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Ano de calor e seca, atiça curiosidade do cafeicultor

Autor

José Donizeti Alves
Doutor e professor titular da Universidade Federal de Lavras (UFLA)
jdalves@ufla.br
Crédito: Netafim

Em anos de muito calor e seca é comum aparecer nas lavouras de café, agrupamentos de plantas com flores “estrelinhas”. Desta vez demorou, mas aconteceu. Recebi relatos de cafeeiros com quase 100% de suas flores do tipo estrelinhas, em várias regiões de Minas Gerais.

A maioria deles descreve que o fenômeno não é generalizado na lavoura, mas que aparece em várias plantas, em áreas definidas do tipo reboleiras, facilmente visualizadas em campo. Ainda que, de maneira geral, o percentual de plantas com flores estrelinhas não seja muito grande, sempre existe a dúvida se elas vingam ou não.

Aproveito então este momento para esclarecer algumas questões sobre o assunto, considerando que o tema é complexo, e sem o devido conhecimento técnico é de difícil entendimento.

Entenda

De início, é bom esclarecer que, embora ainda não se tenha a dimensão do fenômeno em larga escala, a presença de estrelinhas nas lavouras de café é um aviso, uma resposta das plantas ao clima adverso de que algo está fugindo da normalidade.

Estudos sobre a biologia floral do cafeeiro descrevem esse tipo de flor como uma “anomalia fisiológica” que ocorre antes da antese, depois de longos períodos de escassez hídrica e ondas elevadas de calor seguidos por chuvas, ainda que pequenas.

Condições extremas de seca e altas temperaturas interferem na formação das estruturas reprodutivas (androceu, gineceu, ovário, etc.). Desse modo, os botões florais ainda não estão preparados para a fecundação e antese, uma vez que não se desenvolveram completamente.

Com a desidratação dos tecidos florais, a corola (metaclamídea), que é formada por um conjunto de pétalas soldadas umas às outras, se abre repentinamente, expondo os elementos florais ainda não desenvolvidos, daí a aparência atrofiada da flor. Neste caso, quando as peças florais não se formaram completamente, estas flores abortam e não produzem frutos viáveis.

Entretanto, há registros de que cerca de 30% destas estrelinhas chegaram a formar frutos ou que “o sentimento é de que todas elas fecundaram”. O mais provável é que os danos causados não atingiram 100% dos botões florais de uma roseta, deixando várias estruturas reprodutivas intactas e fecundaram normalmente, desde que, após a abertura das flores, tenha havido umidade no solo suficiente para a hidratação dos tecidos.

Danos

Embora não haja uma medida cientificamente comprovada dos danos causados à produção, é consenso de que estrelinhas são indicativos precisos do elevado grau de estresse do cafeeiro.

Considerando o cenário atual do clima e da cafeicultura na região sudeste do País, gostaria de fazer mais alguns comentários além daqueles sobre o tema estrelinhas. Seca e calor são responsáveis por perdas de até 70% na produção agrícola e na cafeicultura não é diferente – basta lembrar o que ocorreu na safra 2014.

Por conta da seca e das altas temperaturas, houve uma quebra na tendência de crescimento da produção daquele ano, inclusive com um volume produzido abaixo da safra de 2013, que foi de baixa bienalidade.

Peço licença aos leitores para reproduzir um texto retirado ipsis litteris do Quarto Levantamento – Dezembro/2014 da CONAB, que diz: “Entre os meses de setembro e dezembro de 2013, as condições climáticas se mostraram favoráveis às lavouras de café, caracterizadas por volume e frequência satisfatórios para as floradas e o vingamento dos grãos, sem expectativa de prejuízos para as lavouras na ocasião. Seguiu-se, no entanto, um longo e severo período de estiagem no decorrer do primeiro trimestre de 2014 em todo o Estado de Minas Gerais, mas de duração e intensidade bastante heterogêneos, comprometendo pelo menos uma etapa da adubação, e concorrendo para intensificar o ataque de pragas, com destaque para cercóspora, bicho-mineiro, ácaro vermelho e broca. O déficit hídrico, provocado pela escassez e irregularidade das chuvas, e agravado pelas condições de elevadas temperaturas, causaram sérios danos às lavouras de café, atingidas na fase de formação e enchimento de grãos, resultando em perdas na produção das lavouras, na renda do beneficiamento e na qualidade dos grãos colhidos.”

O que esperar

Vejam que este ano, ao contrário do que aconteceu no segundo semestre de 2013, as condições climáticas até o momento não estão favoráveis à cafeicultura. Um exemplo é a constelação de estrelinhas observadas em uma lavoura de segundo ano, com alto potencial produtivo. Se isto está acontecendo nesta e em outras lavouras em boas condições fisiológicas e até mesmo irrigadas, o que dirá daquelas que estão desfolhadas e depauperadas desde janeiro deste ano e que representam um grande percentual do parque cafeeiro mineiro?

Seca intensa e ondas de calor que ultrapassam a 35°C em uma fase que define o potencial produtivo da lavoura como a florada são fatais para a cafeicultura e podem levar graves prejuízos para safra vindoura.

A situação pode se agravar ainda mais, caso as previsões de um veranico forte e de longa duração em janeiro de 2020, feitas por um climatologista do INMET por ocasião do I Fórum Técnico Café e Clima, promovido pela Cooxupé, se confirmarem. Neste caso, a exemplo do que ocorreu em 2014, esta estiagem extra vai causar sérios danos às lavouras de café, pois se dará na fase de formação e enchimento de grãos.

Somente para ilustrar, reproduzo a seguir um gráfico adaptado, que é produto de dois artigos, onde se computaram o pegamento da florada e a queda de frutos em anos de intempéries climáticas semelhantes às atuais. Observa-se que desde a florada até a colheita pode ocorrer quebra de até 80% no potencial produtivo de uma lavoura e que os maiores prejuízos ocorreram justamente na fase de pegamento da florada.

É importante destacar que estes dados não traduzem uma quebra de safra na ordem de 80%, mas sim das possíveis perdas de uma lavoura, em anos de fortes pressões do ambiente, considerando o potencial produtivo avaliado durante a florada.

 

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