Márcio Só e Silva
Engenheiro Agrônomo e Pesquisador na Semevinea Genética Avançada de Sementes
O El Niño, fenômeno climático com marca registrada e nome bíblico, mostra sua força com efeitos colaterais terríveis. A previsão de sua ocorrência para esse ano de 2023, foi anunciada desde o ano passado, embora não se pudesse dimensionar sua magnitude naquele momento. Em novembro, vivenciamos um rastro de destruição provocado por ele em cidades e no campo, impactando as economias da região sul do Brasil, com enchentes e tempestades nunca vistas e sentidas pelas populações.
O El Niño deste ano cela de uma vez por todas que as mudanças climáticas não estão para brincadeiras. O aquecimento do oceano pacífico se alastrou pelo mundo fazendo os continentes arderem de calor, com a ocorrência de temperaturas altíssimas nas regiões centrais, norte e nordeste do Brasil. As chuvas no Sul do país totalizaram mais de 2000 milímetros acumulados nesses quase onze meses do ano, volume de água equivalente a uma caixa d’agua de uma residência de 2 mil litros/m². Ou seja, uma coluna de água de 2 metros de altura em cada metro quadrado de área. Imaginem esses volumes de água circulando pelas cidades, rios e barragens. A grande pergunta que nos aflige, diante do peso dos efeitos climáticos na atividade econômica e social, será o impacto que teremos no PIB, em tudo que se produz no nosso país.
O PIB brasileiro em 2023, transformado em valores, pode chegar próximo a 2 trilhões de dólares, ficando uma fatia de pouco mais de 20% para a conta do Agronegócio. Cidades, estradas, lavouras e indústrias vêm sofrendo prejuízos de toda ordem, destruições, deslocamento de populações, logísticas e transportes interrompidos e produtividade no campo despencando.
A safra de inverno no sul do Brasil projetava uma produção de trigo em torno de 10 milhões de toneladas, o que continuaria o ciclo de redução das importações do cereal pelas indústrias moageiras, segundo dados da Conab e da ABITRIGO, respectivamente. Portanto as perdas da conta trigo pelo impacto do fenômeno climático no sul do Brasil deverá atingir 50% da produção, valor próximo de1% do nosso PIB, sem falar nas perdas das demais culturas de inverno e atividades do Agronegócio regional.
No restante do país as ondas de calor devem provocar impactos negativos nas safras de soja e milho, além de atrasarem o calendário de semeadura das 2ª safras de milho e feijão. Nem as lavouras irrigadas estão aguentando as altas temperaturas, colapsando o sistema de suprimento de água pela altíssima demanda evaporativa da atmosfera provocada pelas condições climáticas. Desta forma, devemos ter comprometido o potencial de produção nas lavouras recentemente implantadas, reduzindo as expectativas da safra de grãos de 2024.
O Agronegócio é uma fábrica funcionando a céu aberto, sem telhado, e que possui um turno de trabalho de domingo a domingo sem interrupção. Trabalho desgastante e cansativo que exige, para a atividade, perfil psicológico resiliente, e respeito às fontes de recursos naturais. A segurança alimentar da população de um país, está alicerçada na cadeia de produção campo/cidade, que necessitam atuar em conjunto para melhorar a renda per capita e o PIB, investindo em tecnologia para mitigar e estabilizar os impactos dos fenômenos meteorológicos nesta cadeia.
Ainda há tempo para que sejam estabelecidas as agendas estruturantes a fim de garantir a segurança alimentar. Alguns setores do Agro brasileiro já largaram na frente propondo redução de emissões de gases poluentes e descarbonização da produção. Assim, uma parcela significativa do produto brasileiro se credencia à emissão de créditos de carbono, conceito surgido do Protocolo de Kyoto, em 1997, para certificar e quantificar os esforços de redução dos agentes poluentes para os países alcançarem a estabilização e diminuição do aquecimento global.