Deixar de derrubar árvores e passar a plantar é a transformação que vem acontecendo nas lavouras de pimenta-do-reino no estado do Pará. A substituição das estacas de madeira pela árvore de gliricídia (Gliricidia sepium), como tutor da pimenteira-do-reino, é uma tecnologia que conquista cada vez mais agricultores nas diferentes regiões do estado.
Para compartilhar essas experiências, cerca de 50 produtores familiares reuniram-se com pesquisadores e técnicos da extensão rural no município de Castanhal, na última sexta-feira, dia 12 de novembro. O evento aconteceu na sede empresa Tropoc, em Castanhal, onde especialistas da Embrapa Amazônia Oriental conduzem uma área experimental de cultivo da pimenteira-do-reino e de multiplicação da gliricídia.
“A gliricídia veio para resolver a situação do agricultor familiar que planta e vive da pimenta-do-reino”, afirma Elson Pereira Cardoso, agricultor do município de São Miguel do Guamá (PA). Quase 70% dos seis hectares onde ele tem oito mil pés de pimenteira-do-reino, são com tutor vivo e em breve a meta do agricultor é eliminar as estacas de madeira, que são mais caras e sofrem restrições ambientais.
“Há cerca de três anos meu plantio tinha apenas mil pés de pimenta e eu queria aumentar a produção, mas não tive o recurso para adquirir as estacas de acapu. Iniciei, então, o cultivo da gliricídia e a multiplicação de plantas foi tão rápida que hoje já tenho oito mil pés. Só este ano plantei quatro mil pimenteiras na minha área”, comemora Elson. Para ele, buscar informação é fundamental para cultivar a pimenta-do-reino com sustentabilidade.
E ele continua: “estão vendo como é muito melhor a gente conversar em baixo de um plantio de árvores? É o que acontece na pimenta com a gliricídia”. Isso porque a sombra e a consequente redução da temperatura nas áreas com o tutor vivo são alguns dos benefícios do uso dessa leguminosa.
O pesquisador Oriel Lemos, da Embrapa Amazônia Oriental, ressalta que são inúmeras as vantagens do uso da gliricídia como tutor vivo. Entre elas, ele destaca a redução em 27% do custo de implantação do pimental em comparação ao sistema tradicional em função da substituição das estacas e da redução na aquisição de fertilizantes e adubos. Além disso, o plantio da gliricídia evita o corte de árvores, contribui no sequestro de carbono, melhora a condição do solo com a fixação de nitrogênio e a incorporação da matéria orgânica.
“O uso da gliricídia como tutor vivo é um grande avanço no sistema de produção da pimenteira-do-reino. Reduzir custos implica em aumentar a renda, a lucratividade e, consequentemente, a melhoria nas condições de vidas dos agricultores e suas famílias. Os pipericultores passam a ser também plantadores de árvores. É um sistema sustentável em todos os aspectos”, conclui o especialista.
Mais fertilidade no solo
O agricultor Francisco Martins, do município de Moju (PA), não imaginava que o cultivo da pimenta-do-reino fosse bom para a agricultura familiar. “Não temos mais estacas de madeira na nossa região e o custo é cada vez mais alto para comprar essa madeira. Com a gliricídia esse custo acaba. Além disso a compra de adubos também é reduzida. Uma árvore de gliricídia insere 70 quilos de matéria orgânica no solo por ano”, conta o agricultor.
O benefício é comprovado pela ciência, segundo o analista de transferência de tecnologia João Paulo Both, da Embrapa Amazônia Oriental. Ele ressalta que os galhos da leguminosa retirados por meio das podas são depositados no solo. “A ciclagem de nutrientes é rápida e em 16 dias essa matéria verde já está em decomposição ”, conta o analista.
O analista, que tem se dedicado ao estudo dessa leguminosa com a pimenteira-do-reino, cita algumas características que são bastante promissoras para a região, como a alta exigência de luz, a tolerância a solos ácidos, pobres e compactados e a facilidade e rapidez na multiplicação, tanto por sementes quanto por galhos. “De acordo com estudos da Embrapa Tabuleiros Costeiros (SE), a gliricídia apresenta teores de proteína em torno de 23% e produz até 70 quilos de matéria verde por ano”, acrescenta João Paulo Both.
Ele destaca ainda que como toda leguminosa, a gliricídia tem a capacidade de fixar nitrogênio no solo por meio da simbiose com alguns micro-organismos. “Ela tem o potencial de substituir parcial ou totalmente o uso de fertilizantes nitrogenados”, afirma Both.
Troca de experiências
O 1º Encontro de produtores de pimenta-do-reino em tutor vivo de gliricídia (assista ao vídeo no final desta reportagem), realizado no dia 12 de novembro, no campo experimental da empresa Tropoc, em Castanhal (PA), reuniu 50 agricultores dos municípios paraenses de Tomé-Açu, Baião, Moju, Capitão Poço, Santarém e Castanhal. São regiões que se destacam pela produção dessa especiaria.
O grupo conheceu um plantio experimental da empresa, que tem dois hectares de pimenteira-do-reino em tutor morto e tutor vivo, além de uma área de multiplicação de gliricídia. O trabalho no local tem um ano e oito meses e já apresenta resultados promissores, segundo Wivaldo Araújo, gerente-diretor da empresa Tropoc, que é a segunda maior exportadora de pimenta do país. Em 2020, a empresa exportou nove mil toneladas de pimenta em grão.
“Trata-se de parceria sólida com a Embrapa, a Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) e a Emater com o objetivo de mostrar aos produtores que é possível produzir pimenta com mais tecnologia, qualidade e sustentabilidade”, afirma o gerente. Além do trabalho com a gliricídia, os pesquisadores estudam o impacto da irrigação no sistema de produção e a emissão de gases de efeito estufa.
O agrônomo Ricardo Dohara, da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Pará (Emater), destacou que o compartilhamento de informações e conhecimentos entre a pesquisa, a extensão e os produtores é fundamental para o sucesso do trabalho. “No início era difícil encontrar estacas de gliricídia, mas com ações dessa natureza esse obstáculo está sendo superado. Os agricultores estão animados e conscientes da importância e dos bons resultados da tecnologia”, afirmou Dohara. Para Walkymário Lemos, chefe-geral da Embrapa Amazônia Oriental, o modelo de parceria público-privada estabelecido com a empresa Tropoc é um dos bons exemplos da instituição de pesquisa. “Sou um defensor voraz da construção coletiva e essa parceria representa muito bem isso. Representa como a ciência pode ser apoiada pela iniciativa privada para gerar tecnologias inclusivas e que mudem a realidade, trazendo melhorias econômicas e sociais para as pessoas e mais sustentabilidade para a Amazônia”, finaliza Lemos.