Roberta Camargos de Oliveira
robertacamargoss@gmail.com
Fernando Simoni Bacilieri
ferbacilieri@zipmail.com.br
Engenheiros agrônomos e doutores em Agronomia – Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
O alho (Allium sativum L.) é apreciado e consumido no mundo inteiro. Os bulbos são utilizados para fornecer sabor e aroma aos alimentos e auxiliar na manutenção da saúde, principalmente devido às propriedades antioxidantes, compostos fenólicos e altos níveis de outros componentes com importante ação no organismo humano.
Inclusive, contêm selênio (importante para a saúde do cérebro), aminoácidos livres e substâncias com propriedades antimicrobianas, sendo capazes de inibir o desenvolvimento de mais de 300 espécies de microrganismos.
O Brasil consome cerca de 360.000 toneladas de alho, sendo 47% produzido em território nacional e o restante importado, principalmente da China, seguido de Argentina e Espanha.
A cultura ocupa ao redor de 14 mil hectares e estima-se que do total produzido nestas áreas, 20% dos bulbos são destinados para os plantios e bulbos que são impróprios para o mercado. A produtividade média varia entre 12 a 16 t ha-1 (Goiás e Minas Gerais) e 5,0 a 9,0 t ha-1 (região sul).
Avanços
Nos últimos anos, a ciência tem revelado muitos avanços no conhecimento, e uma descoberta importante refere-se ao ‘segundo cérebro’ humano (intestino), sendo o microbioma intestinal elementar para a manutenção da saúde, responsável pela produção de diversas substâncias, transferência de nutrientes e modulação do sistema imunológico.
A alicina, uma das moléculas bioativas em alho, fortalece o ‘segundo cérebro’, ao participar favoravelmente na renovação e nas características de desenvolvimento (vilosidades, altura e profundidade) da camada de epitélio intestinal, melhorando assim a capacidade do sistema digestivo, aumentando a absorção e assimilação nutricional e a supressão de população de microrganismos maléficos.
Para atender em produção e qualidade nutricional, ou seja, a adequada formação pelas plantas destes compostos desejáveis, é fundamental que os manejos das lavouras sejam direcionados para maximizar a fisiologia da planta por meio do adequado fornecimento do aporte de nutrientes para as plantas.
Adubação
Os nutrientes devem ser fornecidos por meio de fontes adequadas em quantidades e formas, de forma a atender a demanda do desenvolvimento das plantas (seguindo a marcha de absorção de nutrientes e potencial de assimilação, de acordo com as condições climáticas e o estágio dentro do ciclo), garantido assim que as plantas tenham a quantidade compatível dos nutrientes necessários para altos rendimentos.
As plantas de alho requerem grandes quantidades de nutrientes, o que gera, muitas vezes, aplicações de doses bastante elevadas na cultura. A resposta em produção estimula o investimento, porém, a prática recorrente de doses pesadas pode causar vários problemas, desbalanço geral entre macro e micronutrientes e impactos ambientais significativos em relação à lixiviação, percolação, salinização que contamina a água e o solo e a supressão da microbiota benéfica, que nutre a rede de comunicação entre as plantas.
Para minimizar os impactos de ordem ecológica e promover melhor ambiência para as plantas, frações orgânicas, de diversas origens, têm sido propostas para fazer parte do sistema da cadeia produtiva do alho.
Os componentes orgânicos associados a frações minerais formam os organominerais (OM), que possibilitam a liberação lenta dos nutrientes, sendo considerada uma estratégia de longo prazo e com vantagens mais complexas (ordem física, química, biológica) e com resultados mais lentos em relação à aplicação do manejo químico tradicional.
Quem são eles
A tecnologia OM considera a reciclagem de substâncias de natureza, estruturas e composição diversas, promovendo uma disponibilidade de grande quantidade de diferentes fontes orgânicas (agronômicas, industriais e urbanas) em combinações com doses ajustadas de minerais.
Tal diversidade de produtos possíveis contribui para ampliar a resiliência dos sistemas agrícolas.
Características e qualidades
As frações orgânicas são constituídas de estruturas de ácidos fúlvicos (AF), ácidos húmicos (AH) e huminas (HN). Para ser considerado OM, o fertilizante deve apresentar um mínimo de 8% de carbono orgânico total, de acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
Os fertilizantes OM podem ser classificados em sólidos (farelos ou granulados), para aplicação no solo, fluidos para aplicação no solo, líquidos para aplicação foliar e líquidos para aplicação em fertirrigação.
Dentro da legislação e normativas, em cada uma das classes há a definição de condições mínimas a serem cumpridas, em destaque: quantidade de carbono orgânico; umidade máxima; CTC mínimo; teores de macronutrientes primários isoladamente (N, P, K) e em misturas (NP, NK, PK ou NPK); macronutrientes secundários e micronutrientes isoladamente ou em misturas.
Na resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), além da forma de aplicação, é considerada a origem dos resíduos, teor de impurezas, patógenos, coliformes e metais pesados. Há, também, políticas públicas que regem o setor de fertilizantes OM visando a qualidade do produto que os agricultores irão receber.
Ação no solo
Alguns OM possuem aumento da solubilidade do fósforo com a presença de matéria orgânica, devido à formação de complexos favoráveis à absorção pelas plantas e à interação diferenciada entre as partículas do fertilizante OM e as partículas do solo, que formam uma proteção ao fósforo, a qual reduz a capacidade do solo em fixar fosfato.
OM’s promovem diferenças na dinâmica do solo, de acordo com o comportamento, formação, composição e propriedades das frações orgânicas e das propriedades do solo (origem, manejo, histórico de uso e condições climáticas).
Mais produtividade
A presença de frações orgânicas desempenha um papel importante na determinação da mobilidade e biodisponibilidade de nutrientes orgânicos/inorgânicos; melhora a vida biológica do solo, aumentando as populações de microrganismos benéficos do solo e possibilita melhorias na retenção de umidade e aeração do solo, reduzindo problemas com compactação.
Os componentes orgânicos do OM também estão envolvidos em mecanismos vegetais, estimulando o crescimento das plantas, gerando diversos efeitos positivos na fisiologia da planta, arquitetura radicular e distribuição/direcionamento das raízes entre as partículas do solo.
Classificação do alho
Oliveira et al. (2021) avaliaram o uso de fertilizante OM aplicado ao solo em diferentes doses (100%, 80%, 60% e 40% da dose recomendada equivalente à quantidade no fertilizante mineral, convertido em OM e 100% da dose recomendada para a cultura, via mineral – M).
Os resultados obtidos demonstraram que uma redução de 20% na dose de nutrientes aplicados via OM (80%OM) gerou desempenho equivalente em produtividade, com a aplicação de 100% via mineral, além de proporcionar maior qualidade ao alho nacional, pois gerou um menor percentual de descarte de bulbos de alho.
É válido lembrar que a alteração no manejo nutricional deve considerar os ganhos de uma forma geral, avaliando quais são os impactos na classificação e nos atributos de qualidade e o quanto isso poderia ou não gerar de valor agregado no mercado.
Mais pesquisas
Oliveira et al. (2021) observaram que a redução de 60% da dose recomendada (aplicação de 40% OM) promoveu um aumento de 59,4% no percentual de alho destinado à indústria, comparado à aplicação de 100% da dose recomendada via fertilizante mineral.
Lana et al. (2022) avaliaram o efeito de quatro fertilizantes foliares com frações orgânicas variadas no desenvolvimento das plantas e produtividade de bulbos de alho. O tamanho das plantas e a massa fresca e seca da parte aérea, raízes e bulbos, avaliadas aos 50 e 84 dias após o plantio, não variaram entre os fertilizantes com componentes orgânicos.
Quanto à produtividade, observou-se diferença entre os fertilizantes aplicados, os quais referem-se à diferença na composição (quantidade e qualidade) de minerais e frações orgânicas de cada um.
Contudo, frações orgânicas adicionadas ao manejo nutricional relacionam-se a melhorias, que podem ser pontuais (melhorias fisiológicas que não convertem em produtividade) ou significativas (quando, apesar de não demonstrar diferenças na fisiologia avaliada durante o cultivo, refletem em ganhos de produção, no final do ciclo de cultivo).
Sustentabilidade
Também se considera a importância do uso de frações orgânicas para tornar o cultivo mais sustentável, para minimizar a carga excessiva de minerais no agroecossistema e para gerar impactos positivos em termos econômicos, em especial a longo prazo.
Considera-se a ideia de fertilidade construída ao longo das décadas, uma vez que os fertilizantes minerais, em geral, são importados e de alto custo e a combinação com materiais de origem orgânica minimiza problemas de destino de resíduos subutilizados.
Vale ressaltar que a aquisição de OM deve ser realizada com cautela, considerando os devidos cuidados em termos de microbiologia e o grau apropriado de compostagem e processamento de resíduos.
Fontes de origem não certificada podem, eventualmente, conter e transportar em suas fontes orgânicas: microrganismos nocivos, sementes de plantas daninhas e possíveis metais pesados a partir da decomposição de seus constituintes, como lixo, esgoto e até estrume curtido. Portanto, certifique-se de que está adquirindo grânulos, pellets e fertilizantes líquidos de empresas idôneas.
Na balança
A aplicação de OM possibilita melhorias na produção e composição dos bulbos de alho, o que gera melhorias interessantes do ponto de vista da pós-colheita, tanto nas etapas de beneficiamento como no transporte e distribuição para os canais de comercialização.
Os benefícios englobam os OM sólidos e líquidos, em diferentes recomendações, formas e épocas de aplicação. Nesse contexto, podemos considerar que os fertilizantes OM são investimentos para o cultivo de alho, com ganhos expressivos para a cultura (produtividade), bem como para o sistema, devido aos efeitos indiretos benéficos (atributos ecológicos).