Givago Coutinho
Doutor em Fruticultura e professor – Centro Universitário de Goiatuba (UniCerrado)
givago_agro@hotmail.com
Os citros, ou seja, as laranjas, tangerinas, limas ácidas e limões verdadeiros são as frutas mais consumidas no país e no mundo, estando presentes na mesa de famílias de todas as classes sociais.
Os citros podem ser propagados por quatro métodos: sementes, alporquia, estaquia e enxertia, sendo este último o mais utilizado, por apresentar algumas vantagens, entre as quais se pode citar a uniformidade das mudas.
Isso porque os porta-enxertos utilizados são poliembriônicos graças à embrionia nuclear, precocidade no início de produção e aumento na produtividade, além de obter-se mudas praticamente idênticas à planta-mãe.
Também podem ser propagados mediante técnicas de cultura de tecidos ou micropropagação.
Há mais de um século, a citricultura se beneficia da enxertia, em que uma planta cítrica comercial é formada pelo enxerto ou copa e porta-enxerto, agregando os benefícios de cada uma dessas partes e sua interação. A enxertia é a forma de propagação no qual ocorre a união dos tecidos de duas plantas.
Importância das mudas
A muda cítrica é o insumo mais importante na formação de um pomar. As características mais importantes da muda cítrica são a origem do enxerto e do porta-enxerto, a qualidade do sistema radicular e a sua sanidade.
Os porta-enxertos são capazes de influenciar várias características horticulturais e sanitárias nas árvores e nos frutos cítricos, como: sólidos solúveis totais, tamanho da copa e do fruto, resistência a moléstias e ao frio, distribuição da raízes, etc.
O principal porta-enxerto utilizado no Brasil (cerca de 80%) é o limoeiro ‘Cravo’ (Citrus limonia Osbeck cv. Cravo).
A enxertia é um processo de multiplicação vegetativa muito utilizada na propagação de plantas frutíferas, além de amplamente utilizada e difundida para a propagação de espécies cítricas como a laranjeira, por exemplo.
Por isso, é importante a escolha correta do porta-enxerto, visando um produto final de qualidade e altamente produtivo, com seu manejo e a viabilidade do investimento.
Fatores-chave na escolha dos porta-enxertos
Espécies cítricas são plantas que requerem a propagação via mudas certificadas. Mudas certificadas são aquelas produzidas de acordo com legislação específica, sob controle de uma entidade certificadora, e que obedecem a padrões rígidos de qualidade em todas as fases de produção.
A produção de mudas certificadas é baseada em normas e padrões específicos que orientam sobre a escolha do local do viveiro, uso de quebra-ventos, localização e manutenção de plantas em estufas, desinfestação do material, identificação, indexagem periódica, pedido de registro, inspeção, certificados de garantia, entre outros.
O porta-enxerto exerce influência importante sobre a copa em fatores como vigor, produtividade, precocidade de produção, composições orgânica e inorgânica das folhas e dos frutos, absorção e utilização de nutrientes, tolerância a salinidade, resistência a seca, geada, pragas e doenças, além da qualidade de pós-colheita dos frutos.
Neste sentido, a escolha do porta-enxerto é tão importante quanto a da copa, pois as características agronômicas essenciais são determinadas pela interação entre os duas partes, enxerto e porta-enxerto, conferindo assim melhor desempenho a planta cítrica.
A enxertia das plantas pode ser feita por “T” ou invertido, conforme mostra a figura 1.
Figura 1. Corte em T invertido. Fonte: Silva e Souza, (2000).
Opções de porta-enxertos para citros
Os principais porta-enxertos de citros utilizados no Brasil apresentam características relacionadas ao desempenho e à aptidão agronômica, resistência a doenças e a intempéries climáticas, aptidão para diferentes tipos de solo e indicação de cultivares copa compatíveis.
Os principais são os citrangeiros ‘C-13’, ‘Carrizo’ e ‘Troyer’, citrumeleiro ‘Swingle’, laranjeiras ‘Azeda’ e ‘Caipira’, limoeiros ‘Cravo’, ‘Rugoso’ (C. jambhiri Lush.) e ‘Volkameriano’, tangeleiro ‘Orlando’, tangerineiras ‘Cleópatra’ e ‘Sunki’, e trifoliata.
Tabela 1. Características dos porta-enxertos cítricos em relação às doenças, comportamento quanto à copa e condições ambientais.
Porta-enxerto | ||||||||||||
Característica avaliada | Laranj Doce | Tanger. Cleópatra | Limoeiro Cravo | Limoeiro Volkameriano | Limoeiro Rugoso | Trifoliata | Citrumelo Swingle | Citrange Troyer | Citrange Carrizo | Tangelo Orlando | Tanger. Sunki | Laranj. azeda |
Gomose | I | S | I | I | I | S | S | A | A | A | I | S |
Tristeza | S | s | S | s | s | s | s | s | s | s | s | i |
Exocorte | S | S | I | S | S | I | I | I | I | S | S | S |
Sorose | I | S | A | S | S | I | DI | A | A | S | S | S |
Xiloporose | S | DI | I | S | S | S | S | A | A | I | S | S |
Declínio | S | S | I | I | I | I | S | I | I | S | S | S |
Drenagem | I | I | I | A | I | S | DI | I | I | S | I | S |
Seca | I | A | S | S | S | I | S | A | S | I | A | S |
Solo Arenoso | I | I | S | S | S | I | S | I | I | I | I | S |
Solo Misto | I | I | S | S | S | I | S | I | I | I | A | S |
Solo Argiloso | S | S | S | S | I | S | I | S | S | S | I | S |
Distribuição raízesa | M | M | P | P | P | R | P | M | M | DI | DI | M |
Qualidade do fruto | S | S | S | S | I | S | A | A | A | A | S | S |
Vigor | S | A | S | S | S | I | S | S | S | S | A | S |
Tamanho da copa | S | S | S | S | S | S | S | S | S | S | S | S |
Resistência ao frio | S | S | S | S | I | S | S | S | S | S | A | S |
Longevidade | S | A | S | S | I | I | A | A | A | A | A | S |
Compatibilidade laranjeiras | S | A | A | A | S | I | I | A | A | A | S | I |
Onde: I = Insatisfatório; S = Satisfatório; A = Aceitável; DI = Dado Inexistente, a M = Solo com profundidade Média; P = Profunda e R = Raso. Fonte: Adaptado de CARLOS et al., 1997. Extraído de Schäfer et al., (2001).
Manejo dos porta-enxertos
O uso e a diversificação de porta-enxertos é uma importante ferramenta para melhorar a qualidade da citricultura, devendo essa atender às expectativas do produtor, propriedade e do mercado consumidor.
Na escolha do porta-enxerto, parte-se do pressuposto que não existe um material perfeito. A escolha deve considerar os principais fatores limitantes à produção em cada área.
Os principais fatores a serem observados são condições climáticas e de solo e as cultivares copa, bem como o destino da produção (indústria ou mercado de frutos in natura). O clima e o solo devem ser os primeiros condicionantes na definição da escolha do porta-enxerto a ser utilizado.
Práticas sustentáveis
Embora o porta-enxerto seja a parte que fica oculta na planta, sua importância deve ser considerada no mesmo nível de igualdade da cultivar copa. O porta-enxerto cítrico apresenta diferenças em relação a estresses bióticos e abióticos, sendo esta limitação responsável pela possibilidade de aumento ou diminuição das áreas onde podem ser praticados os cultivos, podendo ser responsável pelo sucesso ou mesmo pelo fracasso do empreendimento.
As sementes dos porta-enxertos devem ser provenientes de plantas matrizes ou de sementeiras registradas. Como o cultivo de citros é perene, com as plantas permanecendo em campo por longos períodos, entre 15 e 20 anos, é muito importante que o produtor conheça bem as características agronômicas das variedades de copa e porta-enxertos disponíveis para escolher as mais adequadas às suas necessidades.
Assim, evita o comprometimento do pomar ao longo de sua vida. O porta-enxerto influencia dezenas de atributos da copa, como o tamanho da planta, produtividade e qualidade de frutos, trazendo diversos benefícios para as plantas enxertadas sobre eles, como mudanças no vigor, produtividade, precocidade de produção e a absorção de água e nutrientes.
Além disso, o porta-enxerto influencia na resistência às doenças e na adaptação ao clima. Portanto, os porta-enxertos são uma das principais ferramentas para melhorar o manejo dos citros, permitindo a instalação de pomares mais produtivos e com frutos de melhor qualidade, conforme cada copa e região, sendo determinantes para o sucesso do cultivo de citros.
Pelo Brasil afora
Nas principais regiões citrícolas do Brasil, ainda predomina um número reduzido de cultivares porta-enxertos. A principal limitação desse fator inclui a vulnerabilidade das plantas ao ataque de fitopatógenos, como se tem observado no decorrer da história da citricultura e a limitação da competividade do setor.
No Brasil, cerca de 80% dos pomares utilizam como porta-enxerto o limoeiro ‘Cravo’ (Citrus limonia Osbeck) devido ao vigor, tolerância ao estresse hídrico, fácil obtenção de sementes, grande vigor no viveiro, bom pegamento de mudas no plantio, rápido crescimento, produção alta e precoce e com frutos de qualidade regular.
Além disso, é compatível com todas as variedades copa e apresenta média tolerância ao frio, além de boa adaptação a solos arenosos.
Ameaça
Mas, o fato de ser o principal porta-enxerto utilizado na citricultura brasileira desde a década de 1960 tem auxiliado para a vulnerabilidade da citricultura brasileira a novas doenças, como a morte súbita dos citros, registrada no Brasil a partir de 1999.
Tal fato já havia sido observado em outras duas oportunidades no passado. A primeira no início do século XX, quando os citricultores brasileiros utilizavam, basicamente, a laranjeira ‘Caipira’ [C. sinensis (L.) Osbeck] como porta-enxerto, cultivar que apresentava alta suscetibilidade à gomose de Phytophthora spp. e baixa resistência à seca.
Por esse motivo, os citricultores enfrentaram enormes perdas em decorrência desta doença. Assim, houve a substituição desse porta-enxerto pela laranja ‘Azeda’ (C. aurantium L.).
Na década de 40, nove dos 12 milhões de plantas cítricas existentes no Brasil morreram em função do vírus da tristeza, devido ao fato de serem enxertadas sobre laranjeira ‘Azeda’. O vírus da Tristeza, introduzido no país em 1937, foi rapidamente disseminado pelo pulgão preto [(Toxoptera citricida (Kirkaldy) (Hemiptera: Aphididae)].
Tendências atuais
Os principais fatores observados nas áreas de produtores e que contribuem para o insucesso da enxertia têm sido o uso de borbulhas desidratadas ou de borbulhas muito verdes; canivete sujo e/ou sem afiação; período prolongado de estiagem; excesso de chuva; porta-enxertos incompatíveis, desfolhados ou desnutridos; enxertador não treinado.
Além disso, o fato de somente alguns porta-enxertos serem a base da citricultura nacional consiste em um risco fitossanitário bastante elevado, sendo importante a diversificação da matriz produtiva, para evitar problemas já vivenciados pela citricultura brasileira.
Atualmente, em se tratando de mudas certificadas, os porta-enxertos podem ser produzidos a partir de sementes, estaquia ou micropropagação, porém, sempre em ambiente protegido, também denominado viveiro-telado.
No Brasil, praticamente 100% dos porta-enxertos comerciais são obtidos a partir de sementes, ocorrendo o uso da micropropagação e da estaquia em casos excepcionais, notadamente em experimentos de pesquisa.
Ocorre, atualmente, a manutenção da tendência de diversificação dos porta-enxertos de citros no Brasil.