Autores
José Marcelo Soman
Biólogo e doutor em Agronomia/Proteção de Plantas – FCA/UNESP
marcelo.soman@unesp.br
Tadeu Antônio Fernandes da Silva Júnior
Engenheiro agrônomo e doutor em Agronomia/Proteção de Plantas – FCA/UNESP
tadeusilvajr@gmail.com
João César da Silva
Engenheiro Agrônomo e mestre em Agronomia/Proteção de Plantas – FCA/UNESP
joaocesar.dsilva@gmail.com
Renate Krause Sakate
Engenheira agrônoma, doutora em Agronomia/Fitopatologia e docente da FCA/UNESP
renate.krause@unesp.br
Antonio Carlos Maringoni
Engenheiro agrônomo, doutor em Agronomia/Fitopatologia e docente da FCA/UNESP
antonio.maringoni@unesp.br
Com a chegada do verão, o consumo de saladas à base de folhas aumenta. Neste cenário, a alface é a hortaliça folhosa mais consumida e plantada no Brasil durante essa época. Nos últimos cinco anos, uma média de aproximadamente 4,0 mil toneladas por mês foram comercializadas no Estado de São Paulo. Porém, com o aumento das temperaturas médias e maiores volumes de precipitação, as condições se tornam favoráveis para o surgimento de doenças.
As doenças bióticas, ou seja, causadas por bactérias, fungos, nematoides e vírus, são fatores limitantes para esta cultura, sendo sua natureza e frequência dependentes do local e das condições ambientais. Enquanto algumas doenças são limitadas em sua importância e distribuição, um número significativo está presente em todas as regiões de cultivo.
Alerta
As doenças bacterianas, como a podridão mole, a mancha bacteriana das folhas, crestamento bacteriano e queima lateral das folhas, apresentam elevada importância para a cultura da alface, especialmente durante o verão, pois são favorecidas por elevadas temperaturas, umidade relativa e precipitação.
Essas condições favorecem a multiplicação e penetração das bactérias nas plantas, sua disseminação e a ocorrência de epidemias nos campos de cultivo. Nessa perspectiva, devemos levar em consideração o manejo integrado de doenças, que além do uso racional dos métodos de controle, deve preconizar todas as etapas da cadeia produtiva, otimizando-as com o objetivo de obter o maior potencial produtivo da cultura, a redução da severidade e incidência das doenças.
Podridão mole
A podridão mole é uma das principais doenças que ocorre durante o transporte e a comercialização da alface, e grandes perdas também podem ocorrer no campo. As perdas estão frequentemente relacionadas a condições de alta umidade, podendo chegar a até 90% em regiões com elevadas taxas de precipitação.
A doença é causada por um complexo de bactérias, com destaque para Dickeya sp., Pectobacterium atrosepticum e Pectobacterium carotovorum subsp. carotovorum. No campo, os sintomas da podridão mole aparecem inicialmente como um rápido murchamento das folhas externas da planta.
A murcha é causada pelo colapso dos vasos condutores e tecidos, que desenvolvem uma coloração rosada a marrom. As plantas são mais suscetíveis próximas ou durante a colheita. Com a progressão da doença, a medula do caule se torna gelatinosa, e toda a cabeça da planta pode se tornar viscosa devido à desintegração dos tecidos foliares. As infecções pós-colheita estão associadas a ferimentos das folhas externas.
As bactérias causadoras da podridão mole estão amplamente disseminadas em todas as regiões produtoras, e são capazes de sobreviver no solo, em água de irrigação e em restos culturais. Elas são facilmente disseminadas por insetos, respingos de água e implementos contaminados, e penetram os tecidos da planta por ferimentos ou aberturas naturais.
As bactérias causadoras da podridão mole se multiplicam rapidamente em condições favoráveis de temperatura (25 – 30ºC).
Mancha bacteriana das folhas
A mancha bacteriana das folhas, causada pela bactéria Xanthomonas campestris pv. vitians, encontra-se disseminada no Distrito Federal e Estados das regiões sul e sudeste. Embora geralmente de menor impacto, pode produzir perdas sob certas condições ambientais, principalmente em regiões de clima quente, uma vez que se desenvolve em temperaturas ótimas de 26 – 28ºC. A bactéria pode sobreviver em restos culturais de plantas infectadas mantidos no campo e saprofiticamente em plantas daninhas.
Os sintomas iniciais da doença são pequenas lesões angulares e encharcadas que ocorrem nas folhas totalmente expandidas, principalmente após longos períodos de chuva ou irrigação excessiva. As lesões assumem uma aparência escura, quase preta, oleosa e frequentemente convergem para uma lesão em forma de “V”.
Sob condições favoráveis, é possível observar o apodrecimento da planta em decorrência da colonização por microrganismos secundários. Plantas infectadas colhidas e embaladas podem sofrer intensa deterioração após a colheita, pela bactéria e/ou por microrganismos secundários.
Embora a mancha bacteriana possa exibir lesões locais visíveis, a bactéria também pode ser translocada pelo sistema vascular das plantas infectadas, sem aparecimento de sintomas. Essa capacidade é importante para a disseminação da bactéria por sementes.
Crestamento bacteriano
O crestamento bacteriano, causado por Pseudomonas cichorii, está presente no Distrito Federal, e no Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. Os sintomas da doença são caracterizados por manchas irregulares na parte interna das folhas, com coloração marrom escura.
Em condições de alta umidade, as folhas mais novas também podem ser afetadas. Quando há coalescência de lesões, os bordos ficam queimados, com coloração escura, e o tecido apresenta-se flácido e podre. Esse apodrecimento pode ser agravado pela colonização de outras bactérias, principalmente aquelas responsáveis pela podridão mole. Estes sintomas podem ser facilmente confundidos com os danos provocados por geadas.
A bactéria causa doença em mais de 45 espécies botânicas diferentes, com destaque para chicória, endívia, couve, couve-flor, crisântemo, fumo e salsão. P. cichorii pode sobreviver em solo, especialmente em áreas com restos culturais de alface infectados. Sementes, mudas, hospedeiros alternativos e insetos também podem ser fontes de inóculo.
A umidade é o principal fator para o desenvolvimento do crestamento bacteriano, além de temperaturas entre 5 – 35ºC, com um ótimo entre 20 – 25ºC. Em condições da baixa umidade a queima das folhas é de menor intensidade, se tornando enrugadas e encarquilhadas. Dependendo das condições climáticas, os sintomas da doença aparecem 30 horas a cinco dias após a penetração da bactéria na planta.
Queima lateral das folhas
A doença é causada por Pseudomonas marginalis, estando presente na região sudeste, e apresenta grande importância em condições de elevada umidade relativa. Os sintomas são caracterizados por murcha nas margens das folhas, que frequentemente coalescem, progredindo para baixo, ao longo das nervuras.
Pequenas lesões avermelhadas estão distribuídas no limbo foliar e na extensão das nervuras. Os tecidos infectados apresentam coloração marrom, seca e com aspecto de papel. Sob condições de elevada umidade pode haver a presença de exsudação bacteriana a partir das nervuras infectadas.
A bactéria diferencia-se de P. cichorii por apresentar capacidade de apodrecer os tecidos da planta, devido à sua alta capacidade de produção de enzimas pectinolíticas, que destroem a parede celular dos tecidos da planta. Por este fato, em condições de alta umidade a doença atinge a medula e pode causar podridão da base das plantas.
As principais fontes de inóculo da bactéria nos campos de cultivo são: solo infestado, restos culturais infectados e hospedeiros alternativos, como couve, chicória, pepino, endívia, alho e cebola.
Métodos de controle
O controle de doenças bacterianas em alface é difícil e possui custo elevado, uma vez que os sintomas são percebidos quando o patógeno já se encontra instalado na cultura. Sendo assim, os produtores devem adotar o manejo integrado de doenças a fim de reduzir o estabelecimento de bactérias, assim como sua disseminação. O uso de sementes e mudas de elevada qualidade fitossanitária é recomendado.
A irrigação por aspersão deve ser evitada sempre que possível, ou ser efetuada durante o período da manhã para secagem da planta durante o dia. Este tipo de irrigação também deve ser evitado nos períodos próximos à colheita. Tratos culturais não devem ser realizados quando as plantas estão molhadas devido ao alto risco de contaminação de plantas sadias por contato.
Em cultivos hidropônicos com plantas infectadas deve ser realizada a limpeza de todo o sistema, com o descarte da solução nutritiva, limpeza do tanque e uso de mudas sadias. No pós-colheita, o manejo de doenças bacterianas é baseado na refrigeração da alface logo após a colheita, em temperaturas em torno de 5ºC durante o transporte e armazenamento.
Cultivos protegidos devem ser bem ventilados, permitindo a secagem das plantas. Recomenda-se a incorporação de restos culturais ao solo em áreas com histórico de ocorrência de mancha bacteriana foliar e crestamento bacteriano. Em casos de podridão mole, os restos culturais devem ser eliminados, evitando que sejam enterrados, uma vez que o período de sobrevivência dessas bactérias no solo é relativamente alto.
A rotação de culturas com gramíneas é capaz de diminuir a sobrevivência das bactérias no solo. Os plantios devem ser realizados em solos com boa drenagem e a adubação nitrogenada deve ser equilibrada. Não existem defensivos agrícolas registrados para o controle de doenças bacterianas na cultura da alface.