A atividade pecuária no Cerrado ganhou um lastro que reforçará compromissos junto aos mercados mais exigentes. Trata-se do Protocolo de Monitoramento Voluntário de Fornecedores de Gado, desenvolvido especificamente para esse bioma e lançado nesta terça-feira (23/04). São 11 critérios, que geram uma base comum de conformidade socioambiental para os criadores, funcionando como um guia para a produção e a compra responsável.
Em elaboração desde 2020, o Protocolo é fruto de um esforço coordenado pelas organizações Proforest, Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e National Wildlife Federation (NWF). Contou ainda com contribuições diretas de WWF Brasil, indústria alimentícia e empresas compradoras, além do Ministério Público Federal, entidades do setor pecuário e sociedade civil.
“O Protocolo do Cerrado é uma importante ferramenta para o setor se preparar para as crescentes demandas do mercado para a carne brasileira. É resultado de uma ampla convergência entre varejistas, frigoríficos e sociedade civil para equilibrar os anseios de proteção dos recursos naturais e dos direitos humanos em relação às realidades da produção no campo. Nosso intuito é que tenha adesão crescente das empresas da cadeia pecuária, promovendo mudanças nas práticas do setor nesse bioma específico e até no país”, afirma Isabella Freire, diretora executiva da Proforest.
Com a intensificação do combate ao desmatamento na Amazônia, o Cerrado se tornou o epicentro dessa prática. O último Prodes Cerrado, divulgado em novembro passado, apurou 11.011 km² de corte raso, de agosto de 2022 a julho de 2023 — aumento de 3% em relação à medição anterior. O índice também representa 2 mil km2 a mais do que o apurado pelo Prodes Amazônia no mesmo período — o sistema Prodes registra os dados oficiais de desmatamento no Brasil. Só no primeiro trimestre deste ano, os alertas do sistema Deter, que monitora em tempo real a alteração da cobertura florestal, apontaram 1.475 km² de destruição no Cerrado. O crescimento foi de 4% em relação ao apurado no mesmo período no ano passado e chegou ao patamar mais alto da série histórica.
São muitas e graves as consequências da perda de vegetação nativa para a conservação do Cerrado, que se estende por municípios de 14 estados (além do Distrito Federal), concentra a maior biodiversidade de savana do mundo e reúne oito das principais bacias hidrográficas brasileiras. Nas últimas quatro décadas, pastagem e agricultura se expandiram rapidamente nessa paisagem. O Cerrado concentra cerca de 36% de todo o rebanho brasileiro e mais de 63% da produção de grãos, segundo dados do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA). Números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontavam, em 2022, 60 milhões de cabeças de gado nesse bioma a um crescimento anual de 11,23%.
Com os critérios que estabelece, o Protocolo do Cerrado traz luz a esse cenário, ao apresentar ao produtor parâmetros como conformidade com o Cadastro Ambiental Rural (CAR), eventuais sobreposições com áreas de desmatamento e supressão de espécies nativas ou protegidas (como terras indígenas, quilombolas e Unidades de Conservação). Ele prevê ainda o cruzamento com listas públicas de trabalho escravo e de embargos ambientais, além de análises da Guia de Trânsito Animal (GTA) e da produtividade do criador, como forma de inibir a triangulação de animais provenientes de áreas com irregularidades ambientais ou sociais.
Mesmo sem oferecer certificação, selo ou marca de garantia, a iniciativa se converte em melhoria dos processos de controle da cadeia de fornecimento e no aprimoramento dos critérios adotados nas compras de produtos pecuários. As informações dos aderentes estarão disponíveis em uma plataforma bilíngue (acesse cerradoprotocol), garantindo maior transparência de informação para compradores, assim como para investidores do setor.
O Protocolo se espelha na experiência do Boi na Linha, implantado na Amazônia desde 2019, a partir de uma parceria entre Imaflora e o Ministério Público Federal. O Boi na Linha foi a primeira iniciativa a harmonizar regras do setor e vem se aperfeiçoando gradativamente. “Utilizamos os cinco anos de experiência para levar a outro bioma soluções que respaldam a produção frente aos mercados mais exigentes, ajudam a consolidar a prática da pecuária sustentável e contribuem para o enfrentamento da crise climática”, conta o engenheiro agrônomo Lisandro Inakake, gerente de projetos em Cadeias Agropecuárias do Imaflora.
Os esforços agora se concentram na ampliação da adesão dos frigoríficos, que promete ser impulsionada por uma meta manifestada pela Associação Brasileira dos Exportadores de Carne (ABIEC) de que seus associados adotem padrões de monitoramento em todo o Brasil no prazo de até dois anos. “Metade dos associados da ABIEC opera no bioma Cerrado, com muitos deles já adotando políticas de compra de gado. O Protocolo do Cerrado desempenha um papel crucial ao unificar os critérios avaliados e destacar as boas práticas, fornecendo um caminho para as empresas que querem avançar nesse sentido”, explica Fernando Sampaio, diretor de sustentabilidade da ABIEC.