Helena Ferreira Lage
Doutora em Nutrição Animal e professora adjunta no Centro Universitário Newton Paiva
Na formulação de dietas para vacas leiteiras são utilizados quatro tipos de ingredientes: os alimentos volumosos (com mais de 18% de fibra bruta na sua composição), concentrados (menos de 18% de fibra bruta), suplementos minerais/vitamínicos e aditivos.
No “grupo” dos concentrados, encontram-se aqueles classificados como proteicos (mais de 20% de proteína bruta) e outros classificados como energéticos (menos de 20% de proteína bruta).
Tradicionalmente, o milho é utilizado como fonte de energia e o farelo de soja como fonte de proteína. A utilização do caroço de algodão, por suas características únicas descritas a seguir, tem se consolidado cada vez na formulação de dietas para vacas leiteiras.
Energia
Vacas muito produtivas apresentam alta demanda de energia e esta alta exigência normalmente é atingida pela alta inclusão de amido em suas dietas, sendo o milho grão a principal fonte de amido utilizada.
O amido é um carboidrato altamente digestível (isto é, muito aproveitado pela vaca). Sendo assim, parece lógico pensar que a inclusão de amido deve ser a maior possível para garantir maior produtividade. Entretanto, não é bem assim…
A alta inclusão de amido nas dietas de bovinos pode resultar em uma grande quantidade de ácidos orgânicos produzidos no rúmen, podendo favorecer a ocorrência de acidose rumenal.
Tem-se aqui, portanto, um impasse: uma vaca que produz muito leite precisa de muita energia, que normalmente é obtida por uma maior inclusão de amido na sua dieta, mas o excesso de amido pode favorecer a ocorrência de desordens metabólicas, como a acidose.
Como, então, fornecer grandes quantidades de energia para uma vaca muito produtiva e ao mesmo tempo garantir a saúde deste animal? O caroço de algodão pode colaborar na solução deste problema!
Solução
O cultivo do algodão tem como principal objetivo a produção da pluma, que é destinada para a indústria têxtil. Como coprodutos deste cultivo podemos citar a produção do caroço, farelo e torta gorda de algodão, ingredientes largamente utilizados na nutrição de bovinos.
O caroço de algodão apresenta as seguintes estruturas: 36% de línter, 6% de casca e 58% amêndoa. O línter e a casca são ricos em fibra e a amêndoa em óleo e proteína. Ou seja, o caroço de algodão é um alimento único, pois tem características de um volumoso (fibra) e de concentrados (energia e proteína).
A utilização do caroço de algodão permite o aumento do teor energético de uma dieta sem alterar negativamente a fermentação no rúmen, devido ao alto teor de fibra que este alimento contém.
Além de aumentar a energia e a fibra da dieta, fornece também proteína. A composição do caroço de algodão é apresentada na tabela 1 juntamente com a composição do milho grão e farelo de soja para efeito de comparação.
Tabela 1. Composição bromatológica do caroço de algodão, farelo de soja e milho grão.
MS: Matéria Seca; PB: proteína bruta; FDN: Fibra insolúvel em detergente neutro; EE: extrato etéreo; NDT: nutriente digestíveis totais (análise atribuída ao valor energético do alimento). Valadares Filho (2002)
O caroço de algodão apresenta alto percentual de energia (NDT – nutrientes digestíveis totais). Observa-se a superioridade no teor energético (%NDT) do caroço em relação ao milho e farelo de soja, e isto se deve essencialmente à grande quantidade de óleo (%EE) na amêndoa.
Esta é uma das principais características que o diferem do milho: enquanto este fornece energia na forma de amido, o caroço de algodão fornece sua energia na forma de óleo. A inclusão de óleo, se bem conduzida dentro dos limites de recomendação, pode favorecer a manutenção de um ambiente rumenal mais saudável, porque enquanto a fermentação de amido no rúmen pode favorecer a ocorrência de acidose ruminal pela elevada produção de ácidos orgânicos, o mesmo não ocorre com as gorduras.
Além disso, o caroço estimula a mastigação e a ruminação, devido ao alto teor de fibra, que contribui para a maior produção de saliva e consequente manutenção do pH ruminal mais adequado, por possuir alta efetividade da fibra.
O conceito de efetividade da fibra está relacionado com a capacidade do alimento em estimular a ruminação. O estímulo da ruminação é importante, pois quanto mais a vaca rumina, mais ela produz saliva que, por sua vez, possui bicarbonato de sódio que garante maior tamponamento por neutralizar os ácidos produzidos na fermentação no rúmen.
Normalmente, a capacidade de estímulo de ruminação é atribuída aos alimentos volumosos (forragens), como feno ou silagens. De fato, o feno fornecido em partículas longas é classificado como o alimento com maior capacidade em estimular a ruminação (100%).
Atenção
Mas, nem tudo é perfeito. A utilização do caroço de algodão nas dietas é limitada por dois motivos. O primeiro é que gorduras não podem ser utilizadas em excesso na dieta de vacas leiteiras como fonte de energia.
A inclusão de óleos e gorduras em quantidades superiores a 6,0% da matéria seca total consumida pela vaca pode promover efeitos negativos na degradabilidade da fibra da dieta e, em alguns casos específicos, redução no percentual de gordura do leite.
Em segundo lugar, o caroço de algodão possui um componente chamado gossipol. Para touros utilizados como reprodutores, o caroço de algodão não deve ser fornecido, pois sua utilização está associada com a redução da fertilidade de machos.
Da mesma forma, o uso deste ingrediente deve ser evitado em bovinos que não são ruminantes ativos, sendo fornecido preferencialmente após os 120 dias de idade em quantidade máxima equivalente a 0,3% do peso vivo do animal/dia.
Como funciona
Normalmente, a capacidade de estímulo de ruminação é atribuída aos alimentos volumosos (forragens), como feno ou silagens. De fato, o feno fornecido em partículas longas é classificado como o alimento com maior capacidade em estimular a ruminação (100%).
O caroço de algodão é classificado como uma fonte de fibra não-forrageira, que possui um fator de efetividade da fibra muito próxima à de forragens. Esta efetividade é garantida pela presença do línter e da casca do caroço do algodão.
Quando chega ao rúmen, o caroço de algodão “flutua” e irá compor uma camada do rúmen chamada de colchão fibroso (um “emaranhado” de fibras e partículas maiores e menos densas), que é responsável por estimular a ruminação.
Sem o línter e a casca o estímulo para ruminação não é observado, pois a ausência de tais estruturas não garante a flutuação e assim, o caroço de algodão escapa do colchão fibroso, “afundando” no rúmen. A implicação prática desta informação é a de que o caroço de algodão deve ser fornecido inteiro e com línter.
Uma dica
Ao utilizar caroço de algodão na formulação de dietas totais para vacas leiteiras, fique atento com a homogeneidade da mistura. A presença do línter no caroço de algodão tende a formar “aglomerados de caroço” difíceis de serem incorporados na mistura da dieta total de forma homogênea. Se a mistura não é bem-feita, a vaca (que é um animal muito seletivo) tende a não ingerir o caroço, pois o mesmo apresenta menor palatabilidade em relação aos outros ingredientes utilizados.