Autores
Letícia Borges da Costa – Graduanda em Agronomia – Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF)
Cláudia Lopes Prins – Engenheira agrônoma; doutora em Produção Vegetal e professora – UENF/CCTA/LFIT – Horticultura/Olericultura – prins@uenf.br
O Sistema de Plantio Direto (SPD) consiste no revolvimento mínimo do solo, manutenção de palhada como cobertura e promoção da diversificação de espécies, onde tais ações objetivam a conservação do solo.
Esse sistema minimiza processos erosivos, auxilia a regulação térmica, aumenta a capacidade de infiltração de água do solo e eleva os teores de matéria orgânica. Os inúmeros benefícios do sistema de plantio direto fizeram com que este fosse incluído na seleção dos sistemas de produção preconizados pelo Plano de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (Plano ABC) do Governo Federal, onde estão previstos incentivos para produtores que utilizarem a tecnologia.
No Brasil, os Estados Rio Grande do Sul e Paraná foram pioneiros na aplicação do SPD para a produção de grãos. Lá, o SPD foi uma alternativa ao modo convencional de preparo do solo que permitiu controlar e prevenir a erosão.
O Brasil encontra-se entre os países com maior área produtiva sob o SPD. O aumento da produtividade decorrente deste manejo, como resultado da maior eficiência do uso da água e dos nutrientes, maior aporte de matéria orgânica no sistema, entre outros, é um fator que torna esse sistema propício também para a produção de hortaliças.
Em hortaliças
A adoção do sistema de plantio direto na produção de hortaliças (SPDH) é uma alternativa que atende às diversas demandas da atividade e seus benefícios, já amplamente verificados na produção de grãos, e podem ir além das vantagens para o agroecossistema e produção. Aspectos como qualidade pós-colheita também são afetados de forma direta e indireta pelo SPD.
Hortaliças são alimentos ricos em vitaminas e minerais, com poucas calorias e elevado teor de água. De forma geral, sua produção ocorre de maneira intensiva, por vezes mecanizada, necessitando de grande volume de insumos e gerando processos erosivos no solo pelo curto período de produção e alta movimentação do solo, resultante dos constantes processos de preparo deste.
Além disso, são características destas culturas também as elevadas demandas nutricionais e hídricas e a sensibilidade a altas temperaturas (ar e solo). Considerando os requerimentos específicos das hortaliças e as características da produção destas culturas, a adoção do SPDH apresenta grande potencial para promover uma produção mais eficiente e sustentável.
Planejamento é essencial
O SPDH deve ser bem planejado para que seus benefícios possam realmente ser alcançados. O olericultor (produtor de hortaliças) que deseja implantar o SPDH deve ter em mente que se trata de um processo gradual, cujos efeitos serão observados ao longo do tempo e que precisam ser constantemente monitorados para que os benefícios sejam mantidos.
[rml_read_more]
Outro ponto importante a considerar é que cada local tem suas especificidades climáticas, edáficas (relacionadas ao solo) e outras particularidades técnicas que fazem com que haja necessidade de avaliações direcionadas para cada situação, incluindo a cultura em questão.
Portanto, buscar auxílio de profissionais/instituições de ensino/pesquisa ou de assistência técnica rural é essencial, assim como buscar aperfeiçoamento e conhecimento sobre o tema constantemente, por meio da participação em dias de campo, palestras, cursos, acompanhamento de literatura sobre o tema, entre outros.
Por onde começar
Inicialmente, deve ser realizada uma avaliação do solo. Informações sobre capacidade de infiltração de água e aspectos químicos, como pH e teor de nutrientes, são importantes. Em regiões com solos de baixa capacidade de infiltração de água e/ou compactados, a escolha de espécies de cobertura com amplo crescimento do sistema radicular deve ser priorizada para auxiliar na elevação da porosidade do solo.
Nestes solos, também não é indicada a implantação do SPD sem realização de ações corretivas prévias. Já os aspectos químicos são dados que auxiliarão na tomada de decisão quanto à necessidade de correções. Já que o sistema preconiza o não revolvimento do solo, tais correções devem ser feitas antes da implantação do mesmo. Outros aspectos, como por exemplo, presença de lençol freático perto da superfície, devem ser considerados.
Após o diagnóstico do potencial de uso do SPDH e a decisão de adoção deste sistema, o manejo das plantas de cobertura é uma das principais etapas. Programar a rotação de culturas, considerando o histórico do local, a fertilidade do solo e a suscetibilidade das plantas de cobertura a fitopatógenos e pragas também é necessário.
As plantas de cobertura devem ser espécies com alta produção de matéria seca, vigoroso sistema radicular e adaptadas às condições climáticas da região.
Fase a fase
Na etapa de produção/obtenção de palhada podem ser estabelecidas duas fases: a fase inicial de formação, que se estende até a obtenção da quantidade adequada de palhada; e a fase de manutenção, que consiste em manter os níveis adequados de cobertura.
As famílias mais utilizadas como plantas de cobertura para formação de palhada são Gramineae (gramíneas) e Fabaceae (leguminosas). As gramíneas têm melhor adaptação a diferentes climas e possuem alta relação C:N (carbono:nitrogênio).
Esta relação influencia a taxa de decomposição, em que, quanto maior C:N, mais demorada será a decomposição, mantendo a cobertura por mais tempo. Exemplos: milheto (Pennisetum glaucum), sorgo (Sorghum spp), aveia branca e preta (Avena spp.), braquiária (Brachiaria spp.), centeio (Secale cereale) e milho (Zea mays).
As leguminosas possuem relação C:N menor e, portanto, maior taxa de decomposição. São indicadas para adição de nitrogênio ao solo e o sequestro de carbono da atmosfera, recuperando solos degradados. São exemplos: ervilhaca (Vicia sativa), mucuna (Mucuna spp.), tremoço (Lupinus spp.), crotalárias (Crotalaria spp.) e feijão de porco (Canavalia ensiformis).
Além da função de cobertura, estas espécies podem exercer ações adicionais benéficas, como a redução da população de nematoides no solo, como observado no uso de crotalárias, e atividade alelopática frente às plantas não desejáveis (também daninhas, invasoras ou espontâneas), como verificado como o uso do feijão de porco, que também se destaca sob condições de estresse hídrico.
Como escolher
A planta de cobertura ideal deve apresentar alta produção de fitomassa, alta taxa de absorção de nutrientes, tolerância ao déficit hídrico, resistência a pragas e doenças, efeito alelopático sobre as plantas indesejadas (daninhas, invasoras ou espontâneas), fácil implantação e, preferencialmente, alto valor agregado, para que além de exercerem seu papel, como cobertura de solo, também possam ser comercializada colaborando para a renda do produtor (um bom exemplo é o milho, que permite colheita do mini-milho ou do milho verde).
Porém, diante da dificuldade de se encontrar uma espécie única que atenda a todos os requisitos listados, é recomendado utilizar mais de uma espécie, em que cada uma irá suprir uma ou algumas das demandas e, como consequência, haverá maior diversificação de culturas, evitando problemas como quedas na produtividade e favorecimento do desenvolvimento de espécies indesejadas específicas (neste ponto é importante salientar que a cobertura morta tem importante papel na supressão destas espécies de modo geral, no entanto, algumas podem se beneficiar das condições geradas pela palhada, sendo o estudo prévio da população de plantas espontâneas/invasoras uma das etapas necessárias no planejamento do SPDH).
O manejo das plantas de cobertura pode ser feito com diferentes técnicas. Em áreas maiores é possível usar grade de discos e segadora. Também é prática do plantio direto a dessecação. No entanto, nem sempre é possível, ou recomendado (agricultura orgânica), o uso de dessecantes.
Em áreas menores, características no cultivo de hortaliças, o corte com roçadeira e acamamento da palhada, que irá secar naturalmente, pode ser realizado. O método, portanto, deve ser escolhido de acordo com a necessidade do produtor e as características de produção.
De modo geral, na literatura é possível encontrar recomendações de que a cobertura do solo deverá ser feita de maneira a produzir 12 a 15 toneladas de matéria seca por hectare por ano e que 80% do solo esteja coberto, quando considerada a produção de hortaliças.
Eficiência
A eficiência do uso de uma cultura de cobertura irá depender do seu estádio de floração, crescimento vegetativo e da relação de superfície de contato. Esta última é especialmente importante, pois determinará o direcionamento para obtenção de manutenção de cobertura ou incorporação de matéria orgânica e nutrientes.
Considerando-se que há uma relação entre o tamanho do material, ou seja, sua superfície de contato, e a taxa de decomposição, se o intuito do produtor é manter a cobertura por maior período de tempo, o ideal é que a palhada tenha maior superfície, para que sua degradação ocorra lentamente.
No entanto, se o objetivo for incorporar nutrientes e matéria orgânica no solo, será mais vantajoso se o material for picado no menor tamanho possível para que sua velocidade de composição seja maior. Deve-se considerar a influência do ambiente (temperatura e precipitação) no processo de decomposição.
Resultados
O SPDH tem sido amplamente difundido e apresenta excelentes resultados, indicando seu potencial para a olericultura. A adoção do SPDH traz vantagens em produtividade e qualidade dos produtos no momento da colheita também é um diferencial.
Devido à presença da palha, os produtos não têm contato com o solo, o que reduz a contaminação e o volume de água necessário para lavagem, assim como permite o melhor aproveitamento, já que o descarte de folhas ou frutos é reduzido. O grupo das folhosas é o mais estudado e apresenta respostas positivas ao SPDH.
Mesmo diante de indicativos positivos quanto ao SPDH, novos estudos ainda são necessários para ampliar o conhecimento sobre este tema promissor para a olericultura tropical.