Cristiane de Pieri – Bióloga e pós-doutoranda em Proteção de Plantas – UNESP – pieri_cris@yahoo.com.br
Christiane Ceriani Aparecido – Bióloga, doutora em Agronomia/Proteção de Plantas e pesquisadora científica – Instituto Biológico – São Paulo – christiane.aparecido@sp.gov.br
A alface tem seu cultivo em todo o território nacional, com destaque para as regiões sudeste e sul, onde se concentra a maior parte da produção. Destacam-se os tipos: crespa, americana, lisa e romana como os mais cultivados e consumidos, tendo também os tipos frisada, roxa, mimosa, e mini e muitas variedades, as quais se adaptam a diferentes tipos de solo e clima, aquelas que possuem melhor adaptação à altas temperaturas e índices pluviométricos, além do cultivo hidropônico.
Há, também, diferentes características em sua arquitetura, ampliando o seu cultivo em diversas regiões, sendo as variedades de folhas crespas e de coloração verde clara as favoritas dos consumidores.
Assim como outras culturas, a alface sofre com o ataque de diferentes pragas e patógenos, entre eles as doenças causadas por nematoides do gênero Meloidogyne sp., vírus como Lettuce mosaic virus – LMV e tospovírus, bactérias como Pseudomonas cichorii e Pectobacterium sp. (Erwinia spp.) e por fungos como o míldio, a fusariose, a queima-da-saia e em destaque a podridão de esclerotinia.
As estações onde predominam altas temperaturas e elevada umidade, como o verão, favorecem o ataque de microrganismos (fungos e bactérias) na cultura. Com isso, as perdas podem chegar até a 60%, comprometendo a produção do alfacicultor.
Esclerotinia em destaque
Entre os fungos de solo que atacam as hortaliças se destaca a esclerotinia, que é muito agressiva e prejudica o cultivo de alface. A doença podridão de esclerotinia é conhecida também como mofo-branco e é acometida pelo fungo Sclerotinia sclerotiorum.
S. sclerotiorum é uma doença agressiva e destrutiva que acomete mais de 400 espécies agrícolas, além da alface. Essa doença é favorecida por períodos com temperaturas amenas entre 15ºC a 25ºC e elevada umidade no solo. Essas condições favorecem a germinação dos escleródios no solo, iniciando o ciclo infectivo.
Pode ser transmitida via semente e os propágulos reprodutivos, conhecidos por estruturas de resistência, os escleródios, podem sobreviver no solo por mais dez anos, constituindo fonte primária de infecção.
O processo epidemiológico inicia-se quando os escleródios germinam em condições de alta umidade no solo. Quando germinam, os escleródios apresentam dois tipos de germinação: a miceliogênica, a qual produz hifas (micélio) e a carpogênica, que origina estruturas chamadas de apotécio (correspondem à fase sexuada do fungo). Essas estruturas formam os ascósporos, que quando maduros são liberados e disseminados pelo ar.
Sintomas
Os sintomas típicos do mofo branco podem ser visualizados com facilidade nos tecidos atacados com a produção de um micélio branco no qual denota o nome do fungo e a produção das estruturas de resistência que são pequenas estruturas arredondadas de coloração negra.
Em alface, os sintomas são observados próximo ao ponto de colheita, devido ao ambiente úmido proporcionado pelo desenvolvimento da planta. As folhas mais velhas são as primeiras a serem acometidas, por ficarem mais próximas ao solo.
Como progressão da colonização do patógeno, essas folhas murcham e apresentam sintomas de podridão mole e as folhas internas passam a ser atacadas, acarretando em murcha, com amarelecimento e posteriormente apodrecimento da planta toda.
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Controle
Quando uma área é infectada pelo patógeno, torna-se difícil a erradicação. Uma das formas de controle utilizada para minimizar os danos ocasionados pela doença é o controle cultural, utilizando a rotação de cultura nas áreas infectadas pelo patógeno com espécies de gramíneas que não são hospedeiras do patógeno; o uso de controle químico e o tratamento de semente com a utilização de fungicidas à base de tiofanato metílico, carbendazin, procimidona entre outros.
O manejo integrado, em destaque o uso de palhada na cobertura do solo, foi observado como barreira física para a formação dos apotécios e, consequentemente, para a disseminação dos esporos que, juntamente com o controle biológico, torna-se uma alternativa eficaz e sustentável, visto que o consumo de hortaliças é in natura e portanto, torna-se um alimento livre de agroquímicos.
Ainda que não erradique totalmente o patógeno das áreas afetadas, o controle biológico reduz consideravelmente a severidade e a incidência da doença no campo, além de reduzir custos com produtos químicos.
Uma alternativa para o manejo biológico do mofo branco em alface são as bactérias do gênero Bacillus sp. ou com o fungo antagonista do gênero Trichoderma spp., que reduz a densidade de inóculo no solo, pois parasita os escleródios e os apotécios.
O Trichoderma
Espécies do gênero Trichoderma são amplamente encontrados em solos de clima tropical e temperado, devido a essa ampla colonização em diferentes ambientes (solos, substratos, raízes, apodrecedores de madeira em florestas em diversas espécies vegetais).
Além do interesse em espécies desse gênero estar ligado à sua ampla distribuição e colonização (altamente versáteis, se desenvolvem em ambientes com altas temperaturas, salinidade, baixa umidade, etc.) está também no grande número de substâncias que produzem como enzimas: quitanase, protease, glucanase e celulase, alguns antibióticos e ainda outros vários compostos, como poligalacturonase e auxinas, que induzem a defesa da planta e agem como promotores do crescimento vegetal, respectivamente.
Espécies de Trichoderma que colonizam o solo são denominadas de oportunistas e, portanto, adaptadas à competição no solo e na rizosfera. Dentre os principais mecanismos de controle deste biocontrolador está a antibiose, metabólitos produzidos pelo fungo como as enzimas proteases, lipases e quitinases; a competição, por espaço e nutrientes e, principalmente, por tolerar o estresse oxidativo na rizosfera; a hipovirulência; a predação; o parasitismo e a indução da defesa do vegetal.
Pesquisas
A ação como micoparasita, com a atividade antifúngica de alguns metabólitos secundários de Trichoderma, foi comprovada em diversos experimentos de laboratório e de campo contra o fitopatógeno S. sclerotiorum em alface.
A aplicação de T. harzianum, T. asperellum, T. koningii e outros isolados de Trichoderma spp. reduziu a porcentagem de sementes de alface que não germinam quando infectadas com o mofo-branco, além de promover a promoção do comprimento e desenvolvimento das plântulas.
Espécies de T. virens e T. hamatum reduziram a severidade da doença em até 50% e, no campo, a incidência foi reduzida em 90%. T. koningii colonizou cerca de 100% dos escleródios de S. sclerotiorum em solo infestado no campo.
Espécies como T. harzianum, T. aperellum, T. viride e T. stromaticum são as principais espécies comercializadas como agentes de biocontrole. Outras espécies também são utilizadas em produtos comerciais, como: T. atroviride, T. fertile, T. polysorum, T. lignorum, T. virens, T. longibrachiatum, T. stromaticum e T. catenulatum.
Custo envolvido
No Brasil, existem mais de 35 produtos comerciais à base de Trichoderma registrados e disponíveis no mercado. Os valores estão entre R$ 120,00 a R$ 300,00 o litro, bom custo quando se compara aos benefícios obtidos.
Quanto às formulações, no mercado estão disponíveis pó molhável, granulada, suspensão concentrada, grãos colonizados, esporos secos, soluções emulsionáveis e grânulos dispersíveis.
Para resultados mais promissores, o produtor deve ficar atento ao prazo de validade dos produtos, bem como às recomendações técnicas dos produtos, como armazenamento e forma de aplicação.