Fernando Simoni Bacilieri – Engenheiro agrônomo, doutor e professor do Departamento de Agronomia – UNOPAR – Ponta Grossa (PR) – ferbacilieri@zipmail.com.br
Roberta Camargos de Oliveira – Engenheira agrônoma e pós-doutoranda em Agronomia – Universidade Federal de Uberlândia (UFU) – robertacamargoss@gmail.com
A batata (Solanum tuberosum L.) é o quarto alimento mais consumido no mundo, fornecendo proteínas, carboidratos, fibras, vitaminas e nutrientes. Com o crescimento populacional e a redução da disponibilidade de terras agricultáveis, aumenta a relevância de tecnologias que possibilitem maiores rendimentos por área e qualidade dos produtos colhidos.
Dentre os fatores de manejo que potencializam os resultados do cultivo, o suprimento de nutrientes às plantas merece destaque, pois contribui de forma decisiva para o incremento da produtividade e qualidade do produto colhido, especialmente em culturas altamente responsivas à aplicação de fertilizantes, como a batata que, apesar de apresentar um ciclo relativamente curto, demonstra elevada exigência quanto à presença de nutrientes disponíveis na solução do solo.
Por dentro do solo
A matéria orgânica do solo consiste de uma mistura de compostos em vários estágios de decomposição, que resultam da degradação biológica de resíduos de plantas e animais, e da atividade sintética de microrganismos. Pode ser agrupada em substâncias húmicas e não húmicas, sendo as últimas compostas por compostos com características químicas definidas, tais como polissacarídeos, aminoácidos, açúcares, proteínas e ácidos orgânicos de baixa massa molar.
As substâncias húmicas possuem em sua fórmula estrutural carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio e enxofre e existem naturalmente em solos, turfas, oceanos e águas doces. Não apresentam características químicas e físicas bem definidas, e se dividem em: ácido húmico (AH), ácido fúlvico, ácido himatomelânico e humina, com base nas suas características de solubilidade.
Representam uma fonte de liberação lenta de nutrientes no solo (principalmente nitrogênio, fósforo, potássio e magnésio), contribuem com a maior parte da CTC dos solos, principalmente em solos arenosos, possuem a habilidade de formar complexos com vários íons metálicos e, devido ao seu caráter anfótero, agem como tamponantes das reações do solo em uma ampla faixa de pH. Tais características fazem com que estas substâncias governem a dinâmica e disponibilidade de nutrientes no solo.
Essas substancias influenciam a atividade microbiológica do solo, a qual é responsável por mediar reações de síntese e decomposição de substâncias húmicas, mineralização e imobilização de nutrientes no solo. Além disso, influenciam indiretamente o desenvolvimento das plantas, aumentando ou reduzindo a disponibilidade de nutrientes, agregação e retenção de água no solo.
As substancias húmicas podem agir diretamente nas plantas, facilitando a absorção de nutrientes, aumentando a produção de ATP, clorofila e alterando a atividade enzimática.
Como funciona
O aumento da absorção de nutrientes relacionado à presença de AH em solução tem sido justificado por um possível aumento da permeabilidade da membrana plasmática por meio da ação surfactante das substâncias húmicas e a ativação da H+ – ATPase de membrana plasmática.
O gradiente eletroquímico gerado pela H+ – ATPase de membrana plasmática está diretamente ligado a dois mecanismos fundamentais ao desenvolvimento das plantas: a energização de sistemas secundários de translocação de íons, fundamental para absorção de macro e micronutrientes, e o aumento da plasticidade da parede celular, que possibilita o processo de crescimento e divisão da célula vegetal.
Benefícios
De maneira geral, os ácidos húmicos aplicados ao solo contribuem para a maior capacidade de troca catiônica (CTC), favorecendo a absorção dos nutrientes. Formam complexos orgânicos com macro e micronutrientes, mantendo-os mais estáveis no solo, auxiliam a tamponar o meio (bufferização), estabilizando o pH do solo, melhoram a estrutura e aeração do solo, principalmente em perfis com textura arenosa, liberam o fósforo ligado ao alumínio e estimulam o enraizamento das plantas (inibe a IAA oxidase), mantendo o efeito do hormônio do auxina.
Na literatura, trabalhos relatam que a aplicação de substâncias húmicas afetou ligeiramente o crescimento radicular, aumentou a produção de matéria seca na planta, a absorção e exportação de nutrientes e melhorou o desempenho produtivo da batateira em solo arenoso.
Os AH também agem estimulando o metabolismo primário e vias bioquímicas envolvidas na síntese de compostos secundários, principalmente fenólicos. Há relatos quanto aos benefícios na atividade fotossintética relacionados a um incremento no conteúdo de clorofila e carotenoide, em diversas espécies. Além de hortaliças como a batata e o alho, o efeito foi observado em cereais como o sorgo e frutíferas como a videira.
Os efeitos benéficos nas plantas extrapolam o efeito promotor de crescimento e englobam resposta biológica endógena a efeitos de estresse promovidos pelo ambiente, por meio da união de propriedades dos constituintes da mistura que formam os ácidos húmicos e os produtos comerciais.
Implantação da técnica
Os efeitos fisiológicos específicos de substâncias húmicas em plantas vão depender da fonte, concentração e peso molecular das fracções húmicas aplicadas. Atualmente, existe no mercado uma grande variedade de produtos formulados a partir de matérias-primas distintas, com concentrações variadas de ácidos húmicos na forma sólida ou líquida que podem ser utilizadas em sulco de plantio, na amontoa e/ou via foliar.
Para melhores resultados, os agricultores devem seguir as recomendações da equipe de técnicos dos fabricantes.
Viabilidade
Em geral, pelo valor de seus componentes, a aplicação no campo tem sido ampliada por ser um método eficaz e muito estratégico para melhorar a sustentabilidade agrícola e reduzir o uso de produtos químicos (defensivos).
Vale ressaltar que o efeito causado pela aplicação foliar de AH parece ser menos consistente e relevante do que o observado quando AH são aplicados via solo. Possivelmente o fato esteja relacionado a efeitos dos produtos em aspectos físicos, químicos e biológicos do solo através da sua ação sobre a formação de agregados mais estáveis, consequentemente, sobre a manutenção de solos mais equilibrados para o desenvolvimento das culturas.
Os efeitos positivos no sistema radicular englobam, principalmente, a formação de raízes laterais, raízes adventícias, alongamento radicular e formação de pelos radiculares.
Os AH também alteram as atividades de enzimas, como: sacarase, urease e fosfatase no solo, aumentando o metabolismo das substâncias no solo. Esta mudança na atividade enzimática do solo afeta, sobretudo, a atividade microbiana do solo, com consequente alteração nas associações das raízes com os microrganismos de solo (rizosfera biótica).
Produtividade
A maior parte da produção brasileira de batatas é destinada ao consumo in natura. Entretanto, nos últimos anos observa-se expansão da cadeia produtiva do setor de processamento, especialmente na forma de batata frita, pré-frita e desidratados. Cada uma das finalidades tem suas exigências.
Enquanto para consumo in natura a maior quantidade de tubérculos comestíveis com tamanho e formatos adequados são atributos importantes, para indústria, o acúmulo de matéria seca é decisivo para o melhor rendimento no processamento e qualidade do produto final. Além de possíveis incrementos na produtividade, ganhos em atributos qualitativos podem ser obtidos com tecnologias de manejo nutricional e fisiológico, como os ácidos húmicos.
Erros frequentes
A aplicação conjunta de ácidos húmicos e agroquímicos é realizada com frequência para otimizar processos operacionais. Entretanto, é importante verificar questões de compatibilidade das misturas antes das aplicações. Uma característica importante dos ácidos húmicos é que eles não são solúveis em pH abaixo de 5,0 e o uso de redutores de pH pode influenciar na eficiência dos produtos.
Solos de textura arenosa e com baixos teores de matéria orgânica exigem maiores doses, e normalmente apresentam melhores respostas ao uso dos ácidos orgânicos. Outra questão que influencia na tecnologia é a fase fenológica da cultura no momento da aplicação. A partir do estádio em que as plantas fecham as entrelinhas, fica mais difícil a aplicação dos ácidos húmicos no solo.
Escolha certa
Devido à alteração consistente nas composições dos AH ofertados no mercado, observa-se que a escolha do produto comercial pode ter um efeito significativo nas respostas das plantas.
Seu uso terá ainda mais crescimento à medida que ganha credibilidade entre os agricultores, em especial com a abertura para realização de testes, que são fundamentais para observar a interação dos AH com as demais práticas de manejo em nível de propriedade.
Pelo crescente olhar para uma agricultura mais equilibrada, os AH permitem uma oferta de produtos em combinação variada, com junção de alta tecnologia e técnicas orgânicas (biofertilizantes e organominerais), atendendo as necessidades do mercado.
A adoção de tecnologias como os AH é viável, pois permite otimizar a produção e melhorar a qualidade do produto colhido, o que vem de encontro ao conceito de agricultura moderna e sustentável, que busca o uso mais eficiente de recursos naturais e a preservação do meio ambiente.