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Uso da matéria orgânica no manejo do nematoide

Autores

Regina Maria Quintão LanaProfessora de Fertilidade e Nutrição de Plantas – Universidade Federal de Uberlândia (UFU)

Luciana Nunes GontijoDoutoranda em Produção Vegetal – UFU

Mara Lúcia Martins MagelaDoutoranda em Fitotecnia – UFU

Crédito: Vitória Agro Fertilizantes

O fertilizante organomineral é resultado da mistura física ou combinação de fertilizantes minerais e orgânicos, ou seja, é a mistura de uma ou mais matérias-primas orgânicas, podendo ser de origem animal ou vegetal, acrescida de fontes minerais que fornecem macronutrientes primários ou secundários, respeitando especificações e garantias mínimas exigidas pelo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

Devido a essas características de composição, os formulados organominerais possuem menor espaço para a inserção das fontes minerais, o que o torna um fertilizante menos concentrado e mais rico em carbono, micronutrientes, substâncias húmicas e não húmicas, quando comparado com as fontes de fertilizantes exclusivamente minerais.

A matriz orgânica vegetal pode ter origem de subprodutos da indústria sucroalcooleira, resíduos da agropecuária e da agroindústria, enquanto que a fonte animal inclui desde dejetos de suínos, aves, composto de barn ou até mesmo a compostagem de resíduos urbanos como o lodo de esgoto.

Ação e reação

Essa matriz orgânica presente no fertilizante organomineral desempenha papel importante na eficiência do fertilizante e também proporciona uma série de benefícios às propriedades físicas, químicas e biológicas do solo.

Nas características físicas, a matéria orgânica proporciona aumento na estabilidade dos agregados, bem como na porosidade do solo, o que melhora a  aeração e a capacidade de inflitração e retenção de água (Bayer, Mielniczuck, 2008; Zerzghi et al., 2010).

Nas propriedades químicas, a matéria orgânica atua aumentando a capacidade de troca catiônica, na complexação de elementos tóxicos e contribui para a estabilidade do pH (Moreira, 2018), enquanto que seus efeitos sobre os atributos biológicos estão relacionados com o fornecimento de carbono, energia e nutrientes para os microrganismos, o que impulsiona sua proliferação e biodiversidade (Bayer, Mielniczuk, 2008; Krolow, 2011).

Além dos benefícios nas propriedades do solo, a matéria orgânica pode atuar no manejo de doenças chaves em diversas culturas, como por exemplo, na supressão da população de fitonematoides em áreas já infectadas (Stirling, 1991).

Cuidado!

Os nematoides são responsáveis por causar sérios danos e perdas nas lavouras brasileiras. Segundo a Sociedade Brasileira de Nematologia (SBN), anualmente o agronegócio nacional contabiliza prejuízos de R$ 35 bilhões provocados pelos nematoides. Apenas na produção de soja as perdas são estimadas em R$ 16,2 bilhões.

O nível de controle do nematoide por meio do uso de matéria orgânica é dependente do tipo, origem e quantidade de composto utilizado; do método de compostagem; do estágio de maturação do composto; composição populacional dos microrganismos que decompõem a matéria orgânica; além da espécie de nematoides e da microbiota do solo (Nazareno, 2009; Stirling et al., 2003).

Observa-se, então, que a interação da matéria orgânica com a planta e a microbiota do solo envolve processos dinâmicos e complexos. De acordo com Zandonadi (2017), o manejo de nematoides por meio de substâncias orgânicas está relacionado ao efeito combinado de mecanismos de ação direta ou indireta que ocorre durante a decomposição da matéria orgânica.

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Segundo Dias-Arieira e Peurari (2019), o efeito direto ocorre quando a matéria orgânica libera substâncias químicas com atividade nematicida. Durante este processo, pode ocorrer a liberação de subprodutos, incluindo compostos nitrogenados e ácidos graxos.

Indiretamente, a matriz orgânica pode atuar nos atributos físico-químicos e na atividade microbiana do solo aumentando o número de organismos que agem como antagonistas aos nematoides como fungos e bactérias (Dias-Arieira; Peurari 2019; Riegel; Noel, 2000).

Soluções

Diante desse contexto, diferentes fontes de material orgânico podem ser utilizadas no manejo dos nematoides, como por exemplo biomassa vegetal (mucuna, crotalária, repollho, etc,), resíduos agroindustriais (resíduos de palha de café e de arroz, bagaço de cana-de-açúcar, casca de amendoim e celulose); resíduos animais (esterco de frango e bovino e farinha de ossos) e de atividades urbanas (lodo de esgoto) (Ferraz et al., 2012).

Diversos trabalhos científicos vêm demonstrando que a aplicação de algumas fontes de matéria orgânica no solo pode liberar compostos nematicidas que atuam diretamente na redução do nível populacional desse microrganismo.

Pedroso (2016) observou que a torta de mamona tem efeito direto nos ovos de Meloidogyne incognita. Após a incorporação desta matéria orgânica no solo, houve emissão de compostos orgânicos voláteis que apresentaram efeito tóxico ao nematoide.

Em sua pesquisa, foi constatado que houve redução da infectividade e da reprodução do nematoide em todas as concentrações de torta estudadas (1,5; 3,0; 4,5 ou 6,0%) quando comparada à testemunha (0%), bem como aumento da imobilidade e mortalidade dos juvenis de segundo estádio (J2), quando expostos aos compostos orgânicos voláteis.

Neste mesmo trabalho, Pedroso (2016) também observou que foram emitidos 32 compostos voláteis pela mistura de solo e torta de mamona, representados pelas classes cetona, álcool, fenol, sulfurado e terpeno. Essas classes de compostos interagem dando resultado a misturas complexas que podem ter ação nematicida.

Mais resultados

Rabello et al. (2008), avaliando o efeito da palha de café, esterco bovino e óleo de neem (Azadirachta indica A. Juss) no controle de Meloidogyne exigua no cafeeiro, observaram que as plantas que receberam esterco bovino e palha de café obtiveram maiores peso fresco e seco da parte aérea quando comparados com óleo de neem, nematicida ou ausência de aplicação (Testemunha). Por outro lado, a palha de casca de café foi a fonte que obteve maior peso fresco radicular (Tabela 1).

Tabela 1. Características de crescimento de plantas de cafeeiro cv. Catuai IAC-44 parasitadas por M. exigua, após serem tratadas com esterco bovino, palha de café e óleo de neem.

  Peso Parte Aérea fresca Peso Parte Aérea Seca Peso Radicular Fresco
Esterco Bovino 9,10 a 3,87 a 5,78 b
Palha de café 7,17 b 3,34 a 9,44 a
Óleo de Neem 4,74 c 2,25 b 5,05 b
Nematicida Terbufós 4,75 c 2,30 b 6,29 ab
Testemunha 4,32 c 2,10 b 4,46 b

Médias seguidas pela mesma letra na coluna não diferem, significativamente entre si, pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade. Fonte:  Rabello et al., 2008

Quanto à população final (PF) de nematoides, as fontes orgânicas foram estatisticamente iguais à aplicação de nematicida. Observou-se que tratamentos com esterco, palha de café e óleo de neem foram promissores para o manejo de M. exigua em cafeeiro, reduzindo a PF dos nematoides em 63,9%, 80,5% e 68,1%, respectivamente, em relação à testemunha (Tabela 2).

Segundo os mesmos autores, a matéria orgânica promove a formação de compostos fenólicos que estimulam a síntese do ácido indol-acético (AIA) – oxidase, o que favorece a degradação da auxina e dificulta a formação das células gigantes (deformação das células).  Sabe-se também que algumas fontes orgânicas, como o óleo de neem, possuem potencial nematicida natural que é tão bom quanto os nematicidas comerciais.

Tabela 2. População final (PF) de M. exigua em plantas de cafeeiro cv. Catuai IAC-44, após serem tratadas com esterco bovino, palha de café e óleo de neem

            População final
Esterco Bovino 3250 b
Palha de café 1750 b
Óleo de Nim 2875 b
Nematicida Terbufós 1250 b
Testemunha 9000 a

 Médias seguidas pela mesma letra na coluna não diferem significativamente entre si, pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade. Fonte: Rabello et al., 2008

Vale et al. (2015), avaliando a eficiência de doses (0, 2, 4, 6, 8 Mega grama por hectare/Mg ha-1) de cama de frango no manejo de P. brachyurus na cultura da soja, em um campo naturalmente infestado, observaram redução no número desse nematoide em todas as doses utilizadas, destacando-se a dose de 2 Mg ha-1 (Figura 1).

Figura 1

Figura 1. Efeito de diferentes doses de cama de frango sobre o número de P. brachyurus por 10 g de raízes de soja, Ipameri – GO (Vale et al., 2015).

Segundo os autores, a cama de frango favorece o desenvolvimento microrganismos antagônicos. Associado a isso, o nitrogênio contido em grandes quantidades nesse resíduo se apresenta na forma de ácido úrico, que ao se converter em nitrogênio amoniacal age sobre os fitonematoides (Vale et al., 2015; Akhtar, M.; Mahmood, 1994)

 Além disso, a fonte orgânica favoreceu a altura de plantas, massa fresca de raiz e a massa seca da parte aérea, que apresentaram incrementos crescentes com o aumento da dosagem. Esses resultados de desenvolvimento são reflexo da supressão contra a penetração de fitonematoides no sistema radicular e também da rica constituição de nutrientes que a cama de frango possui (Vale et al., 2015; Ferraz et al., 2010).

Lopes et al (2008), avaliando a adição de resíduos orgânicos ao solo para o controle de Meloidogyne javanica em raízes de tomateiro, observaram que o número de ovos do nematoide reduziu em 18 e 48% com o uso de torta de mamona a 0,5 e 1% (massa/massa), respectivamente.

A incorporação de sementes de feijão-de-porco também reduziu o número de ovos em 76 e 95% e o número de galhas em 81 e 98% ao se utilizar as proporções de 0,5 e 1% desse material orgânico, respectivamente. 

Esses resultados positivos das sementes de feijão-de-porco podem estar relacionados ao alto conteúdo de lectina presentes nas sementes, que pode interferir no movimento dos nematoides, levando, consequentemente, à baixa taxa de penetração dos juvenis (Tabela 3).

Tabela 3. Número de galhas radiculares e ovos de Meloidogyne javanica em raízes de tomate (‘Santa Cruz Kada’) 60 dias após o transplante no solo alterada com bagaço de cana, cascas de café, bagaço de mamona ou pó de semente de feijão.

Tratamentos Número de galhas radiculares   Número de ovos de nematoides
Proporções das aplicações (massa/massa) (%) Proporções das aplicações (massa/massa) (%)
0 0.5 1.0 0 0.5 1.0
Bagaço de cana-de-açúcar 1,802 Aa 1,282 Aa 1,047 Ab 470,340 Aa 590,760 Aa 358,830 Aa
Casca de café 1,947 Aa 1,884 Aa 2,128 Aa 544,387 Aa 508,950 Aa 553,500 Aa
Torta de mamona 1,843 Aa 1,872 Aa 1,997 Aa 691,470 Aa 569,430 Ba 357,480 Ba
Sementes de feijão-de-porco 2,144 Aa 397 Bb 29 Bc 624,510 Aa 149,040 Bb 31,860 Bb
CV (%) 11.39 27.03

Média de sete repetições; significa seguido pela mesma letra maiúscula na linha para número de galhas e número de ovos e seguido pela mesma letra minúscula na coluna não difere no nível de 5% pelo teste de Tukey. 1 Dados transformados em log10 (x + 1) antes da análise. Fonte: Lopes et al., 2008.

Uma adubação equilibrada, juntamente com outros métodos de controle, pode compensar, em parte, os danos ocasionados pelos nematoides. Por outro lado, a deficiência de um elemento essencial pode ocasionar maior severidade da doença (Zambolim et al., 2001; Ferraz et al., 2012).

De acordo com Zandonadi ( 2017), uma nutrição adequada tem papel fundamental na tolerância das plantas a nematoides. Como exemplo, o potássio e o manganês são relacionados com a melhoria na condição geral das plantas atacadas por este patógeno.

 Kesba e Al-Shalaby (2008) constataram que a aplicação de ácido húmico no cultivo de tomate apresentou efeitos inibitórios na sobrevivência de M. incognita, sendo que a suplementação com Fe, Mn e Cu potencializaram ainda mais a redução na eclosão do ovo, sobrevivência do juvenil de segundo estágio, penetração no sistema radicular e reprodução.

Os autores ressaltam que esses resultados são, provavelmente, devido ao acúmulo desses nutrientes na seiva em níveis tóxicos para os nematoides. Além disso, estes micronutrientes desempenham papel importante nas atividades metabólicas das plantas, o que pode aumentar ou diminuir a resistência ou tolerância das plantas infectadas por nematoides.

Os fertilizantes organominerais com diferentes matrizes orgânicas, como por exemplo torta de filtro, composto de barn e estercos, palhas e cascas de café, provavelmente podem contribuir para o manejo dos nematoides nas culturas.

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