto que este é o insumo mais importante e o maior veículo de tecnologia, contudo, é também veículo de pragas e doenças, daí a importância do tratamento das sementes.
Além da proteção contra pragas e doenças, o tratamento de sementes tem efeito na fisiologia da planta, proporcionando melhor enraizamento, arranque inicial mais rápido e germinação mais uniforme.
Sementes de milho são tratadas com fungicidas e inseticidas, mas além desses, outros produtos podem ser utilizados, como os micronutrientes, reguladores de crescimento, polímeros e outros, devendo sempre atentar para a ordem dos produtos.
Associar o tratamento de sementes com pulverizações pode evitar prejuízos econômicos causados por pragas iniciais na cultura do milho, como: coró (Phyllophaga spp.), percevejo barriga-verde (Dichelops furcatus, Dichelops melacanthus), tripes (Frankliniella williansil), lagarta elasmo (Elasmopalpus lignosellus), lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda), vaquinha (Diabrotica spp.), cigarrinha-do-milho (Dalbulus maidis) e pulgão-do-milho (Rhopalosiphum maidis).
Composição
Diversos inseticidas podem ser utilizados no tratamento de sementes de milho, sendo os mais comuns aqueles que possuem ingredientes ativos, como Clotianidina, Tiametoxan e Fipronil.
Clotianidina é um inseticida sistêmico do grupo dos neonicotinoides, indicado para uso no tratamento de sementes, oferecendo proteção contra os insetos sugadores que atacam a cultura do milho durante as fases iniciais, como a cigarrinha-do-milho (Dalbulus maidis), pulgão-do-milho (Rhopalosiphum maidis), percevejo-barriga-verde e tripes (Agrofit, 2021).
Tiametoxam também é um inseticida sistêmico do grupo químico dos neonicotinoides. É recomendado para o controle das pragas, como coró, percevejo-barriga-verde, lagarta-elasmo, cigarrinha das 22 pastagens (Deois flavopicta) e cigarrinha-do-milho (Agrofit, 2021).
Fipronil é um inseticida de contato e ingestão, pertencente ao grupo químico pirazol. É recomendado para tratamento de sementes para controle da lagarta-elasmo e coró (AGROFIT, 2021).
Pesquisas
Diversos trabalhos têm mostrado a eficiência do tratamento químico de sementes de milho. Salgado e Ximenes (2013) avaliaram a influência do tratamento de sementes de milho com inseticidas em diferentes períodos de armazenamento e concluíram que o tratamento de sementes com inseticida influencia a germinação da semente.
Viegas Neto et al. (2012) avaliaram o efeito do controle químico via tratamento de sementes sobre o controle de pragas iniciais e concluíram que o uso de Rynaxypyr + Thiamethoxam via tratamento de sementes permitiu o controle de D. speciosa até o 28º dia após a emergência da cultura.
São inúmeros os benefícios do tratamento de sementes, por isso, abrir mão do tratamento é um risco que não vale a pena correr, pois o custo é muito baixo, quando comparado às perdas que a falta dele pode acarretar.
O custo do tratamento de sementes de milho representa apenas 0,06% do custo de produção, enquanto se houver necessidade de replantio o custo representará em torno de 14%. Além disso, tratar as sementes reduz o número de aplicações aéreas, ocasionando uma economia de produto utilizado e permitindo, assim, que se tenha um menor impacto ao ecossistema.
Vale a pena?
Não há dúvidas da importância do tratamento de sementes, no entanto, algumas recomendações devem ser seguidas, como: utilizar mistura de produtos, de preferência um sistêmico e um de contato, cuidados no volume da calda e sempre tratar sementes de alta qualidade.