A produção de café sombreada por florestas ou outras culturas que tenham esse efeito é classificada com vantajosa, uma vez que as interferências climáticas, excesso de sol e ventos são minimizados, fazendo com que a qualidade e a uniformidade do grão sejam superiores, o que amplia a margem de lucro
O café sombreado, ou arborizado, não é novidade. Em países da América Central, como Costa Rica e Honduras, o uso dessa opção na cafeicultura já é consolidado. Os produtores desta região já compreenderam os benefícios para a produção, qualidade e sustentabilidade da opção.
No Brasil já houve, nas décadas de 80 e 90, algumas tentativas de sombreamento das áreas de produção. Porém, não houve seguimento, devido a frustrações na produtividade e falta de conhecimento da melhor forma de se consorciar.
Mas, para João EmÃlio, engenheiro agrônomo e gerente geral da Fazenda Atlântica Agro, nos próximos anos haverá um aumento significativo na temperatura das principais regiões produtoras de café. “Portanto, enquanto se pesquisam plantas de café aptas para essa nova realidade, a melhor opção é sombrear a lavoura, sendo que o mogno africano (Khaya ivorensis) tem aparecido como uma das melhores opções“, sugere.
Ano |
Mogno |
Café |
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SaÃdas |
Entradas |
SaÃdas |
Entradas |
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1º |
R$ 81.000,00 |
– |
R$ 1.000.000,00 |
– |
2º |
R$ 6.000,00 |
– |
R$ 800.000,00 |
R$ 380.000,00 |
3º |
R$ 6.000,00 |
– |
R$ 800.000,00 |
R$ 1.520.000,00 |
4º |
R$ 6.000,00 |
– |
R$ 800.000,00 |
R$ 1.520.000,00 |
5º |
R$ 1.500,00 |
– |
R$ 800.000,00 |
R$ 1.520.000,00 |
6º |
R$ 1.500,00 |
– |
R$ 800.000,00 |
R$ 1.520.000,00 |
7º |
R$ 1.500,00 |
– |
R$ 800.000,00 |
R$ 1.520.000,00 |
8º |
R$ 750,00 |
– |
R$ 800.000,00 |
R$ 1.520.000,00 |
9º |
R$ 750,00 |
– |
R$ 800.000,00 |
R$ 1.520.000,00 |
10º |
– |
– |
R$ 800.000,00 |
R$ 1.520.000,00 |
11º |
– |
– |
R$ 800.000,00 |
R$ 1.520.000,00 |
12º |
– |
– |
R$ 800.000,00 |
R$ 1.520.000,00 |
13º |
– |
– |
R$ 800.000,00 |
R$ 1.520.000,00 |
14º |
– |
– |
R$ 800.000,00 |
R$ 1.520.000,00 |
15º |
– |
R$ 40.500.000,00 |
R$ 800.000,00 |
R$ 1.520.000,00 |
Total |
R$ 105.000,00 |
R$ 40.500.000,00 |
R$ 12.200.000,00 |
R$ 20.140.000,00 |
Resultado líquido do mogno |
R$ 40.395.000,00 |
LÃquido café |
R$ 7.940.000,00 |
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83,50% |
16,50% |
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Resultado total líquido: R$ 48.335.000,00 |
A explicação
Marcos José Perdoná, engenheiro agrônomo, doutor e pesquisador do Polo Centro-Oeste/APTA, lembra que temperaturas elevadas prejudicam o desempenho vegetativo e reprodutivo do cafeeiro, e que regiões com faixas de temperaturas médias variando entre 18 a 22ºC são consideradas as mais adequadas ao seu cultivo.
“Temperaturas acima de 30ºC podem provocar amarelecimento e “escaldadura“ na folhagem, além de má formação dos botões florais ou “estrelinhas“, diminuindo a produtividade. Na atualidade, países como Etiópia, Indonésia, Nova Guiné, México, Nicarágua, Costa Rica, El Salvador, Peru, Panamá e Guatemala utilizam árvores para sombrear os cafezais“, relata.
Já no Brasil, o cultivo a pleno sol ou café solteiro é a principal modalidade de cultivo. No ano de 2006, a pesquisadora Aureny lunz montou ensaios na ESALQ para determinar o grau de sombreamento em que se possa produzir o máximo de café.
O nome do seu trabalho é: “Crescimento e produtividade do cafeeiro sombreado e a pleno sol“. Ela concluiu que 30% a menos de irradiação direta do sol seria a quantidade ideal para haver equilíbrio entre a produtividade máxima e a qualidade do café. A pesquisadora Danielle Baliza fez um trabalho similar em Lavras, no ano de 2011, e chegou a resultados parecidos com os da Dra. Aureny, mostrando uma tendência.
Opções em consorciação
As opções para provocar o sombreamento na cultura são inúmeras e devem ser escolhidas de acordo com o solo, clima, relevo e objetivo final do produtor, que pode ser geração de renda a curto ou longo prazo, e adubação verde. Dentre as principais culturas, Felipe Lacerda Hayashi, graduando em Agronomia na Universidade Federal de Lavras (UFLA), membro do Núcleo de Estudos em Cafeicultura ” NECAF, destaca o mogno africano (Khaya Ivorensis), o cedro australiano (Toona ciliata M. Roem), banana (Musa sp. var. Prata Comum), pau pereira (Platycyamus regnellii), seringueira (Hevea brasiliensis), feijão (Phaseolus vulgaris), crotalária (Crotalaria juncea), feijão guandu (Cajanus cajan), mamão (Carica papaya), abacate (Persea americana), macadâmia (Macadamia intergrifólia) como opções que não prejudicam o desenvolvimento do cafeeiro, com o sombreamento não ultrapassando 25% (condição favorável ao desenvolvimento do café).
“O mogno africano é uma espécie arbórea de alto valor econômico, gerando renda ao produtor; sombreamento ao cafeeiro, e com ele todas as suas vantagens. Um aspecto peculiar é que o mogno tem raízes mais profundas e com isso absorve água e nutrientes (maior aproveitamento de adubos e fertilizantes) em profundidades não aproveitadas pelo café, além de auxiliar na infiltração e absorção de água. Também aumenta o teor de matéria orgânica no solo, devido às folhas e restos culturais do mogno que são decompostos no solo (ciclagem de nutrientes); melhora a conservação do solo e reduz o risco de erosão; de ocorrência de pragas, doenças e plantas invasoras“, detalha Felipe Lacerda.
Manejo
O plantio do mogno africano e do café deve ser feito em função do produto principal, que, caso seja o café, deve respeitar o espaçamento desta cultura e adequar o espaçamento do mogno africano.
Felipe Lacerda explica que o manejo nutricional é feito apenas levando-se em conta o café, devido à cultura ser mais exigente que o mogno. Assim sendo, a adubação do mogno é suprida pela do café. Se o plantio de mogno for na linha de café, o manejo de mato também é feito normalmente, como se fosse apenas para a cultura do café.
O tempo de corte para o mogno está estimado em cerca de 18 anos, e o café produzirá a partir do segundo ano. Assim, ele recomenda que a colheita do café seja feita de forma natural no ano de colheita do mogno, até os 18 anos, sendo que para o corte do mogno será necessário o arranquio de algumas ruas para retirada da madeira.
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Vantagens sem fim
Vânia Aparecida Silva, doutora e pesquisadora da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais/Unidade Regional EPAMIG Sul de Minas, enfatiza que há vantagens imensuráveis na consorciação de café com florestas, e enumera algumas, a seguir:
“¢ Redução da temperatura média e amplitude térmica: as arbóreas formam dossel que cobre parcial ou totalmente a área do cafezal, interceptando parte da radiação que chega à superfície durante o dia, reduzindo a energia líquida disponível que aquece o ar e o solo e, portanto, a temperatura média diurna.
A amplitude térmica é minimizada, porque o sombreamento pode, além de reduzir as temperaturas máximas, aumentar as temperaturas mÃnimas. Ànoite, as copas das árvores interceptam a radiação emitida pela superfície e a emitem de volta, impedindo o resfriamento da superfície do solo e dos cafeeiros.
Assim, em noites com geadas as temperaturas das folhas das plantas protegidas podem permanecer entre 1 e 4ºC mais elevadas.
“¢ Extensão do tempo de maturação: a maturação é conduzida por vias metabólicas catalisadas por enzimas, as quais têm a sua ação afetada por fatores ambientais, como a temperatura e a radiação. Com isso, a redução da temperatura e o excesso de radiação pelo sombreamento podem desacelerar os processos metabólicos, o que pode culminar em taxas de crescimento e acúmulo de matéria seca mais lentas.
Isso propicia ao fruto condições para desenvolver as propriedades organalépticas que conferem qualidade à bebida. Assim, os grãos podem apresentar peneiras maiores, boa formação e melhor qualidade de bebida.
“¢ Demanda hÃdrica: a demanda hÃdrica de uma lavora de café sombreada vai depender da densidade de plantio, condições edafoclimáticas da região e das características da espécie arbórea, como sistema radicular, hábito de crescimento e necessidade hÃdrica.
Em regiões com altas temperaturas e baixa precipitação, espécies que possuem sistema radicular localizado na mesma faixa de absorção do cafeeiro e grande necessidade hÃdrica podem causar competição severa por água.
Por outro lado, espécies com sistema radicular pivotante e profundo, com boa eficiência de uso de água e em densidades adequadas podem contribuir para atenuar o microclima na lavoura, reduzindo a demanda hÃdrica do cafeeiro.
“¢ Redução da incidência de ventos: em lavouras expostas à ação dos ventos, a implantação de árvores distribuÃdas ou em renques pode contribuir para reduzir os ventos, devido à barreira física criada pelas arbóreas, que funcionam como “quebra-ventos“.
O cafeeiro é sensÃvel à ação dos ventos, que possuem efeito dessecante, pois aumentam a transpiração e agravam problemas de deficiência hÃdrica em épocas ou regiões mais secas. Nesse sentido, prevê-se também redução de danos mecânicos às folhas do cafeeiro, que são portas de entrada para fungos e bactérias.
A identificação da direção predominante dos ventos é importante para garantir os efeitos benéficos dos renques, sendo que devem ser instalados, se possível, em direção perpendicular aos ventos que prejudicam a lavoura.
“¢ Aumento do teor de matéria orgânica: a consorciação proporciona aporte de matéria orgânica, por meio da adição de serrapilheira, que consiste de restos de vegetação, como folhas, ramos, caules e cascas de frutos em diferentes estágios de decomposição.
Assim, há melhoria ou manutenção da fertilidade do solo pela capacidade de reciclagem de nutrientes. Seu efeito sobre a conservação da umidade e temperatura do solo diminui as perdas de nitrogênio por volatilização. A incorporação de matéria orgânica favorece também a biologia e a microbiologia do solo.
“¢ Diminuição da bianualidade do café: o cafeeiro, quando cultivado a pleno sol, exibe anos de alta e baixa produção. Em anos de alta, a superprodução de frutos atua como um forte dreno de metabólitos e esgota as reservas das plantas, comprometendo o crescimento e a produtividade do ano seguinte.
A arborização pode reduzir a emissão de botões florais e tamponar essa oscilação produtiva do cafeeiro, evitando a superprodução e favorecendo a manutenção da produtividade ao longo dos anos.
Aposta que deu certo
MarcÃlio Barcelos Rezende é técnico agropecuário e assiste a produção de café da Fazenda Guaiçara, localizada no município de Piumhi (MG), onde estão instalados 510 hectares de café e outros 140 hectares em consórcio com mogno, sistema que foi adotado há seis anos. “Começamos com esse projeto porque tÃnhamos uma área com sérios problemas de nematoide, o que inviabilizava totalmente o plantio de café. Por isso, plantamos nessa área o mogno, até que dois anos depois a Epamig concluiu uma pesquisa com uma cultivar de café resistente a nematoide, a IPR 100. Depois disso, voltamos a plantar café na área infestada por nematoide, desta vez embaixo do mogno“, conta.
MarcÃlio optou pela floresta no espaçamento 6 m por 60 m. Dessa forma, quando o café entrou no sistema de consorciação, a lavoura mostrou excelente desempenho. “Acompanhamos resultados de pesquisas e vimos que, para plantar café com mogno, é preciso diminuir a população. Agora, plantamos no máximo 100 plantas por hectare para não interferir na produtividade da lavoura de café“, pontua ele, que aprendeu com a teoria aliada à prática.
Atualmente, são quatro fileiras de café e uma com café e mogno. O espaçamento da lavoura de café é de 3,5 m por 0,60 m, e de mogno de 14,5 m x 6 m, o que resulta em 103 árvores por hectare.
A colheita é mecanizada nas três linhas, e na linha que tem o mogno é semimecanizada, com um ‘batedor’ que joga o café no chão para ser catado em seguida. A produção não é irrigada, e mesmo assim, depois que começaram a plantar em consórcio, perceberam a planta do café muito mais sadia e verde.
A quantidade de defensivos aplicados também diminuiu, pois o café do consórcio fica mais resistente. “Em época de seca, como a que estamos, é nÃtida a diferença entre as lavouras, pois a que não tem mogno está sentindo muito. O diferencial de produtividade ainda não foi contabilizado, pois estamos colhendo a primeira safra do café de consórcio, mas acredito que será maior“, prevê MarcÃlio.
Com tantos bons resultados, toda área nova já começa com café e mogno, até que toda a fazenda seja consorciada. Quanto à adubação, o mogno ‘pega de graça’ toda a adubação aplicada no café.