Roberta Camargos de Oliveira – Engenheira agrônoma e pós-doutora em Produção Vegetal – ICIAG/UFU – robertacamargoss@gmail.com
Fernando Simoni Bacilieri – Engenheiro agrônomo e doutor em Produção Vegetal – ICIAG/UFU – ferbacilieri@gmail.com
Primeiramente, para recordar, hidroponia é um sistema artificial que visa produção de alimentos de qualidade, em sistema construído para fornecer alguns dos pilares que sustentem a vida das plantas: a água e os nutrientes.
A sustentação das plantas neste sistema pode ser realizada por meio de substratos inertes, placas de isopor ou canaletas de plástico, sendo a escolha dependente de uma série de características de ordem técnica, econômica e estrutural.
Os nutrientes, altamente solúveis e prontamente disponíveis para a captação e absorção das plantas, podem ser fornecidos de forma constante (floating), em intervalos regulados por meio de lâminas d’água (NFT) ou pulverização (aeroponia). Esta última categoria, dentro de hidroponia, tem elevado destaque econômico-ambiental por se tratar da forma mais eficiente e otimizada de fornecer água e nutrientes para as plantas.
A partir do conhecimento de que, para o pleno desenvolvimento e expressão de potencial produtivo, as plantas necessitam de água, nutrientes, energia luminosa e atmosfera (CO2 e O2), com a hidroponia (suprindo água e nutriente), teve-se o primeiro passo para um controle mais efetivo da produção.
Entenda melhor
Em cultivo no solo, a nutrição é conhecida de forma mais empírica, uma vez que ocorre intensa e distinta variação na dinâmica dos solos (ligação com os coloides do solo, equilíbrio de bases, troca catiônica e aniônica, matéria orgânica e toda a sua fantástica complexidade e diversidade de compostos).
No solo há processos de imobilização e mobilização de nutrientes, ou seja, eles podem ser capturados pela microbiota ou podem ser degradados por ela. Esses processos são extremamente variáveis, o que dificulta uma acurácia de quanto do nutriente aplicado estará de fato disponível para as plantas.
O fertilizante aplicado pode ainda ser dissipado no ambiente e perdido por processos de volatilização, lixiviação e percolação. A soma desses fatores faz com que a eficiência na nutrição da planta no solo seja tecnicamente mais complexa e de difícil controle, com maiores riscos e incertezas e maiores probabilidades de estresses, de todas as ordens (bióticos e abióticos).
Por outro lado, a nutrição na hidroponia é de acordo com o fornecimento da quantidade adequada para que a espécie se desenvolva, com a quantidade ótima que consegue assimilar e gerar rendimento. Fornecer os nutrientes via agua é facilitar e simplificar o processo de produção, não há perdas de nutrientes, eles estão circulando na água e o destino é a planta ou o reservatório.
Não há processos diversos em que eles possam se envolver, como ocorre no solo. Isso torna o seu manejo mais fácil de mensurar e prever. Pela facilidade construída, é possível ter uma maior precisão e controle.
Do solo para a hidroponia
A partir do sucesso desse processo, observou-se que o solo poderia ser substituído de forma viável e economicamente rentável pela hidroponia. Neste ponto, o que mais seria possível de controlar e obter resultados mais precisos e facilitados? E se o sol pudesse também ser substituído dentro desse sistema? E, de fato, ele também pode ser substituído de forma eficiente e atraente economicamente por várias fontes luminosas disponíveis no mercado.
A suplementação artificial fornece outro componente crucial para o crescimento das plantas: a energia na forma de onda eletromagnética (luz visível). A luz artificial pode ser confeccionada para atender as faixas em que os componentes celulares (clorofila) responsáveis pela fotossíntese sejam ativados, que compreende a faixa do vermelho e azul do espectro luminoso.
Nos sistemas produtivos mais modernos, além da iluminação, há também a possibilidade de se controlar e monitorar a temperatura, a umidade e a concentração de gases.
Tudo sob controle
No cultivo a campo, cultivo protegido e hidroponia, cultivados com espécies de hortaliças folhosas, ocorre a exploração de apenas um plano no espaço devido a dependência da interceptação solar.
Quando se estabelece que 100% da energia luminosa pode ser fornecida artificialmente, possibilita-se que o espaço seja explorado de forma tridimensional, com a instalação de planos de cultivo ao longo da área disponível, ou seja, camadas empilhadas verticalmente, formadas por prateleiras de cultivo, dentro de um sistema fechado e monitorado.
Versatilidade
Na agricultura interna ou fazendas verticais, a produção pode ser realizada no interior de ambiente construídos em alvenaria ou contêiner. Os vegetais deste sistema, pelas características acima mencionados, podem ser produzidos no interior das cidades, viajando apenas alguns quilômetros para chegar às prateleiras dos supermercados, o que contrasta com vegetais produzidos no campo, que podem viajar milhares de quilômetros de caminhão ou avião.
Nesse particular, ao reduzir os deslocamentos para a distribuição da produção, reduz-se também as emissões de gases que contribuem com o aquecimento global.
Em campo
A hidroponia vertical movimentou em 2018 um montante de US$ 26,8 bilhões, com potencial de crescimento de 9,19% até 2025. A tendência é que o setor se expanda com o aumento das incertezas promovidas pelas mudanças climáticas.
Espera-se que haja crescente apoio por parte de pesquisa e desenvolvimento de empresas e instituições, com apoio de nichos de mercado, como incubadoras ou fornecedores de tecnologia para apoiar e viabilizar a expansão, como vem sendo realizado pela Embrapa.
Produtividade
Devido aos conhecimentos técnicos e tecnologia, é possível ampliar o número de cultivos na estrutura anualmente. Em folhosas, estima-se um aumento da ordem de 2,6 vezes. Quanto ao rendimento, culturas como o morango podem produzir 30 vezes mais que em campo aberto.
No ramo de hidroponia vertical, tem relevante destaque a empresa AeroFarms, situada em New Jersey (EUA). A empresa foi fundada em 2004 com protótipos e a semente do empreendimento apresentou crescimento expressivo nos anos seguintes. Em 2016, alcançou a posição de maior fazenda vertical interna do mundo.
O nível tecnológico é de ponta, com processos de produção patenteados e conhecimento construído com uma equipe de pesquisadores. Especula-se que Aerofarm consegue produzir 22 safras anuais, devido ao ajuste fino entre cultivar, nutrição, comprimentos de onda LED ideais, temperatura, umidade e taxa de CO2, que geram colheitas de alface em duas semanas.
Outros locais que apresentam unidades de produção expressivo são: Japão, Cingapura, Taiwan e Coreia do Sul.
Tendência
Como é possível controlar o ambiente e os nutrientes na solução, é possível otimizar o acúmulo de nutrientes nas plantas e fornecer alimentos de melhor qualidade nutricional. Em um cenário em que boa parte da população tem apresentado deficiência de nutrientes, em especial de micronutrientes, a possibilidade de enriquecer através de biofortificação neste sistema pode auxiliar a minimizar este entrave e ser considerado como um possível aliado a saúde.
Considerando que a produção é controlável e, por isso, pode-se produzir grandes quantidades no tempo e no espaço, é possível fornecer alimentos a preços acessíveis a população. Com o adequado marketing, também pode-se ampliar a conscientização do impacto do consumo de hortaliças na saúde e bem-estar, impulsionando o seu consumo e papel fundamental na prevenção de doenças.
É válido ressaltar que hortaliças apresentam desafios de ordem técnica, o que acaba reduzindo a sua oferta no mercado e em consequência, atinja preços incompatíveis com o poder de compra de grande parcela da população. Ampliar formas para que o alimento seja produzido de forma massiva e com segurança alimentar, como é o caso das fazendas verticais, pode também ser visualizada como uma questão social e de saúde pública, fornecendo nutrição via alimento e, portanto, uma fração da saúde à população.
Boas práticas
O cultivo em ambientes internos controlados possui uma série de boas práticas: a entrada de pessoas é controlada e o sistema pode ser automatizado, de forma que todos os processos sejam mensurados e acompanhados. Com essa dinâmica, sabe-se o que entra no sistema e, portanto, insetos indesejáveis e estruturas de patógenos ficam de fora do sistema.
Com isso, não há necessidade do uso de defensivos químicos. O sistema, se bem manejado, garante alimentos seguros e fisiologicamente estruturados. Para isso, perceba a necessidade de conhecimentos técnicos de nutrição e fisiologia das culturas escolhidas para o sistema.
Outro ponto interessante do sistema refere-se ao consumo de água. Em sistemas como aeroponia, o consumo de água cai para em torno de 5% da água usada na produção da mesma quantidade de hortaliças em campo aberto. A redução no uso de água em 95%, diante das problemáticas climáticas e de escassez de água, eleva a relevância das fazendas urbanas.
Os benefícios provenientes da tecnologia de cultivo vertical extrapolam a alimentar e pode ser utilizada como estratégia para purificar o ar de ambientes fechados, como escritórios. Em uma interessante pesquisa realizada por Shao e seus colaboradores (2021), ao avaliarem os impactos da implementação de um sistema com 100 plantas nos moldes de hidroponia vertical em um escritório normal de 30 m2 com um a três ocupantes, os pesquisadores observaram que a concentração interna de CO2 foi reduzida em mais de 25%, o que significa redução no consumo de energia de ventilação para dissipar o CO2 da respiração entre os trabalhadores em ambiente fechado.
Os pesquisadores ressaltaram que a implementação do sistema em edifícios de negócio era viável não apenas pela melhoria na qualidade do ar interno e economia de energia, mas também devido ao alto rendimento e qualidade dos produtos agrícolas cultivados, valor estético na decoração e rendimento no aluguel de até 20%.
Manejo
O sistema de fazendas verticais compreende as fases de desenvolvimento de um sistema hidropônico convencional, ou seja, a fase de maternidade (germinação e emergência), seguida de berçário (formação das mudas) e cultivo definitivo (restante do desenvolvimento até atingir o ponto de colheita).
Como existem camadas, em diferentes números de prateleiras, em alturas superiores o transplantio é realizado com o auxílio de um elevador que eleva o operador e os materiais de propagação até o nível das prateleiras, de uma forma segura e ergonômica, ou seja, com o adequado conforto ao colaborador.
Questionamentos úteis
Além das operações técnicas, também fazem parte da implantação do sistema, a aquisição e gestão dos recursos: água, nutrientes, sistemas de cultivo, sistemas de iluminação e automação; o monitoramento do crescimento e desenvolvimento da planta; colheita; distribuição da colheita ao local de comercialização; gestão de resíduos e energia e boas práticas para o controle de qualidade.
De acordo com as características do cultivo interno e as suas possibilidades, as empresas produtoras de sementes precisam destinar esforços para este nicho de mercado, visando materiais genéticos com menor ciclo, rendimento de colheita, nível de fitonutrientes e compostos bioativos de interesse (de acordo com a espécie).
Pesquisas com estratégias tecnológicas, como níveis de luz ideal, seleção de comprimento de onda, genômica e automação estão sendo ampliadas, gerando novas oportunidades para diferentes áreas do conhecimento e formação.
Os comprimentos de ondas podem promover efeitos interativos, estimulando ou inibindo o crescimento, ativando a produção de metabolitos secundários benéficos, agindo de forma que a exposição seja sinérgica ou não. Por exemplo, além do vermelho e azul, qual outro espectro estimula ou age a favor do acúmulo de compostos desejáveis? Qual a proporção ideal entre o vermelho e azul? Essas e outras perguntas acerca da luz, ainda necessitam ser respondidas a nível de espécie.
A concentração interna de CO2 no interior de ambientes de produção controlados também tem sido foco de estudos, com resultados interessantes. O aumento do gás no ar apresenta significativo impacto positivo no crescimento das plantas.
Observe que, quanto mais for possível atender as necessidades da planta, ofertando o ambiente ótimo, maior o retorno da atividade. Portanto, a construção de uma produção vertical é um processo que envolve muito trabalho investigativo para entender a demanda da cultivar.
Apesar da exigência elevada em pesquisa para obtenção das informações, é interessante ressaltar que, pelo grau de controle, o sistema torna-se escalável, ou seja, replicável em qualquer local, seguindo protocolos de produção.
Desafios
O sistema pode ser composto por vários desenhos e com diferentes materiais. No entanto, todos eles são de elevado investimento inicial. Neste contexto, o projeto deve ser entendido como uma etapa crucial e todos os detalhes merecem ser revisados com zelo. Vale ressaltar, também, que o sistema, apesar de muito rentável, necessita de apurado conhecimento técnico (nutrição e fisiologia vegetal).
Poucas são as informações com relação às melhores formas de instalação, condução, dimensionamento e, principalmente, manejo de todos os controles. Estes dados, análises e receitas têm sido levantados pelos próprios produtores e não disponibilizados em acesso aberto.
Apesar da viabilidade financeira ser incerta, fontes financiadoras (em países desenvolvidos), por entenderem todo o potencial do sistema, têm aprovado incentivos para a implementação e expansão das áreas desse cultivo urbano.
Devido à completa dependência de pacote tecnológico para a produção, qualquer falha pode comprometer bastante a produção. Se houver alguma falha no sistema de alimentação e concomitante no gerador, um único dia sem energia, por exemplo, pode representar economicamente um desastre. Portanto, mesmo um sistema com reservas e prevenções, eventuais falhas podem ocorrer.
Conclusão
As fazendas verticais são relativamente recentes (última década) e apresentam elevado potencial de crescimento. É possível que se torne comum, como parte do ambiente urbano, uma vez que é capaz de integrar e atender os papéis: econômico, social (promotor de acesso a alimento nutricional e seguro) e ambiental.
A estrutura também nos convida a repensar paradigmas, como as verdades absolutas de que o solo e o sol são obviamente fundamentais para o desenvolvimento. E o interessante aspecto de que esta novidade não exclui ou substitui a beleza das produções nos campos, pelo contrário, auxilia na sua manutenção, preservação e possibilidade de atender à diversidade de necessidades e disponibilidades!