Ricardo de Andrade
Doutor em Fitotecnia – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)
Fábio Ricardo Coutinho Fontes César
Doutor em Fertilidade e Nutrição de Plantas – Esalq/USP
A glicina betaína é uma molécula encontrada em várias plantas e sua síntese ocorre, primariamente, a partir da colina em um processo catalisado por enzimas específicas. A molécula é classificada como osmoprotetora e desempenha papel fundamental na proteção das células vegetais contra estresses abióticos, tais como salinidade, seca e temperaturas extremas.
A via metabólica da glicina betaína é regulada, em parte, pelas condições ambientais, onde quanto maior o estresse maior será a demanda de síntese do composto pelas plantas. Sob estresse, a planta sintetiza a glicina betaína a partir do aminoácido serina através de uma rota metabólica distinta da que envolve a colina.
A síntese da glicina betaína por meio de uma rota alternativa, ressalta a flexibilidade metabólica de algumas plantas como forma de adaptar-se a diferentes condições ambientais.
Plantas beneficiadas
É interessante notar que, enquanto algumas plantas são capazes de sintetizar glicina betaína em quantidades significativas (beterrabas e espinafres), outras plantas não acumulam glicina betaína ou a produzem em quantidades muito pequenas (soja e algodão).
Essa variação entre as espécies na capacidade de produzir glicina betaína desperta o interesse de pesquisadores que buscam melhorar a resistência das culturas agrícolas a estresses. Entre as principais linhas de pesquisa destaca-se a utilização de biotecnologia e de aplicações exógenas da molécula com objetivo de aumentar a tolerância a estresses abióticos e permitir boas produtividades mesmo em condições desfavoráveis.
Levando em consideração a necessidade crescente de se produzir alimentos e diante do aumento da incidência de estresses na agricultura, técnicas como a utilização exógena de glicina betaína podem auxiliar na obtenção de boas produtividades.
Pesquisas
Muitos pesquisadores estão interessados em estudar a glicina betaína devido aos seus potenciais benefícios agronômicos, especialmente em regiões propensas a estresses abióticos.
A introdução de genes relacionados à síntese de glicina betaína em culturas agrícolas pode melhorar a resistência dessas plantas a condições adversas, mantendo a produtividade em ambientes desafiadores.
Porém, enquanto as transgenias não são efetivas ou desenvolvidas, a aplicação exógena em culturas como soja e algodão podem melhorar a resistência dessas plantas frente aos estresses abióticos e, potencialmente, melhorar a produtividade. Evidências científicas que justificam a aplicação de glicina betaína nessas culturas podem ser verificadas na Tabela 1.
Tabela 1. Efeitos da aplicação de glicina betaína em plantas em função de diferentes estresses abióticos
Função | Ação | Referência |
Tolerância ao estresse salino | Mantém a integridade das células vegetais, equilibrando íons dentro e fora das células;Aumenta a expressão de genes associados à resposta ao estresse salino elevando a tolerância da planta aos danos provocados pela salinidade. | Estaji et al. (2019), Desoky et al. (2019) Dikilitas et al. (2020), Surabhi e Rout (2020), Hamani et al. (2021) |
Tolerância à seca | Mantém a turgescência das células em períodos de deficiência hídrica;Aumenta a atividade antioxidante celular com finalidade de neutralizar e proteger as células de danos oriundos de espécies reativas de oxigênio (ROS) formadas durante o estresse;Acumula-se no citoplasma na forma de osmólito compatível para ajudar a manter a pressão osmótica e a turgescência celular, permitindo que as células continuem funcionando mesmo sob condições de seca;Mantem a atividade do ciclo Calvin, assegurando a continuação da fotossíntese e a produção de energia mesmo com déficit hídrico;Influencia a expressão de genes relacionados à resposta ao estresse hídrico, levando à produção de proteínas e enzimas que melhoram a resistência da planta à seca. | Shafiq et al. (2021), Shemi et al. (2021), Nawaz e Wang (2020) Dikilitas et al. (2020), Surabhi e Rout (2020) |
Proteção contra estresses térmicos | Estabiliza as proteínas e membranas celulares das plantas, protegendo as células contra danos térmicos;Ajuda a regular o equilíbrio hídrico nas células e a manter a turgescência, o que é crucial para a sobrevivência das plantas sob temperaturas extremas;Atua como um soluto compatível;Mantém a fluidez e integridade das membranas celulares ao modificar as propriedades osmóticas da célula. | Zhang et al. (2020) Zulfiqar et al. (2022), Dikilitas et al. (2020), Surabhi e Rout (2020) |
Vantagens
Alguns estudos sugerem que a glicina betaína pode melhorar a eficiência fotossintética, possivelmente por estabilizar os complexos fotossintéticos ou melhorar o equilíbrio osmótico nas células, estimulando a divisão e expansão celular resultando no aumento da taxa de crescimento e produtividade das culturas.
Os mecanismos de proteção desenvolvidos por meio da glicina betaína fazem deste composto uma valiosa ferramenta, especialmente em plantas expostas a flutuações extremas de temperatura (Figura 1), como é o previsto para a safra 2023/24.
Nesse sentido, muitos pesquisadores estão explorando a possibilidade de aumentar os níveis de glicina betaína em culturas agrícolas com objetivo de melhorar a resistência ao estresse térmico.
Figura 1. Temperatura foliar do algodoeiro em função da aplicação de glicina betaína (esquerda) e sem aplicação (direita).
Estratégia
Dada a sua capacidade de conferir benefícios múltiplos, a aplicação de glicina betaína é considerada uma estratégia agronômica promissora, especialmente em regiões propensas a estresses abióticos.
No entanto, para que se tenha maior eficiência dessa aplicação, é crucial considerar fatores como o momento da aplicação, concentração e o método de aplicação para maximizar os benefícios e garantir a eficácia da tecnologia.