A crise dos insumos agrícolas já afeta a safra 2022/23 e uma possível intensificação dos problemas é motivo de preocupação para o agronegócio brasileiro. Isso se deve ao fato de que boa parte das matérias-primas que compõem fertilizantes e defensivos agrícolas utilizados em território nacional são importadas da China, Rússia e Índia. Por sua vez, esses países vêm enfrentando obstáculos para manter o ritmo de produção, além de estarem limitando os embarques pela necessidade de priorizar o abastecimento local. Além disso, as rupturas na cadeia de suprimentos, a inflação e os custos de produção da atividade, em patamares cada vez mais elevados, devem aumentar ainda mais em consequência do conflito entre Rússia e Ucrânia no Leste Europeu.
Dr. Bob Fairclough, Especialista em Tendências Globais da Kynetec, empresa de pesquisa de mercado especializada em saúde animal e agricultura, destaca que os produtores de todo o mundo estão percebendo que há um desafio na cadeia de suprimentos e que nem sempre poderão contar com insumos que desejam e na época mais adequada. “O problema é mais agudo nas Américas, mas o novo cenário internacional pode trazer reflexos mais intensos também em outras localidades”, alerta.
Fairclough pontua que atualmente nos EUA os estoques podem ser considerados baixos, especialmente para herbicidas à base de glifosato, glufosinato, dicamba, 2,4-D e atrazina; e para os inseticidas bifentrina e lambda-cialotrina. Já no Canadá, há registros da falta de glifosato. No Brasil, por sua vez, os produtores relatam o desabastecimento de atrazina, diquat e cada vez mais de glifosato. Fora das Américas, embora os níveis de estoque estejam mais baixos que o usual, ainda não há uma situação de desabastecimento que acarretaria em uma crise de insumos.
No entanto, Camila Guimarães que lidera a área de negócios Crop Subscription da Kynetec Brasil, afirma que o cenário internacional é desafiador para o agronegócio brasileiro, considerando não somente o desabastecimento, mas também a alta dos preços. Isso porque os insumos agrícolas, a depender do cultivo, podem representar até 60% do custo de produção atualmente e, sendo o país tão dependente das importações, é fortemente impactado pela oferta restrita e elevação de preços. Este cenário reflete mudanças no comportamento de adoção dos agricultores no ciclo 2022/23, além de desafiar as margens da atividade no campo. “Mais do que nunca a palavra eficiência operacional deverá fazer parte do agronegócio brasileiro. Todos que atuam na cadeia agro, passando por indústrias de insumos, canais de distribuição, produção agrícola e tradings, devem buscar melhoria de processos”, diz Camila Guimarães.
Desta forma, para se manter como importante mercado produtor de alimentos e gerador de riqueza, o agronegócio brasileiro deverá se reinventar, buscando aumentar a capacidade local de produção de fertilizantes, além de um uso mais inteligente dos insumos agrícolas.
Alguns dados sobre o momento – Dados levantados pela Kynetec revelam diferentes nuances sobre a situação. No caso dos fertilizantes de solo, a oferta está limitada globalmente, na atual safra, devido às crises energéticas tanto na Ásia quanto Europa, reduzindo as cotas de exportação. Outro agravante é a falta de containers que ainda repercute nos preços dos fretes marítimos. Entre o janeiro de 2021 e janeiro de 2022, os preços em reais por tonelada de alguns desses insumos, como MAP, KCl e Ureia, aumentaram acima de 140%, como mostram dados de levantamento no MT da CONAB, com risco de crescimento futuro. No caso dos defensivos, o preço de importação de diversas moléculas como glifosato, acefato, atrazina, malathion está mais caro pela falta de suprimentos, com um acréscimo em reais que foi de 13,0 a 77,1%, entre janeiro e outubro de 2021, para acefato e glifosato, respectivamente (de acordo com estudo e consolidação da Kynetec, com base em informações de ComexStat, Cogo e desk research). Assim, com o aumento nos custos desses insumos, espera-se um maior custo de produção para as indústrias sementeiras, o que deve ser repassado ao agricultor. Com a alta da inflação neste cenário, espera-se uma evolução de preços das sementes ao redor de 20,0 a 25,0%.
O custo de produção dos itens de nutrição vegetal também sofreu um reajuste intenso, considerando a limitação de oferta e preços de algumas de suas matérias-primas. No entanto, apenas parte desse valor deve ser repassado para a ponta durante a temporada 2022/23, sinalizando um aumento de preços na ordem de 20%.
Já os biodefensivos devem sofrer menor impacto. Com a produção concentrada na indústria nacional e local, e domínio dos players sobre o suprimento de micro e macro-organismos, espera-se um menor aumento de preços frente a outros mercados. A variação deverá ser fruto do aumento de inflação e da demanda mais aquecida pelos bioprodutos, principalmente aqueles com potencial de substituição parcial dos químicos.
A Líder de Crop Subscription da Kynetec Brasil enfatiza ainda que as turbulências no cenário internacional, em especial relacionadas ao conflito entre a Rússia e a Ucrânia, podem agravar a crise global de insumos agrícola e elevar ainda mais esses números. “O acesso ao petróleo e ao gás natural da região da Ucrânia certamente será afetado por uma indisponibilidade temporária ou permanente. E além do petróleo, trigo e milho já registram forte alta em suas cotações, uma vez que a região é importante produtora e exportadora dessas commodities e uma possível redução de oferta reajusta os preços para cima. Há também importantes plantas de fertilizantes na região, que provavelmente terão sua produção afetada. Rússia e Belarus respondem por aproximadamente um quarto dos fertilizantes importados pelo Brasil, o que traz um risco direto e imediato para o Agro nacional”, completa.
Possíveis soluções – A longo prazo, não há dúvidas de que o agronegócio brasileiro tem tecnologia para implementar técnicas que possibilitem substituir, ao menos parcialmente, insumos químicos por orgânicos e organominerais, diminuindo a dependência das importações. No entanto, a curto prazo, a solução não é tão simples.
Camila Guimarães explica que em algumas classes de insumos, como biodefensivos, fertilizantes foliares e biofertilizantes, a indústria nacional tem condições de se adaptar e suprir mais fortemente a demanda. Isso porque são produtos que contam com participação maior de matérias-primas de origem nacional, alguns até com matriz de produção 100% local. “Mas é preciso ter em mente que quanto mais complexo é o produto, mais complexa é sua cadeia de suprimentos, envolvendo matérias-primas de diferentes regiões do mundo. Neste cenário, a maioria dos insumos agrícolas está em cadeias globais, por conta da disponibilidade de minérios e gás natural, por exemplo”, detalha. “Isso reforça nossa visão sobre o possível redirecionamento de produtores rurais brasileiros em busca de fontes locais de nutrição ou de técnicas de manejo que visem o uso mais inteligente de insumos”, finaliza.